segunda-feira, 3 de junho de 2013

Deus é brasileiro e... atleticano!




Deus é brasileiro… e atleticano!

Dário Borim Jr.
dborim@umassd.edu 

Muitas agências de notícia exploraram o mesmo tema. A BBC de Londres, por exemplo, deu, no dia 20 de março, que a presidente Dilma Rousseff “reagiu com bom humor” a uma pergunta de um jornalista argentino, quando ele questionara a opinião dela sobre o fato de o novo papa ter nascido em Buenos Aires. "Vocês, argentinos, têm muita sorte… o papa é argentino, mas Deus é brasileiro", assim argumentou a presidente em visita oficial ao Vaticano.
Outras notícias vindas mais recentemente de Belo Horizonte vão além. Deus não é apenas brasileiro: Deus é atleticano.  Na pequena paróquia de Nossa Senhora da Piedade, da comunidade de Piedade do Paraopeba, pertencente ao município de Brumadinho, o carismático  e genoroso padre Paulo Eustáquio Cerceau Ibrahim incorporou uma trilha sonora bem especial aos ritos sagrados da Festa do Divino: o hino do Galo! Sim, aquele mesmo, “Nós somos do Clube Atlético Mineiro/ Jogamos com muita raça e amor/ Vibramos com alegria nas vitórias/ Clube Atlético Mineiro/ Galo Forte Vingador”.
Bem, convenhamos, aquele é um hino muito especial. Segundo o site oficial do clube belorizontino, www.atletico.com.br, o primeiro hino da associação vigorou entre os anos de 1928 e 1968, mas em 1969 a diretoria atleticana encomendou ao compositor Vicente Motta o "Hino ao Clube Atlético Mineiro". Segundo a mesma fonte de informação, este hino é idolatrado pela torcida de tal modo que  se tornou o “mais cantado em estádios no Brasil”. Ainda de acordo com aquele portal, em 1976, em Nápolis, na Itália, houve um concurso mundial de hinos de clubes de futebol, e o do Galo foi o vencedor. Passou a ser considerado o mais belo entre todos os hinos de clubes de futebol do mundo.
Não sei se padre Paulo tem paixão especial pelo Hino do Galo, ou mesmo se outras vezes já pediu que a banda da paróquia o tocasse em pleno rito religioso.  O fato é que, João Batista Vaz Xavier, um grande amigo meu, estava presente à procissão. Filmou o “fenômeno religioso-esportivo” e postou o vídeo na maior rede social electrônica do planeta, o FaceBook. É também curioso que naquele mesmo domingo da Festa do Divino algo muito importante aconteceria no estádio do Mineirão, logo após a procissão:  a partida decisiva a consagrar o campeão do estado de Minas Gerais de 2013.
Antes, um verdadeiro banquete popular -- com arroz, feijão, frango assado, e muito mais -- foi servido aos fieis. Conforme explica Batista, o padre é uma espécie de Robin Hood por conseguir doações junto aos ricos e oferecer comida e outras dádivas materiais aos pobres daquela região montanhosa de Minas. Após a comilança, todos regressaram à igreja e assistiram à missa que, coincidentemente, ocorreu enquanto jogavam Atlético e Cruzeiro em Belo Horizonte.  Acabada a missa, disse-me Batista, o padre, ainda do púlpito, se despedia dos fieis quando recebeu um sinal do sacristão: um gesto muito conhecido, o polegar dizendo, “positivo”! Então padre Paulo não se acanhou, “Meus caros, por último uma notícia que acabo de receber: a taça é nossa!”
Esse “causo” mineiro eu ouvi, via Skype, na quarta-feira, dia 22 de maio, véspera de uma palestra que eu daria no Dartmouth College, uma bela e rica faculdade aqui nos Estados Unidos (do mesmo grupo da Harvard, a chamada ivy league). O “causo” me levou a pensar nas teorias do famoso antropólogo carioca Roberto DaMatta. Acabei iniciando minha comunicação naquela escola aludindo ao tal “fenômeno” de mistura entre religião e futebol. Todos nós rimos muito. O professor paulistano Rofolfo Franconi, presente a minha palestra, me perguntou: “e os cruzeirenses, como se sentiram na procissão, e ainda ‘pior’, na igreja?”
Nos seus trabalhos acadêmicos DaMatta enfatiza vários aspectos que apontam para as particularidades do povo brasileiro. Como explica o antropólogo no seu livro O que faz o brasil, Brasil?, o brasileiro vive em um mundo de misturas de todo tipo, inclusive a mescla daquilo que é individual com o institucional, religião com esporte, o publico com o privado, o sério com o  cômico.
A dúvida do meu colega tem fundamento. As estatísticas poderiam confirmar, mas é muito provável que muitos dos fãs do padre Paulo não torcessem para o Alvinegro. Eram fãs do Cruzeiro e, outros, do América. A ética profissional -- ou clerical, como queiram -- foi para onde, nesse caso? Esse “sutil” desrespeito à diferença, às margens do mundo atleticano,  teria alguma importância? Seria outra pitada de humor, como a da presidente no Vaticano? Seria apenas uma pequena e inefável loucura de um padre fanático? Ou seria um exemplo da enorme tolerância de quem não foi incluído na reza -- aliás, daqueles contra quem se fez a reza oficial?
Pois, assim, a paixão individual do padre de Piedade do Paraopeba não se separou do seu poder eclesiástico. Ela se incorporou no rito institucional que ele administrava, com fé e formalidade, e se fez valer, a revelia da anti-paixão de cruzeirenses e americanos. De modo semelhante, a presidente do Brasil fez galhofa da superioridade do povo brasileiro sobre o argentino. Afinal de contas, em termos de poder, a figura do papa está bem abaixo daquela de um Deus, mesmo que brasileiro. Principalmente quando um papa já disse que pecou muitas vezes e que os ateus também podem ascender aos céus.
Como vimos, para o deleite de muitos mineiros, tal Deus também é atleticano de carteirinha. Será que foi com ajuda divina que o goleiro atleticano Vítor Leandro Bagy defendeu um pênalti decisivo, nos últimos segundos de um jogo tão importante como o da Copa Libertores da América na quarta-feira passada? Apenas na manhã seguinte o heroi recebeu mais de 20 solicitações de entrevistas. “O Atlético não poderia ter saído da competição daquela forma. Foi também uma justiça de Deus pelo trabalho que estamos fazendo, por nossa postura”, disse o jogador ao jornal Estado de Minas.
Confirmando a tendência do brasileiro a mesclar o divino com o prosaico -- mundos da mesma moeda que, segundo DaMatta, “se relacionam de modo complexo e simultâneo” -- o goleiro ainda declarou ao mesmo jornal que após o jogo, ao chegar ao condomínio em que mora, viu uma faixa bem simples, no portão, que o tocou forte no coração: “Muito obrigado, São Victor”. Amém!




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