domingo, 19 de maio de 2013

A Crônica no Século XXI



Profs. Perrone, Bianconi & Borim  -  Foto de Marcelo Bianconi
 
A convite de Charles Perrone e Célia Bianconi, os dois professores universitários com quem tenho trabalhado na elaboração de um livro didático para alunos de português avançado (a sair em 2014 pela University Press of Florida), reflito aqui sobre a crônica nos dias de hoje.
Vinte anos passados, o mundo é consideravelmente outro, por conta da internet. A crônica não é exceção. Na maioria dos casos ainda publicada em folhas de jornais, a crônica hoje também chega a seus leitores por outros meios associados a internet.
A maioria dos jornais e muitas revistas do país regularmente oferecem uma versão on-line das suas publicações. Nas suas páginas virtuais a crônica mantém sua força, seu apelo enquanto leitura favorita dos brasileiros: curta, leve, informativa, instigante, e prazerosa. São vários os outros meios eletrônicos disponíveis para a disseminação da crônica, é claro. Escritores mantêm seus próprios portais, rotulados ou não de "oficiais." Seus escritos, porém, podem aparecer emprestados (ou mesmo desautorizados) em outros blogs, assinados ou anônimos.
O que se percebe como fundamental diferença entre essa prática contemporânea e a do passado anterior aos anos 90 é a facilidade e a rapidez com que hoje em dia os leitores podem ler as crônicas e publicar suas próprias opiniões e outras reações sobre elas. O cronista então se vale desse precioso meio de comunicação direta e potencialmente instantânea com os leitores, cujas origens podem ser discernidas e apresentadas automaticamente, a um canto das páginas do blog, por aplicativos eletrônicos gratuitos, como o Feedjit.
Como cronista, eu também dissemino meus escritos por meios tradicionais (revistas e jornais impressos), mas nada se compara ao imediatismo do contato com o leitor através de meu blog, Ponteio Cultural. Seguidores registrados de um blog podem receber emails anunciando cada nova postagem. Já houve casos em que recebi comentários sobre uma dada crônica, como "Uma Casa Assassinada," em menos de 10 minutos após tê-la concluído e publicado. Era o tempo mínimo para a leitura do texto.
O alcance que a literatura pode ter eletronicamente é de fato um dos aspectos mais marcantes dessa nova era de comunicações. Ao pesquisar materiais para uma seção de crônicas, do qual sou o atual editor para um periódico de referência publicado pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, o Handbook of Latin American Studies, informei-me de que o blog oficial do escritor gaúcho Fabrício Carpinejar já tinha recebido mais de um milhão visitas até 2010. Outro exemplo de enorme sucesso com o público é o de Martha Medeiros, cronista também gaúcha, colunista dos jornais Zero Hora, de Porto Alegre, e O Globo, do Rio de Janeiro.
Devido ao intenso e fácil acesso a seus textos por meios eletrônicos, Medeiros já se tornou uma autora best-seller e uma celebridade nacional. Entre os temas favoritos tanto dela como de Carpinejar encontram-se a sexualidade, o romance, e o divórcio, o que se de certo modo perfila uma nova função da crônica, a ajuda pessoal, a preocupação com os efeitos da alienação, individualismo e solidão da sociedade pós-moderna.
Outro cronista de enorme sucesso junto ao público leitor brasileiro é Contardo Calligaris, psicanalista italiano com fortes credenciais acadêmicas. Com maestria ele entrelaça, por exemplo, um pequeno incidente do seu cotidiano relevante ao público contemporâneo a certos fragmentos icônicos de seu passado. Na tela de uma mesma crônica, que se publica semanalmente na Folha de São Paulo impressa ou on-line, o autor com vasto background em antropologia médica insere comentários rápidos e incisivos sobre um quadro, um filme ou uma peça teatral relacionados àquele tema inspirado por um pequeno incidente do dia-a-dia.
Vale dizer que as oportunidades de acesso à crônica via internet também ocorrem junto a sites de vídeos e clipes sonoros, como o YouTube. Ali, crônicas de Nelson Rodrigues, como "Mártir em Casa e na Rua," hoje têm versões cinemáticas. Postam-se leituras dramáticas na voz de um grande ator (como Juca de Oliveira) de textos aclamados, como "O Padeiro," crônica do grande mestre Rubem Braga sendo reeditada no nosso livro.
De fato, dos anos 90 para cá observa-se um maior interesse pela crônica enquanto texto didático e tema para estudos acadêmicos, apesar de permanecerem vivos alguns resquícios do antigo preconceito que a relegava a um status de gênero inferior. Enquanto que nesses anos a crônica passou a ser utilizada com maior assiduidade nas escolas de ensino fundamental e médio no Brasil, hoje cursos de pós-graduação a adotam como tema central. Têm surgido nessas duas décadas muitas antologias, como a de Joaquim Ferreira dos Santos, As Cem Melhores Crônicas Brasileiras, e outras que oferecem os melhores textos de um mesmo autor, como os do carioca Lima Barreto ou da cronista cearense Rachel de Queiroz.
A crônica enquanto texto curto e sem muitos rodeios metafóricos ou estilísticos se enquadra muito bem nesse novo mundo regido pela eletrônica, em geral, e pela internet, em particular. Em primeiro lugar penso que as pessoas estão se tornando cada dia menos capazes de manter a concentração por longos períodos de tempo, o que se faz necessário para o prazer da leitura de um romance, por exemplo. Ademais, a comunicação interpessoal através da mídia social, como o Facebook, é rápida e direta, de contínuo e livre acesso ao que disse alguém que nem conhecemos. A crônica, por ser breve e por aparecer na mídia eletrônica oferecendo espaço para a conversação entre autor e leitor, exerce um poder de atração e de intimidade jamais vivenciado entre essas partes.
Por último, recordemos que o imediatismo da circulação de notícias e o envolvimento das pessoas em tempo real com o que se passa no mundo as tornam mais inclinadas a ler uma forma de literatura não apenas centrada na realidade, mas também calcada na contemporaneidade, simultaneidade e transitoriedade de como se vive, se escreve e se lê. Se a crônica é a própria vida como ela é, ela, a crônica, está viva e plugada a um dia-a-dia que a torna mais forte, mais necessária, e mais susceptível a transformação.

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