sexta-feira, 26 de outubro de 2007

A Vez do Beisebol

Dário Borim Jr.
UMass Dartmouth

Vamos todos torcer pelos Red Sox? Sei que alguns estarão reagindo assim: mas o que é isso, companheiro? Você não é brasileiro? Sou sim, mas também sou capaz de apreciar novidades (esporte, cinema, literatura, música ou dança, por exemplo) que fazem sentido, que me divertem e que me ensinam algo sobre a condição humana, sejam elas originárias da minha cultura ou das que venho descobrindo vida afora.

Beisebol não é futebol, claro. Não tem pedaladas do Robinho ou chapéus do Ronaldinho Gaúcho, mas, como o esporte das multidões globais, esse esporte norte-americano também tem sua beleza plástica e nos traz muita alegria e paixão. A maioria dos estrangeiros que conheço pensa o mesmo: beisebol é muito chato, porque é muito lento e sem graça. Eu também pensava assim e, para ser sincero, levei aproximadamente 15 anos para mudar de idéia. Era pura ignorância. Até pouco tempo atrás, eu nem sabia que o pitcher não pertencia ao mesmo time que o batter em ação. A lentidão é apenas cíclica e resulta da enorme tensão psicológica em jogo. Além do mais, ela se desfaz em picos de ação cuja rapidez da bola é raramente comparável a de outros esportes.

No Brasil da minha infância e adolescência, muita gente nem podia dizer com certeza qual era o tal de beisebol: o jogo bruto dos americanos ou aquele outro, meio parado, com tacos. Lembro-me que quando estava para me casar no verão de 1991, meus futuros parentes convidaram e pagaram para que minha família brasileira fosse ver um jogo dos Twins, no belíssimo Metrodome, em Minneapolis. Também era minha primeira chance de ver um jogo de beisebol profissional. Embora eu já tivesse acumulado quase cinco anos de vida nos Estados Unidos, naquele estádio eu me sentia quase tão estrangeiro quanto os meus pais, irmãs e primos que tinham chegado de Minas há poucos dias.

Embora eu tenha tido a oportunidade de me aproximar lentamente do esporte nos anos seguintes (e isso aconteceu porque descobri a alegria descompromissada, a descontração geral, e todo o “folclore” que se pratica nos estádios de ligas profissionais menores, como a dos Pawsocket, em Rhode Island), foi-me necessário ver meus filhos jogar beisebol nos campos do parque Crapo, em Dartmouth, para que eu de fato aprendesse as principais regras e as múltiplas sutilezas desse fabuloso esporte.

Quando tento racionalizar sobre os aspectos do beisebol que o tornam tão apelativo às massas, concluo que é seu incrível equilíbrio entre responsabilidades individuais e coletivas. O pitcher vive uma guerra pessoal contra o batter, um duelo que às vezes me faz pensar na relação tensa e terrível entre o touro e o toureiro. O aspecto psicológico daquele desafio entre os jogadores, porém, é de múltiplas conseqüências. Um dos dois elementos poderá levar sua equipe e seus fãs ao deleite total, à glória de um grand-slam, por exemplo, ou à humilhação de uma derrota de 12 a 2, como a que aconteceu aos Indians, de Cleveland, semana passada. Entretanto, o resultado de uma partida de beisebol poderá depender muito bem da rapidíssima sincronia de arremessos entre os jogadores do in-field e out-field, ou ainda da fantástica captura de uma bola rebatida pelo batter, cuja eficácia terá impacto direto no resultado final.

Depois de vários anos chegou o momento de me dar conta do meu profundo respeito por beisebol – mais que um esporte, uma instituição dos Estados Unidos que não precisa da aprovação do resto do mundo para se manter viva e apaixonante. A comprovação final dessa afinidade com o beisebol veio depois de assistir a duas partidas no lendário Fenway Park, em Boston. Aquilo é uma festa pacífica de enormes proporções. Pessoas que não se conhecem se falam, fazem piadas, e, às vezes, até se abraçam. Entre milhares de fãs há uma constante vibração e zumbido. Quase sempre o clima é de celebração, ao som de rock and roll ou algum canto de glória em ritmo pop-rock. Acima de tudo, naquele momento me valeu a impressão de quão importante é conhecer para só depois julgar quem quer que seja ou qualquer coisa que nos retire do falso conforto de nossas convicções.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007


Estrelas luso-afro-brasileiras

[Mariza, fadista portuguesa, no Consulado de Portugal em New Bedford (foto de D. Borim, 6/out/2007) ]


O teatro Zeiterion não é mais o mesmo. Desculpem-me pela falta de modéstia, mas depois de quatro eventos ali protagonizados por estrelas do mundo lusófono, até as paredes do distinto centro artístico já conhecem melhor a nossa cultura musical e a nossa alma. Em menos de dois anos, fomos contemplados com os exuberantes concertos de Dulce Pontes, Gilberto Gil, Lura e, no último fim-de-semana, a grande fadista dos nossos tempos, Mariza.

Alguns aspectos se destacaram nesses espetáculos: o alcance e maleabilidade das vozes, além da simpatia e leveza performáticas de cada artista. Uma sedutora e acrobática Dulce Pontes, por exemplo, dançou e simulou emoções com seu corpo ágil e redobrável de cantora-bailarina.

Gilberto Gil, com sua poesia sutil e filosoficamente precisa naquele que foi seu único show em toda a Nova Inglaterra, não apenas pareceu atingir o âmago do ser etéreo e sonhador de cada um dos presentes. Ele também se fez de maestro para que milhares de pessoas criassem o que talvez nunca tivessem nem mesmo tentado na vida: um lúdico e inacreditável falsete. Vi muita gente chorando, de êxtase e pele arrepiada. Ou era de orgulho, por saber que um artista brasileiro da estirpe de Gil ali estava e cantava, carne e osso, como se estivesse numa roda de samba no boteco da esquina, ou numa reunião de família, no fundo do quintal.

Sim, era Gil, o mesmo dos nossos sonhos e paixões dos anos 60, 70, 80 e 90, que prosseguia viagem pelo século XXI esbanjando saúde, bom-humor, otimismo, e muito lirismo. Com seus longos cabelos trançados e amarrados atrás, ele vestia bata e calças de algodão branco -- mais parecia um anjo afro ou, talvez, um filho de Ghandi, um bloco de Carnaval de Salvador.

Lura chegou ao palco do Zeiterion exalando energia criadora, encantando-nos em crioulo cabo-verdiano, inglês ou português. Entre os quatro artistas do mundo lusófono, foi ela quem atraiu o público mais jovem àquela casa de espetáculos. Lura é muito lírica também, e seu charme ao evocar múltiplas tradições e dramas cotidianos de Cabo Verde levava-nos a um animado passeio pelas ilhas do seu país. Quando dialogava com a platéia em cabo-verdiano, Lura parecia reforçar, sílaba por sílaba, a legitimidade da existência cabo-verdiana enquanto povo dono seu próprio idioma e de uma identidade diversificada, entre nativos e estrangeiros, por exemplo, ou habitantes de Santiago e São Nicolau.

Mariza fechou com chave de ouro essa seqüência de espetáculos luso-afro-brasileiros. Nascida em Moçambique, filha de mãe africana e pai europeu, essa estrela de 33 anos deixou lembranças indeléveis na mente de todos os que tiveram o privilégio de poder comprar seus (caros) ingressos. Foi capaz de entreter os amantes do fado tradicional sem se conter no improviso e na liberdade que sua voz potente e pluritonal lhe proporcionava. Ela, que já morou no Brasil alguns anos, que já se expôs profundamente às inovações vocais e rítmicas do gospel, blues e jazz norte-americanos, e que já descobriu o borbulhar inspirador das suas raízes africanas, reiterou duas ou três vezes, em conversa com os seus ouvintes, a sua ligação visceral com Portugal, um Portugal popular, dos bairros da Mouraria e Alfama.

Metaforicamente, Mariza aludiu à dupla semântica do termo “fado”: “gênero musical” e “destino”. Ela, por assim dizer, fez glosa do fado do seu fado, isto é, do seu destino enquanto cantora de fado, e, também, do próprio fado enquanto música do seu destino. Esse tal destino lhe empurrou o fado quando ela morava no Brasil e ainda nem sonhava em ser fadista, apesar de ter sido criada desde os três anos em ambiente de taverna, quando seu próprio pai possuía uma dessas casas na área mais boêmia de Lisboa. Finalmente, parece-me de suma importância que Mariza faça seu fado como o faz, eletrizando os corações dos patrícios sem deixar de reiterar a origem transcontinental do seu talento ou a identidade multirracial do seu ser. Saravá, Mariza!

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Ponteio Cultural, um Blog de Dario Borim




Ponteio Cultural

A coluna de Dário Borim

para O Jornal Brasileiro (Fall River, MA, EUA)

Quando o convite para criar esta coluna chegou, e meu desejo de aceitá-la driblou minhas ansiedades e receios (afinal, a dita falta de tempo é um dos maiores males da vida atual), logo me pus a matutar: que nome deveria dar a essa coluna?
Foram duas as colunas que, até então, eu tinha mantido por aproximadamente um ano em periódicos publicados a quase dez mil quilômetros de distância um do outro. Em 1982 “Memories, Thoughts, and Things” saía a cada duas semanas no jornal The Lance, de uma faculdade localizada junto aos pés das Montanhas Rochosas, o Eastern Wyoming College. O único brasileiro do campus e da pequena cidade de Torrington tinha algo a dizer sobre suas viagens pelas Américas e diversas regiões dos Estados Unidos. A outra coluna sairia 20 anos depois. Era chamada “Via Satélite” e suas crônicas discutiam o cotidiano, cultura e política. Eu podia, assim, manter-me em contato com os leitores d’A Voz da Cidade, periódico bissemanal da minha querida Paraguaçu -- a “princesinha do Sul de Minas”, segundo uma canção local.

Mas por que pensar tanto em um nome? O que há por detrás de um nome? Dois dos maiores poetas das línguas inglesa e portuguesa também se questionavam a respeito. "What's in a name? That which we call a rose / By any other name would smell as sweet", dizia o dramaturgo inglês William Shakespeare em sua peça Romeu e Julieta. “Mundo mundo vasto mundo / se eu me chamasse Raimundo / seria uma rima, não seria uma solução” era o que concluía o grande bardo das Minas Gerais, Carlos Drummond de Andrade, no seu “Poema de Sete Faces”.
É claro que não é pela força de um nome diferente que daremos a uma bela rosa o aroma de cebola, nem vai ser um nome próprio que trará paz de espírito a um poeta angustiado com a modernidade e com o seu próprio passado. Mas é inegável a força dos vocábulos para atrair ou repelir leitores (o título de um livro, por exemplo), ou para sugerir a natureza dos assuntos abordados por uma coluna de jornal. Por essa razão, então, veio-me a dúvida e, depois, a opção, “ponteio”, que, segundo o Novo Dicionário Aurélio, é o ato ou efeito de pontear (que se conjuga como “frear”), isto é, “marcar com pontos uma linha”, “alinhavar um vestido” ou, principalmente, “dedilhar as cordas de um instrumento”.

Pronto: ponteio. É isso mesmo que eu me proponho fazer: alinhavar umas idéias sobre cultura (literatura, filmes, espetáculos teatrais, musicais, etc.). Pretendo, pois, dedilhar minhas cordas enquanto professor de estudos luso-afro-brasileiros da UMass Dartmouth e enquanto produtor-apresentador de um programa de música, o Brazilliance da WUMD (89.3 FM), que sempre às quintas-feiras (3-6 da tarde) dissemina o maravilhoso legado musical dos países lusófonos aos ouvintes desta região e também do resto do planeta, via Internet.

A inspiração do nome surgiu da nossa memória musical. Partiu de uma canção engajada de 1967, escrita por Edu Lobo e José Carlos Capinan. Era tempo dos festivais de música no Rio de Janeiro e São Paulo. Um pouco antes da censura intimidar os artistas, podia-se clamar: “Era um, era dois, era cem / Vieram pra me perguntar / Ô, você de onde vai, de onde vem / diga logo o que tem pra contar / Parado no meio do mundo / Senti chegar meu momento / Olhei pro mundo e nem via / Nem sombra, nem sol, nem vento / Quem me dera agora eu tivesse a viola pra cantar”.

Nesta página de jornal, minha coluna é minha viola, e espero que vocês também façam parte dessa roda, dessa cantoria bissemanal. Para melhor dela participar, cantem-me acordes e versos através dos seus comentários e outras contribuições que lhes sejam possíveis. Meu e-mail é dborim@umassd.edu. Sejam todos muito bem-vindos!
(29/setembro/2007, p. 17)

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