domingo, 31 de janeiro de 2010

Yumi Faraci

Yumi Faraci em Dartmouth, Massachusetts Junho 2009 Gostaria que minhas cinzas Fossem jogadas no ar, Do alto de uma montanha e no mar. Quando sentirem saudades minhas, Respirem, estou presente no ar. Quando sentirem saudades minhas, Mergulhem, estou presente no mar. Estou presente no mundo, Estou presente no coração De cada um de vocês... --Yumi Faraci Não há palavras para descrever a dor de se perder um filho. É o que dizem por aí os que o sabem por experiência própria. Não tive e espero não ter que passar por isso, mas é o que imagino ser a verdade nua e crua do que parece ser, mas não é, pura estupidez e crueldade do destino. Em dois momentos da minha vida já estive muito perto e sensível a tal dor. Em 21 de junho de 2001 meus pais perderam sua linda filha caçula, Ana Beatriz, quando ela tinha apenas 36 anos. Não fui e não sou capaz de me ver naquela desconcertante condição de pungente amargura e quase desesperação que marcaram as vidas de seres a quem tanto amo. Agora, um mês atrás, o destino ceifou a vida de mais um belo ser, Yumi Faraci. Filha única, de apenas 18 anos de idade, ela era muito querida pelos seus pais, meus grandes amigos Geraldo Faraci e Sônia Imanishi Faraci, e por toda a enorme e zelosa família mineira dos avós paternos, e toda a tradicional e solicita família japonesa dos avós maternos. Yumi faleceu em meio a uma sequência de eventos trágicos que afetaram a muitas pessoas no sul e sudeste do Brasil entre os meses de dezembro e janeiro: enchentes, deslizamentos de terra e desabamentos em larga escala. Como eu me encontrava no Brasil nesse período, pude fazer companhia e levar meus abraços a Geraldo e Sônia em três ocasiões em que se fizeram tributos à curta, mas definitivamente encantadora, vida de sua filha. Em todos eles, preferiu-se ver e salientar a beleza de uma vida ao invés de apenas se lamentar seu fim. Yumi e seus pais estiveram aqui em casa em junho de 2009, quando ela recebia deles um prêmio por ter passado no vestibular. Era a sonhada viagem aos Estados Unidos para assistir a um concerto de sua banda favorita, a Coldplay. Numa das noites que passaram conosco em Dartmouth, Yumi e meu filho Ian fizeram um dueto de violões. Foram instantes mágicos, em que o olhar penetrante daquela jovem cantora e a voz um pouco rouca e muito adocicada daquela futura estudante de arquitetura nos deixaram enternecidos, com uma pré-saudade de uma ocasião tão especial para nós todos ali reunidos. Para Yumi, música era uma paixão quase sem rival, por isso lhe fiz tributo dez dias atrás em meu programa de rádio e internet, o Brazilliance, ao tocar alegres gravações de Lisa Ono, outra talentosa nissei. Lembrei-me então de histórias que seus pais me contaram: a magia de sua filha ao cantar para seus familiares japoneses, quando os três visitavam o Oriente. Ela mesma me passou, sorrindo com um pouquinho de orgulho contido, os detalhes do dia em que tocou violão numa estação de metrô em Londres. Para sua surpresa, moedas da valiosa libra esterlina começaram a cair no estojo de seu instrumento. Yumi, aliás, não apenas tocava. Também compunha canções em inglês e japonês, além de português. A jovem Yumi, inspirada poeta, exímia nadadora e precoce faixa-preta de judô, tinha de fato invejável senso de humor e contagiante otimismo, mas também dedicava tempo a questionamentos sérios, até mesmo aos mistérios da vida e da morte. Por isso ficaram conhecidos seus desejos para quando fosse ela chamada aos céus. Queria ser cremada e que suas cinzas tivessem três destinos específicos: que fossem espalhadas pelas montanhas de Minas (como as da serra da Moeda, de sua declarada escolha); o mar de Ilha Grande e Angra dos Reis (por onde passara quase toda a vida); e a casa centenária de seus antepassados no Japão (cuja cultura milenar ela sempre amou). No dia 9 de janeiro passado tive a chance de assistir à cerimônia em que suas cinzas eram preparadas para descerem de uma asa-delta branca. Em tarde ensolarada e transparente, esta partiria em longo e ritmado vôo, abaixo e sobre nossas cabeças, tudo sob os acordes compostos e gravados pela própria Yumi. A comoção e deslumbramento dos presentes diante da delicadeza daquela homenagem eram evidentes. Para isso contribuíram algumas das cenas naturais mais belas de Minas Gerais, ou mesmo de todo o Brasil, as vastas vistas verdejantes de um pico da serra da Moeda, junto ao restaurante Topo do Mundo. O sorriso, a simpatia, o talento e o amor de Yumi pela família, pelos pais, pelos amigos e pela vida não voltam mais. Não voltam porque nunca estarão afastados daqueles que a conheceram e que preferem pensar na grande honra e prazer de tê-la conhecido. De ter com ela convivido e aprendido sobre a arte de viver em plena graça e contentamento. O destino não lhe foi cruel nem tampouco sem sentido. Proporcionou-lhe a oportunidade de trazer uma pletora de luz e carinho a todos nós que a conhecemos, um benévolo alento de fé na espécie humana de que jamais esqueceremos.

A Pérola Negra e outros imprevistos

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