sábado, 12 de dezembro de 2009

Outono de ciúmes

Outono de ciúmes


Dário Borim Jr.
dborim@umassd.edu



Ainda não sei bem de que vou tratar nesta crônica. Devido ao pouco espaço que temos nos jornais, é preciso ser objetivo. Por isso mesmo eu nem deveria tecer estas considerações, pois já estão utilizando três ou quatros linhas da parcela que me cabe nesta página de jornal. Este preâmbulo me faz pensar em certos acadêmicos. Ao iniciarem suas palestras falam que vão ser breves, mas acabam por gastar quase dez minutos antes mesmo de ler uma linha do seu trabalho.

Ao especular sobre o que escrever, lembranças da noite anterior me cutucam a mente. Então, como vai ficar esta crônica? Sobre o quê estou aqui para conversar? Meu leitor tem certa vantagem sobre mim. Você que agora lê estas “mal traçadas linhas” já sabe qual é o título desta crônica, mas eu ainda não. A primeira idéia que tive foi chamá-la de “Arqueologia do ciúme”, mas desisti. É muita ambição para pouco espaço que, aliás, vai acabar logo. Bem, já que as folhas por aqui caíram todas e o outono está quase por desaparecer por completo (nevou duas vezes esta semana!), resolvi intitular este texto de “Outono de ciúmes”.

São tantas as inspirações por trás dessa escolha que eu nem poderia sequer mencioná-las todas por aqui, muito menos as desenvolver a contento. Quem sabe começo pelo fim, como o faz Machado de Assis em Memórias póstumas de Brás Cubas? Revisito as conversas de ontem à noite na casa do professor Frank Sousa, então. Estavam lá dois distintos convidados, Carlos Reis e João Cezar de Castro Rocha, críticos de peso no mundo da literatura de Portugal e do Brasil, respectivamente. Antes de começarmos a contar dezenas de piadas (ou anedotas, como dizem os portugas), demos prosseguimento informal às discussões que predominaram pela tarde adentro, quando tivemos um belo colóquio na Universidade de Massachusetts Dartmouth.

Organizado por Sousa, aquele encontro acadêmico enfocava a literatura de Eça de Queirós e Machado de Assis. Reis e Rocha foram as grandes estrelas, e dois dos assuntos que mais renderam análises foram adultério e ciúme. Sobre essas questões, Reis, mundialmente reconhecido como um dos maiores especialistas em Eça, discorreu sobre o romance A correspondência de Fradique Mendes. Por seu turno, Rocha, grande teórico da narrativa machadiana, fez instigantes alusões ao mais famoso livro de Gustave Flaubert, Madame Bovary, ao dissecar os percalços da crítica ferrenha com a qual Machado Assis condenara O primo Basílio, a obra do seu contemporâneo português.

Horas mais tarde, pouco antes do jantar, tive o prazer de apresentar uma pergunta aos ilustres convidados. A questão tinha surgido durante minha aula da última quinta-feira, sobre Dom Casmurro. Um aluno, Marc McCarthy, me perguntara se eu sabia por que razão, ou sob quais circunstâncias da vida real, Machado de Assis teria abordado tão bem os temas do ciúme e do adultério em Dom Casmurro e Memórias póstumas. Não foi Machado um homem de vida burguesa bem comportada, um homem apaixonado por sua casta esposa, Carolina, a portuguesa que, segundo João Cezar, tivera grande influência sobre a carreira do magistral escritor brasileiro?

Aconteceu-me de ter visto, recentemente, uma bela versão cinematográfica de um romance do escritor inglês Graham Greene, Fim de caso. Naquele triângulo amoroso criado por Greene, quem mais sofria de ciúme era o escritor ficcional Maurice Bendrix, o amante, e não a infeliz esposa, Sarah Miles, ou seu marido, Henry, um burocrata tão sem-sal quanto desapaixonante (serve o neologismo?). Tanto os colegas naquele jantar saboroso, intelectual e anedótico, quanto os meus alunos de literatura, ouviram de mim pouco mais que uma pergunta: haveria alguma relação entre a sofisticada e profunda tematização que Machado faz do ciúme em Dom Casmurro e a sua suposta paternidade do poeta Mário de Alencar, oficialmente registrado e reconhecido como filho de José de Alencar? Sabe-se que Mário de Alencar tinha mais que as mesmas iniciais do autor carioca, M. A. Havia também fortes semelhanças físicas com Machado, e ambos eram epiléticos. Ademais, argumenta-se que Machado de Assis teve conduta antiética ao promover o “filho” a membro da Academia Brasileira de Letras.

Infelizmente não há mais espaço para reproduzir aqui as discussões que se seguiram. Elas ficam para a fértil imaginação do leitor, imaginação esta que não faltou aos ciúmes de Maurice Bendrix, Brás Cubas, Bento Santiago e, talvez, Machado de Assis. Se foi assim, assim será. E salve-se quem puder.

7 comentários:

Tatau disse...

Brother,

Eu li mais esta cronica. Mas esta é de doer! Sou muito ignorante nestas paradas de literatura.

De qualquer forma, eu gosto do estilo do escritor... Gosto de saber de seus momentos de literário...

Mas, sinceramente, prefiro quando você relata experiências em outros países, ou quando lembra das nossas coisas de nossas vidas, aí é muito bom!

Um grande abraço e até lá!

José Carlos

Jose Luiz disse...

Uai gente...
Não conheço Paraguaçu, no sul de Minas, mas o que será que esta cidade tem que merece a honra de receber a sua crônica e o seu blogue não??? Gente... a não ser que a "coisa" tenha saído dos eixos para algum doa envolvidos... sei lá... vai saber...
Pelo sim, pelo não, eu não hesitaria, mas não temos as mesmas iniciais e, graças ao bom Deus, não sofremos de epilepsia!!! Logo, como dizia uma música religiosa do meu tempo de TLC e Emaús: "A decisão é sua"!
Abraço

PS: É claro que eu adorei e, se fosse o caso, colocaria um pouco mais de "pimenta" nessa história...

Frank disse...

Caro Dario,

Bela prosa, como sempre, diga-se de passagem. Voce de facto tem uma
facilidade a escrever que sempre impressiona.

Talvez deveriamos ter explorado ainda mais esse tema durante o jantar,
particularmente depois da segunda garrafa de vinho. Alias, gostei imenso
do vinho argentino que voce trouxe, que foi a segunda garrafa bebida.

Grande abraco,

Frank

Thiago disse...

Great! Dario,

Voce deve continuar esta historia!

Thiago

Thiago disse...

Dario,
Por coincidencia, Machado de Assís sempre foi um de meus favoritos. Depois é que vieram o José Lins do Rego, Manuel Bandeira (quem cantava rouco, a sua canção (Vai Azulão...), pois somente tinha UM pulmão devido `a turbeculose e que aos sábados se reunia no apt. do meu mano, o poeta Thiago de Mello, em Copacabana, com quem eu tambem morava. Tambem vinham o Drumond de Andrade, Heitor Cony, Paulo Mendes Campos, etc. Eu era jovem e ficava olhando e ouvindo as grandes historias que surgiam naquelas noites. Havia muito vinho Frances, queijos `a vontade, etc.

Bem, fico agradecido por voce ter enviado este seu trabalho, bem "afinado"!

Abraços,
Thiago

Cris disse...

Achei que iria encontrar um texto totalmente diferente. Achei que iria falar dos ciúmes como sentimento. O que vc pensava sobre este sentimento, ou como o sentia ou até como o recebia. Fiquei um pouco triste pq vim atrás de grandes revelações... mas o Mr.Mistério não contou nada, né? Danado!

Tirando as expectativas, gostei muito. Mas nossa conversa foi tão além do texto que não sei mais dizer se fomos nós que chegamos à conclusão que é preciso viver para melhor expressar ou se foi o texto. Fiquei confusa. Mas apesar das minhas limitações, adorei o causo e a crônica dele. Vc conta muito bem o que aconteceu e faz os links perfeitos dos textos dos diversos autores, do tema, da dúvida do aluno e como sua resposta pode mostrar que as vezes existem muitas coisas subtendidas que fazem diferença no reconhecimento de uma leitura.
Obrigada um milhão de vezes por partilhar tudo isso comigo.
Adoro conversar e descobrir novos mundos com vc.

Cris Lima disse...

Sempre passo pelo site. Adoro todas as histórias que você conta. É impressionante como a sua escrita é sedutora, daquelas que a gente começa e não quer parar mais. Tarde de som com brisa, uma janela aberta e um causo contado com sabor de invenção. Bom demais, sô!

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