Dário Borim Jr.
Até ontem, dia
5 de julho de 2020, diz a Universidade Johns Hopkins, havia pouco mais
de 11 milhões e trezentos mil casos confirmados de COVID-19 pelo mundo afora. Já foram bem mais de meio milhão
de mortos depois de passado apenas meio ano, afirma a mesma instituição de
inquestionável renome ético e científico. Para mim, é, ao mesmo tempo, aterrecedor e misterioso como que para muitas pessoas
tais dados não importam, pois, elas dizem por aí, “a maioria dos casos da
doença é coisa passageira” ou “a pandemia é histeria da mídia sensacionalista e
mentirosa”.
Que
cataclismo ou mesmo que tragédia quase apocalíptica já teríamos vivido, se mais
chefes de estado pensassem assim tão levianamente, como o fazem os dois arrogantes,
insensíveis e maquiavélicos idiotas que, por “coincidência apenas” (desculpem a
ironia), fazem de tudo, igual e simultaneamente, para promover seus egos e
incentivar as suas reeleições ao seduzir seus alienados apoiadores e (des)comandar, sem nenhum escrúpulo, as duas nações mais infectadas do planeta,
os Estados Unidos e o Brasil. Esses são, aliás, os dois países dos quais sou
cidadão, pateticamente envergonhado e temeroso pelo presente abominável e pelo
provável futuro de enormes sofrimentos sob os efeitos de um único agente
invisível, um vírus a desorganizar ou mutilar a sociedade global, essa mesma
que andava, até pouco tempo, muito orgulhosa de sua poderosa tecnologia e
avanços científicos.
Entre
tantos motivos para lamentarmos o momento em que vivemos, como a perda
apressada e isolada de nossos queridos, o desemprego maciço, a solidão aguda,
os transtornos psíquicos, a violência doméstica, o alcoolismo, o desespero e a
fome que assolam meio mundo, é preciso perceber e reiterar outras
transformações que também têm seu impacto sobre a comunidade mundial. Por
exemplo, nunca vi tantos pais e filhos andando juntos na rua de minha pequena
cidade, ou mães e filhas pedalando suas bicicletas nas estradas rurais. Aliás,
nunca vi tantas bicicletas e tantas pessoas fora de casa, ou vizinhos conversando entre si, sem
pressa. Nunca vi tantas empresas privadas doando altas somas de dinheiro para
amenizar os riscos de médicos e enfermeiros, além de outros trabalhadores
essenciais. Nunca vi tanto céu azul sem os riscos brancos de aviões que nos
proporcionam viagens inesquecíveis, sim, mas que também destroem as camadas de
ozônio sobre nós. Nunca vi tanta gente falar da saudade de amigos e familiares
e, particularmente, de seus abraços apertados. É ausência do calor humano que
vem do que vem do carinho e da empatia,
que na sua falta, estudos comprovam, pode até matar um recém-nascido.
Tudo
na vida tem os seu momentos e seus ímpetos de ação e reação, e assim são
milhares de indivíduos hoje dedicados às pesquisas que certamente nos trarão
vacinas e outros medicamentos capazes de aniquilar a presença nefasta do vírus
assassino. Além dessas disposições positivas, destaca-se uma crescente
consciência de que estamos todos no mesmo barco, que aquilo que ameaça a vida
de uma pessoa carente de conforto material também ameaça a vida de uma pessoa
abastada, como na hora de comprar algo ou receber uma diarista para limpeza da
casa. Cresce também a noção de que saúde deve ser o bem de toda a humanidade,
que algo tem que ser feito para que o pobre também tenha um ambiente doméstico
salubre, com água corrente e água potável, com acesso a hospitais e alimentação
sadia, pois, se não for suficiente o fato de sermos, todos, humanos e merecedores dessas condições de vida decentes, não
haverá trabalhadores para as colheitas, para as fábricas, para as lojas, para a
entrega do que compramos online, para a limpeza das casas e dos hospitais onde
tanto os ricos como os pobres estarão dependentes do trabalho alheio.
Por
fim, com certo otimismo apuram-se nestes dias novos poderes de uma
conscientização dos problemas mais sérios e sistêmicos, aqueles de enormes
proporções, em boa parte das nações – os podres do mundo. Uma noção mais
acurada da própria disparidade socioeconômica e suas consequências, como a
desigualdade entre as escolas e as oportunidades de ascensão profissional, como,
também, das práticas seculares de cunho racista, agora afloram num período da
história quando se faz necessário repensar e reestruturar as instituições, a
distribuição de renda, e a mentalidade de cada um de nós, pelo que é justo e
necessário diante de um planeta que passa e vai continuar a passar por gigantescos
desafios (calamitosas tempestades, secas, enxentes, e outras pandemias, por
exemplo), de onde e quando, acredito, não haverá muita saída, talvez nem num refúgio
armado, blindado e subterrâneo suficientemente seguro para os ricos e egoístas
de qualquer nação.