quarta-feira, 26 de março de 2008

Terras estrangeiras


Terras
estrangeiras

Dário Borim Jr.
dborim@umassd.edu

Segundo o crítico Fernão Pessoa Ramos, há uma forte tendência no cinema brasileiro dos últimos treze anos: um tipo de acusação direcionada à nação como um todo, o grande vilão. Essa seria uma nação que se afoga num imundo mar de incompetência. Nossos cineastas contemporâneos, por seu turno, seriam navegadores cujo grande deleite é lavar nossa roupa suja diante de viajantes estrangeiros, principalmente aqueles trans-vestidos, na própria tela de cinema, com alguma indumentária e sobriedade a lhes outorgar autoridade moral (ou outro senso de superioridade) diante de sórdidos e ignóbeis terceiro-mundistas.

Ramos chama de “narcisismo às avessas” o conceito que toma emprestado do grande dramaturgo e cronista Nelson Rodrigues. Nos dias em que a seleção nacional de futebol não jogava bem, Rodrigues podia perceber que as vaias no Maracanã revelavam nossas “humilhações hereditárias”. Depois de muitas gerações sofrendo das mesmas frustrações e ansiedades, o ser brasileiro, escreve Rodrigues, “virou o seu narcisismo pelo avesso”, passando a cuspir “na sua própria imagem”.

O efeito daquele tipo de cinema a expor tão exaustiva e implacavelmente os podres poderes e fatais inaptidões de uma nação seria uma espécie de catarse, como os gritos no estádio de futebol. Através dessa catarse, no escurinho do cinema, o espectador podia se sentir melhor: ficava com pena, mas se afastava daquela repugnante realidade retratada pelo cineasta.

Com o filme Terra estrangeira, de 1995, os diretores Walter Salles e Daniela Thomas dão tremendo fôlego à recuperação do cinema nacional depois de cinco anos de um marasmo quase completo, herança nefasta do governo Fernando Colllor. Entretanto, além da crise política e econômica brasileira dos anos 80 e início dos 90, inevitáveis descaminhos no mundo do crime em Portugal compelem a protagonista de 28 anos, Alex, a refletir sobre a sua profunda decepção com a vida no “eterno país do futuro”. Tal sentimento, discute o crítico José Carlos Avellar, era compartilhado por milhares de jovens da classe média brasileira no início dos anos 90: “a sensação de se fazer parte de um país que não presta, de não se ter raiz nem identidade, de se viver em sua própria terra como se essa fosse uma terra estrangeira”.

Terra estrangeira, porém, deve permanecer excluído à síntese que Ramos aplica à produção cinematográfica do período de “retomada” do cinema nacional. Primeiro, vemos que a crítica social ao Brasil não é extensiva, impiedosa ou recalcitrante. Em seguida, constata-se que a imagem de Brasil terra-mãe-não-gentil é ali diluída pelas imagens muito mais problemáticas de outro país: um Portugal velho e inóspito, incapaz e indisposto a absorver os imigrantes vindos de países dos quais Lisboa tanto sugou recursos naturais e divisas comerciais enquanto metrópole imperial, e para os quais mandou, até 50 anos atrás, milhões de emigrantes. Numa terceira reflexão, aponta-se a ausência daquela típica personagem que representasse a autoridade estrangeira, emoldurando e ratificando a incompetência brasileira. Finalmente, a sensação que se tem ao assistir Terra estrangeira é a de que os realizadores da obra (nesse sentido, produtores, diretores e artistas) não objetivam o distanciamento entre a platéia e o universo dramatizado na tela.

Portanto, Salles e Thomas não configuram o tal narcisismo às avessas, cujo objetivo seria fazer com que o povo brasileiro despedaçasse sua auto-imagem para então se sentir mais distante do seu país de origem, ainda que lá mesmo continuasse residindo. O que temos neste belo filme, tão rico em simbolismos imagéticos quanto poético e pungente nos seus diálogos é, em particular, um drama sobre a imigração e a emigração entre o Brasil, Portugal, e Espanha (para onde fogem os protagonistas). Em um sentido mais amplo, vislumbra-se um estudo das inusitadas contingências e das típicas maledicências da vida no exterior. Discutem-se, pois, com o devido respeito, a imigração penosa e a complexidade quase sem fim da vida em terras estrangeiras, essas terras-mães nem sempre gentis para com seus filhos legítimos e ilegítimos que, por ora ou por gerações, se encontram destituídos de emprego, esperança e auto-estima.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Blogs

Quem tem medo dos blogs?

Dário Borim Jr. (dborim@umassd.edu
)

[Foto de Rick e Blanca, dois amantes dos blogs]

O título desta crônica tem um “que” de brincadeira, é claro. Afinal de contas, os blogs que habitam a grande rede de comunicação virtual não ameaçam nem escondem quaisquer armadilhas para nós, que até ontem éramos mortais. (Agora, com os blogs gratuitos, todos nós podemos virar imortais!)

Mas para que servem os blogs? Melhor seria perguntar: para que não servem os blogs? O indivíduo hoje pode ler uma notícia de jornal online e imediatamente mandar um comentário sobre ela, comentário que é publicado em segundos no próprio jornal. Mas os blogs servem a muitos propósitos. Professores, por exemplo, criam blogs para seus cursos com documentos que os alunos poderão acessar a qualquer momento.

Não faz muito tempo que eu mesmo passei a me interessar pelos blogs. Depois criei coragem para tentar estabelecer o meu próprio, através do portal totalmente gratuito, o Blogger:
http://www.blogspot.com/. Descobri que não era preciso obter um diploma do MIT para se ter uma página interativa na internet. Achei o processo bastante simples. Daí nasceu o Ponteio Cultural das minhas crônicas online: http://www.drborim.blogspot.com/.

Bom, um dos mais gratificantes aspectos da amizade é querer e poder compartilhar com amigos as nossas conquistas. Então, quando pude, convidei alguns deles a ver o quanto era fácil criar um blog e quanta satisfação era possível dele extrair. Primeiro me seguiu o conselho uma grandíssima amiga paulista, Wania Ribeiro*, que hoje publica seus belos poemas – como e quando bem entende, mas sempre para o grande deleite de seus alunos e amigos. Outro companheiro escolhido foi Rick Hogan, professor de filosofia que se aposentou da UMass Dartmouth alguns anos atrás. E não é que o Riquinho se tornou um grande fanático pelas liberdades e aventuras de se ter um blog?

Hoje, menos de cinco semanas depois de iniciar o seu blog, meu amigo Rick* já é capaz de fazer ali mil maravilhas. São centenas de páginas narrando viagens acumuladas ao longo de mais de quatro décadas pelos quatro cantos do globo, da África do Sul ao Tibete, ou do Egito à Patagônia. Ademais, nos deliciamos com centenas de fotografias – e até mesmo alguns de seus estudos filosóficos sobre Nietzsche (e outros mestres do pensamento) – também publicados ali. Sua paixão pelos blogs logo se estendeu a sua esposa, Blanca Rodriguez*, que se encontrava escrevendo um livro de receitas espanholas. Ela então passou a compor o seu próprio blog com todas aquelas apetitosas opções culinárias para milhares de mestres-cucas um dia experimentar.

É bom lembrar que quando lidamos com a internet e computadores em geral, nós, pessoas com mais de 40 anos de idade, não somos tão espertos quanto nossos filhos, cuja maioria nunca viu uma máquina de datilografia. Então é preciso ter paciência, porque inevitavelmente serão cometidos alguns erros no aprendizado. O importante é não perder a paciência e manter a perseverança. Quando eu mesmo ajudava Rick a criar o seu blog, de algum modo misturamos os códigos de identificação e personalização. Por quase uma hora nossas identidades estiveram cruzadas na grande rede. Quando Rick tentava abrir o seu blog (para desenvolvê-lo), caía logo no meu. E eu, quando tentava alterar algo no meu próprio blog, de repente me via diante da página ainda deserta do blog do meu amigo.

Não sei se os desvios foram efeitos de uns copos de vinho tinto. Mas o fato é que se devem controlar os nervos nessas horas, porque quase tudo se resolve na grande rede quando é mantida a calma e a graça. Sem desespero, somente um pouco de medo, Rick e eu logramos separar nossas identidades. A partir daí seus olhos adquiriram novo brilho e não houve mais limite para o seu prazer de publicar e imortalizar histórias e imagens de sua incrível jornada por esse largo e lascado planeta Terra.

*Wania Ribeiro’s Blog, Frutos do Coração: http://www.wboscariol.blogspot.com/
Rick’s Blog:
http://www.rhogan-ricksblog.blogspot.com/
Blog de Blanca:
http://blanca-blancarodriguezm.blogspot.com/




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A Pérola Negra e outros imprevistos Vejo-me numa encruzilhada de cenas implorando para virarem trechos de uma narrativa que já vem nascendo ...