sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

TUDO POSITIVO

 




Tudo Positivo

              Dário Borim Jr.

 

Duas palavras ganharam força nesses tempos de pandemia do coronavírus: o desejado “negativo” e o abominável “positivo”. Chegou o dia em que eu mesmo tive que encarar o segundo termo depois de um teste rápido feito em Belo Horizonte, logo depois de passar três maravilhosas semanas em Paraguaçu. Era o tipo de resultado que pouco tempo atrás engendrava muito medo e apreensão, além de boas chances de sérias complicações médicas, isolamento em hospitais, grande desconforto físico e mental, e, em tantos casos, óbito. Porém, vieram as vacinas no início do ano passado, mesmo que no Brasil chegariam com muito atraso por conta da ignorância (e mau-caráter) de alguns de nossos governantes.

O fato é que nesse fim de ano, em quase todos os cantos do planeta, as festas agruparam amigos e familiares saudosos e ávidos por alegria e carinho, e o resultado foi muito negativo, no sentido de que tantos testes que fizemos desde então deram positivo, marcando a presença, no nosso organismo, de daquele mesmo vírus letal. Ainda bem que ele passou a ter que lutar contra o gênio da ciência humana, capaz de desenvolver tão rapidamente os antídotos que o reduziriam os seus poderes maéficos àqueles de um fracote, como se o COVID fosse o agente de uma leve e temporária gripe, na maioria dos casos.

Como dizia, em poucos dias entre dezembro de 2021 e janeiro de 2022, o abominável “positivo” se espalhou pelo mundo afora, e nossa casa em Paraguaçu não foi exceção. Em poucos dias, como comentamos brincando, “ficamos tudo positivo”: meu pai, de 99 anos, três de suas cuidadoras, um enfermeiro, meu filho Ian e eu! Fim do mundo? Não, mas foi desconcertante – e foi preciso nos adaptarmos! De repente, a casa de meu pai na Aureliano Prado virou uma espécie de Hospital Borim, com muito exagero, claro! Então, vamos dizer, aquilo virou uma Casa Borim de Repouso e Quarentena, pois nós, seis dos sete infectados, incluindo Terezinha, Queila e Jonathan, passamos a morar juntos. É mole?

Ainda bem que a casa é grande, tinha um quarto para cada um dos “covidados”, os convidados a viver juntos pelas circunstâncias, enquanto durasse a nossa quarentena. É claro que nos preocupamos muito com o Vô Dário, por conta de sua idade avançada e saúde debilitada, e ele foi o foco de nossas atenções e carinhos. Mas nem só de drama e medo vive uma comunidade atacada pelo coronavírus! Foram muitos os momentos de intensa descontração e alegria, de pura amizade e prazer em estarmos juntos. Várias vezes curtimos as abundantes mangas e as uvas do nosso quintal, comemos todos juntos na cozinha, após encaminharmos o Dário para os seus aposentos. E a conversa fluía leve, longa e reveladora. Conversamos muito sobre nosso passado, nossas aventuras, nossas viagens, nossos percalços, nossos planos e nossos dilemas enquanto pessoas de idade, escolaridade, e origem socioeconômica muito diversas. Foi particularmente interessante ouvir causos sobre como era a vida de uma outra Paraguaçu que nunca vi, a Paraguaçu das festas de fim de semana nas roças, nos sítios e na periferia.

Alguns momentos foram de fato comoventes e inesquecíveis. Destaco as cenas de paciência e de jeitinho doce das cuidadoras e enfermeiros em horas difíceis, quando, por exemplo, Dário saía um pouco do seu consciente e se mostrava intransigente e indelicado na recusa aos remédios. Em outras ocasiões, era divertido e gratificante ver as cuidadoras e o infermeiro sairem de manhã das próprias camas e dos próprios quartos onde normalmente pernoitava a família do patrão. Veio também a hora de eu retirar do forno e servir pães de queijo recém-assados para eles, enquanto eles assistiam televisão. Numa das noites, Ian preparou uma massa (que aprendera a fazer quando morou na Itália) e a serviu para os nossos “covidados” com muita satisfação.

Para ser bem sincero, Ian também foi protagonista da hora mais bela de todos aqueles rememoráveis momentos que vivi nesta viagem ao Brasil, que para mim termina daqui a poucas horas em voo sem escala para Nova York. Ele, aliás, já está a caminho da Big Apple. Saiu pelo fim dessa manhã. Portanto, nos ares há um bom tempo, Ian sobrevoou há pouco o esplendor da mata amazônica, como indicava um aplicativo informativo sobre voos em tempo real.

Para encerrar esse retrato de dificuldades mas também de superação de adversidades em tempos de doença e confinamento, volto meus olhos para quando eles se enevoaram de orgulho e gratidão ao meu filho mais velho (em seis dias completando 29 bem-vividas primaveras). Estávamos os três à mesa de jantar: avô, filho e neto, ninguém mais. Foi quando Dário começou a clamar de dores no corpo, repetindo uma ladainha curta, mas perfurante, nos nossos peitos: “Tem misericórdia de mim, meu Deus, tem misericórdia de mim”! Então logo o neto se levantou e se pôs em pé atrás do avô para iniciar uma gentil massagem pelas costas e ombros tensos do nosso querido nonagenário.

O olhar de meu pai, que estivera assentado e cabisbaixo de frente pra mim, rapidamente mudou da água pro vinho. Havia a luz de real alívio no seu semblante cansado. Foi quando ele alterou o enredo de sua cantilena. Olhando para mim, enquanto se deliciava do amor e do carinho do neto de um metro e noventa de altura (que permanecia massageando-o em pé, às suas costas, sorrindo para mim), meu pai passou a repetir outro canto: “muito obrigado, menino Jesus, muito obrigado”. Sentindo uma emoção sem par e sem explicação naquela hora, eu apenas desejei imortalizar aqueles minutos de integral contentamento e gratidão por um gesto tão singelo, mas tão transformador. É o que faço agora, e agradeço a Deus pela chance de valorizar o ato tão simples que tanto nos mostra o poder do amor, da empatia e do bem-querer.


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