terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Esquiar ou nao esquiar?




Dário Borim Jr.


dborim@umassd.edu



A pergunta inscrita no título desta crônica é superficialmente filosófica, no que se parece vagamente com a dúvida cruel do personagem shakespeariano Hamlet: “Ser ou não ser, eis a questão”. Minha resposta hoje à noite, num quarto de hotel com decoração bem britânica, na cidadezinha de Woodstock, estado de New Hampshire, é: “Não esquiar”. Minha posição é menos filosófica do que pragmática. Poderia ser diferente, pois me encontro aqui junto à bela estação de esqui chamada Loon Mountain para acompanhar meu filho Zach, de 13 anos. Enquanto que ele é um esquiador nato (pois nasceu na gelada Minnesota), eu não me iludo: com quase 50 anos de idade e quase cem quilos de peso, para mim não é hora de brincar com fogo—ou com neve e gelo, pra ser mais preciso.

Minha necessidade de perder peso é evidente. Além disso, a chance de praticar um esporte tão gostoso em lugar tão esplendoroso nas Montanhas Brancas da Nova Inglaterra é tentadora. Entretanto, tenho medo de me machucar por estar distante dos esquis há muitos anos, por já não ser mais jovem e, principalmente, por estar tão acentuadamente fora de forma. Advertências em tom crítico por parte do meu médico agora me ecoam na mente: “Sr. Dário Borim, o senhor é um bem sucedido professor universitário que precisa ter disciplina em outras áreas além da literatura e da música: comer menos e exercitar mais.” Caramba, tem razão o Dr. Altschuller, um cardiologista russo formado em Harvard. Só que não vai ser hoje que vou me empenhar, o que poderia me ajudar perder uns quilinhos e, quem sabe, aumentar minhas chances de viver uma vida mais longa e mais saudável.

Quando morei no oeste montanhoso do país, no Wyoming, as estações de esqui de lá e do estado vizinho, o Colorado, me encantavam. Eu admirava o alto astral das pessoas—sempre a sorrir e sempre a mostrar sua satisfação em percorrer trilhas íngremes apesar do vento frio. Pra ser honesto, devo dizer que este esquiador tropical naquela época de vez em quando caía dos esquis e até daquelas cadeirinhas dos teleféricos que nos levavam aos picos dos morros. Entretanto, com entusiasmo e determinação cheguei de fato a atingir o nível intermediário de habilidade, o que me proporcionava oportunidades inesquecíveis de subir até pontos bastante altos das Montanhas Rochosas.

A vista do cume da montanha era memorável: incluía lagos azul-turquesa, pinheiros de um verde forte e coeso, rochas e chapadões em variados tons acinzentados, e o distinto contraste entre o branco da neve e o azul do céu. Contribuindo para esse festival de cores naturais ainda havia o efeito espetacular das roupas e gorros coloridos dos esquiadores, além do recorrente reflexo de luz solar que advinha dos próprios esquis e hastes de aço. Tudo valia a pena ver lá de cima, desde os momentos que antecediam à descida paulatina e cuidadosa, em curva e em ziguezague, até o fim da trilhas sobre a encosta do morro acobertado de neve fofa e reluzente.

Pois é, os esportes são importantíssimos em todas as fases da vida. Depois de certa idade, acredito eu, eles continuam importantes, mas têm que ser dosados e, acima de tudo, levados a sério como fatores de risco. Nossos corpos já não são mais os mesmos, e seria um erro sobre-estimar nossas capacidades físicas somente para que pudéssemos manter o orgulho intacto. Já perdi dois amigos brasileiros, na faixa dos quarenta e poucos anos de idade, que me fizeram pensar nessa questão. Ambos faleceram em função de certo abuso nos esportes: um deles teve um acidente fatal durante uma partida de futebol de salão, em Minneapolis; o outro partiu desse mundo após uma parada cardíaca causada por um extenuante passeio ciclístico em Belo Horizonte.

Amanhã, ao pé da serra, estarei dentro de uma sala aquecida e fechada, mas mesmo assim exposta, por meio de paredes de vidro, às cores estáticas e em movimento da concorrida estação de esqui Loon Mountain. Vai me acompanhar este computador portátil, e nele poderei trabalhar ou me comunicar com amigos via internet. Terei saudade dos velhos tempos e um pouco de vergonha por não poder encarar as corridas morro abaixo com meu filho. Por outro lado, vou desfrutar da paz de pensar que não correrei qualquer risco de quebrar uma perna ou sofrer um ataque cardíaco. Que esse gesto de precaução seja seguido de mais disciplina, como quer o meu médico, e assim, quem sabe, poderei encarar as trilhas de neve na próxima estação.

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