quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Tradições


[O simpaticíssimo Dr. Guilherme Borim Mirachi sob o impacto de algumas tortas americans –
feitas por Ann e fotografadas por Ian Borim]


Tradições


Nosso sobrinho Guilherme Borim Mirachi, jovem médico brasileiro-batuqueiro, de Belo Horizonte, deu-nos a honra de apreciar conosco alguns elementos da tradição norte-americana do Dia de Ação de Graças. Como sou escritor e estudioso das culturas, tenho que fazer uns parênteses. Falei de tal tradição norte-americana, mas na verdade são muitas as formas de se comemorar o Thanksgiving nos EUA. Ontem mesmo eu ouvia a Rádio Globo, de New Bedford, e um comercial tentava atrair os ouvintes para as promoções de uma mercearia local. Quando diziam que tinham tudo para as festas de Thanksgiving decidi prestar muita atenção no catálogo de ofertas. Fiquei bastante surpreso porque o rol de produtos indicava que, segundo o comercial, nossa tradição de Thanksgiving incluía vários pratos e tira-gostos portugueses.

Esse feriado nacional segue tradições diferentes em alguns dos sete estados onde já morei: Wyoming, Minnesota, Califórnia e Massachusetts. Não há espaço aqui (e nem suficientes neurônios na minha cabeça) para comparar os rituais e os detalhes das comilanças de um lugar com os de outro lugar, ou mesmo de uma época para outra. Mas como seriam nossas tradições familiares, hoje em dia? Bem, posso dizer que não são tão “rígidas”. De fato, cada ano é uma história diferente, talvez porque nossos filhos não têm primos, tios ou avós por perto que nos fizessem seguir a rotina de uma visita à mesma casa a cada ano para ver as mesmas pessoas, comer as mesmas coisas, e assistir a uma partida de futebol americano, o ritual de muitas famílias também seguido de uma sessão de cinema, com a barriga bem cheia. Certas vezes passamos o Dia de Ação de Graças nas casas de amigos, com filhos pequenos. Outras vez, ficamos em nossa própria casa e sem qualquer visita, de longe ou de perto. Outras vezes viajamos para uma cidade ou resort um pouco distante, compartilhando da tradição gastronômica local com totais estranhos, em um hotel ou restaurante qualquer.

Em 2007 nosso Thanksgiving foi um absoluto deleite. Começou com muitas conversas animadas (regadas a copos de Mojitos, um delicioso presente tradicional cubano ao mundo) e uma sessão de vídeo que mostrou com muitos detalhes a jornada do nosso sobrinho médico em breve período nos EUA. Vimos então cenas de um congresso de medicina em Chicago, cidade pela qual Guilherme se apaixonou (apesar dos ventos), e imagens do seu estágio de quatro semanas no Centro de Tratamento Intensivo do Hospital Rhode Island, onde seu idioma nativo, o português, permitiu-lhe diagnosticar alguns pacientes antes que seus colegas norte-americanos compreendessem que tipo de dor afligia seus pacientes. Mas em Providence nem tudo foram rosas no plano lingüístico, pois o sotaque de um senhor de São Miguel (ilha dos Açores) provou ser mais que uma simples barreira inicial: acabou desorientando o belorizontino por algum tempo. O jovem doutor nem tinha idéia de onde se encontrava o tal lugar chamado São Miguel ou tampouco entendia a explicação do enfermo sobre sua condição física ou sua terra natal.

Era apenas o começo do nosso feriado. E como Guilherme voltaria para o Brasil na manhã seguinte, a comemoração do Thanksgiving teve que ser antecipada para quarta-feira, adquirindo um sabor especial de “bota-fora”. Como minha esposa, Ann, é de Duluth, Minnesota, seguiríamos a maioria das tradições culinárias daquela região e de sua família anglo-sueca. Portanto, iniciou ela o ritual de preparação from scratch com uns rolls de canela, seguidos de uma torta de mação e outra de abóbora. Depois veio o trato especial ao peru, de sete quilos, que logo iria ao forno, e ao delicioso stuffing, com muito aipo e cebolas que piquei eu mesmo, sem verter nenhuma lágrima. Então, enquanto o marido descascava e cortava as batatas para o purê, Ann se encarregava dos oxicocos (cranberry), batata-doce, ervilhas, cebolinhas e o indispensável molho tipo gravy.

Bem, uma certa tradição do Thanksgiving logo seria alterada. Quase tudo pronto, era hora de aguardar três horas até que a tradicional ave corasse. Enquanto isso, teríamos um enorme privilégio: em vez de uma partida de futebol americano, assistiríamos ao jogo de futebol entre Brasil e Uruguai, direto do Morumbi. Sofremos. O Brasil jogou mal, mas teve sorte. O coitado do Uruguai jogou bem, mas não poderia ter sido mais azarado. Resultado: 2 a 1 para o Brasil. O vinho verde português já estava fresquinho e pronto para nossa ceia. Eram quase 11 horas da noite e, com muitas tradições seguidas à risca e outras ignoradas ou reformadas, agradecemos a Deus por isso e aquilo mas, principalmente, pela nossa paz, saúde e carinho mútuo e, para completar, por mais uma vitória do excrete canarinho. Deus às vezes é brasileiro.

Dário Borim
dborim@umassd.edu

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