Livros-filhos e amigos
Dário Borim Jr.
dborim@umassd.edu
Um dia, finalmente, o filho nasce. É aquele nosso primeiro livro sonhado e suado ao longo de muitos anos. Não é uma emoção tão intensa e maravilhosa quanto a do nascimento de um ser humano, cuja cor da pele, dos cabelos ou dos olhos possa dizer ao resto do mundo, “sim, ele vem de você; ele tem você nas entranhas”. O primeiro livro que publicamos, porém, nos expõe, e muito, principalmente a nós mesmos. Os holofotes caem sobre nós e temos que lidar com nossas inseguranças em momentos de glória. Recebemos carinho de futuros leitores e de amigos. Melhor, ainda, é a atenção que vem de leitores que já se tornaram amigos através de nossos escritos anteriormente publicados, em jornais e revistas, por exemplo. São amigos que surgiram sem a proximidade física, mas, sim, através das idéias compartilhadas, da empatia simpática e fortificante que nos inspira a escrever mais e a querer dialogar mais, apesar da correria ou do cinismo do mundo atual.
Um dia, finalmente, o filho nasce. É aquele nosso primeiro livro sonhado e suado ao longo de muitos anos. Não é uma emoção tão intensa e maravilhosa quanto a do nascimento de um ser humano, cuja cor da pele, dos cabelos ou dos olhos possa dizer ao resto do mundo, “sim, ele vem de você; ele tem você nas entranhas”. O primeiro livro que publicamos, porém, nos expõe, e muito, principalmente a nós mesmos. Os holofotes caem sobre nós e temos que lidar com nossas inseguranças em momentos de glória. Recebemos carinho de futuros leitores e de amigos. Melhor, ainda, é a atenção que vem de leitores que já se tornaram amigos através de nossos escritos anteriormente publicados, em jornais e revistas, por exemplo. São amigos que surgiram sem a proximidade física, mas, sim, através das idéias compartilhadas, da empatia simpática e fortificante que nos inspira a escrever mais e a querer dialogar mais, apesar da correria ou do cinismo do mundo atual.
Meu primeiro rebento em forma de livro nasceu em dezembro de 2002, quase dez anos depois de me tornar pai, de verdade. Chama-se Paisagens humanas: crônicas de Paraguaçu e desse mundo afora (Ed. Papiro). Crônicas redigidas num período de vinte um anos se uniram em meio a um misto de emoções e pressões profissionais. Por um lado, nossa família ainda vivia as dores da perda precoce de minha irmã Ana Beatriz. Nosso pai completaria 80 anos naquele fim de 2002 e talvez o lançamento de um livro de um filho seu lhe trouxesse alguma alegria, o que de fato lhe aconteceu.
Por outro lado, eu atravessava talvez o momento mais delicado e imponderável na carreira de um professor universitário: a hora de solicitar tenure (estabilidade empregatícia, como se diz no Brasil). A turbulência daqueles dias passou e restou uma assertiva sensação de que a edição da obra tinha valido a pena, pois meus pais se libertaram do seu pesar momentaneamente e aproveitaram com grande entusiasmo o nascimento do “livro-neto”. Foi uma senhora festa aquela no Vale das Pedras, belo restaurante às margens do rio Sapucaí, no Sul de Minas. Ademais, também fui bem sucedido no pedido de promoção acadêmica junto à administração da UMass Dartmouth.
Agora, recentemente, pude apreciar a experiência de outra pessoa se tornando “pai” literário. Era a vez de um conterrâneo, muito amigo e querido, Delson Ribeiro de Andrade. Ele acabava de lançar Mochilas: o relato de uma aventura hippie nos anos setenta (Ed. Página Aberta, 2007). O livro narra eventos da sua própria vida transcorridos na velha Europa. Comumente chamado de “Brother”, ele é irmão do importante escritor mineiro Jeferson de Andrade. É dessas pessoas alegres e carismáticas, com enorme talento para contar histórias, tal qual seu pai, o teatrólogo Donato de Andrade.
Despretensioso, mas cativante, o Mochilas parece que nos convida a uma mesa de bar, onde vamos ouvir de um amigo as inúmeras peripécias de dois jovens companheiros que, aos vinte e poucos anos, partem do Rio de Janeiro rumo a Lisboa, com passagem marítima só de ida e 120 dólares no bolso. Em muitos países daquele continente e também no exótico Marrocos, eles sobreviveriam por mais de ano às duras custas, colhendo frutas ou vendendo brincos nas ruas, por exemplo. Ao mesmo tempo, se divertiriam nas incessantes descobertas de novas culturas e línguas de um mundo proibitivo (de tão caro e distante) aos pobres e à classe média brasileira durante os anos de ditadura militar.
Eu que vivi boa parte da adolescência escutando os relatos do Brother em primeira mão, redescobri no prazer de ler seu livro algumas das razões pelas quais eu próprio saíra do meu país em 1981, também com pouco mais de vinte e um anos de idade, em viagem arrojada e libertária pelas Américas do Sul e do Norte. Desta feita eu passaria sete domingos consecutivos em sete países diferentes, do Brasil ao Canadá. Pois, assim é a vida de muitos livros: nascem de deslocamentos do nosso “eu” e da interrupção da nossa rotina. Inspiram sonhos de viajantes e de progenitores das letras, como um rebento que vira trigo e vira pão, para depois alimentar os sonhos de novos inquietos e novos aventureiros.