O Grande Dia dos Coxinhas
do PT nos EUA
Dário Borim Jr.
UMass Dartmouth
“Perfil ‘coxinha’ domina
manifestações pró e anti-Dilma em São Paulo”. Essa é uma manchete da Folha de
São Paulo de ontem, 1 de abril, 2016. Também ontem, no segundo dia do congresso
internacional da BRASA, Brazilian Studies Association, sendo realizado na
Universidade Brown, instituição da Rede de Elite (Ivy League) dos Estados
Unidos (como a Columbia, Harvard e a Yale), pude ver muitos coxinhas em ação política.
Aliás, como eu mesmo, lá basicamente só havia "coxinha" numa sessão plenária com algumas centenas de acadêmicos. Num
embate bem mais quente que uma simples brasa, venceu a ala de opinião
majoritária presente na hora da votação sobre uma declaração dita em defesa da
democracia e do estado de direito. Inicialmente, lá não se encontrava nem um
quarto dos associados da BRASA (quando teve início a sessão). Duas horas
depois, na hora de apurar votos, não se encontrava mais ali nem a metade do
público antes presente.
Éramos todos coxinhas,
sim, dentro dos dois critérios – escolaridade e vencimentos – que usa o texto
daquela reportagem comentando uma pesquisa realizada pelo Datafolha. Na avenida
Paulista, no dia 13, na maior manifestação a favor do impeachment, diz o
Datafolha, “77% dos presentes tinham ensino superior. Proporção semelhante
(73%) foi encontrada na praça da Sé na última quinta-feira (31), último ato em
defesa da presidente”. No quesito salário, “se dá relação parecida. Na praça da
Sé, entre manifestantes pró-Dilma, metade declarou ganhar de 5 a 50 salários
mínimos mensais. O índice é o dobro do registrado entre a população paulistana
e guarda mais semelhanças com o dos presentes ao ato anti-Dilma da avenida
Paulista (61%)”. Este é o https://www1.folha.uol.com.br/paywall/login.shtml?https://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/04/1756731-perfil-coxinha-domina-manifestacoes-pro-e-anti-dilma-em-sao-paulo.shtml.
Reunidos na Brown, éramos
todos doutores ou quase doutores de alguma ciência ou humanidades, com ou a
caminho de salários bem avantajados, se comparados com o resto da população.
Mas pela complexidade e profundidade do debate, não parecíamos não. Ao fim da
sessão, onde se discutiram os problemas e potenciais dos estudos brasileiros
nos EUA, um dos distintos coxinhas, um brasileiro como eu, apresentou um texto
impresso em uma única página em defesa da democracia e do estado de direito.
Houve muitos depoimentos. Provavelmente se fez um depoimento contra a adoção daquele
documento a cada 10 vozes que tomavam o microfone apoiando a iniciativa. Mas
pouco se discutiu sobre os problemas do Brasil e o que de fato está ocorrendo
nesse período de crise econômica, institucional, legal, moral, policial e política. O
documento apresentado, já circulando com algum alcance na internet, caiu de
paraquedas e convenceu a maioria que o aprovou erguendo os braços.
Apesar das boas intenções
(a defesa da democracia e do estado de direito), é lamentável se perceber o
exagero da retórica e a manipulação dos fatos naquele texto sem autor
explícito. Imaginem que o texto condena a atual hegemonia da mídia e a
alienação que ela supostamente fomenta através da censura e da manipulação dos
fatos como se esses abusos hoje fossem piores do que aqueles do período da mais
recente e mais sangrenta ditadura militar brasileira. Por outro lado, nada se
fala das ações anti-éticas do foro que veio acobertar o ex-presidente Lula da
Silva em momento em que já era investigado pela Polícia Federal.
Não se menciona o fato de
que o aliado mais poderoso do ex-presidente, José Dirceu, esteve envolvido até
o pescoço no maior escândalo da história política do Brasil até então, o dito
Mensalão, quando parlamentares ganhavam salários mensais para aprovar medidas
do governo federal, tudo sob as narinas do ex-presidente, que “não sabia” de
nada. Até mesmo encarcerado o distinto punho-forte do ex-presidente não
desistiu de suas negociações e enriquecimento fraudulento, atuando naquele que
já se tornou um dos maiores escândalos mundiais em termos de roubo/suborno/corrupção de políticos, as propinas da Petrobrás. No momento já se apuraram nos bancos
suíços nada menos que 800 milhões de dólares desses furtos. Muito mais ainda
vai ser descoberto, pelo ritmo das investigações.
Então ontem, dia da
mentira no Brasil e aniversário do nefasto golpe militar de 1964, a assembléia
da BRASA votou e aprovou uma declaração política cujo conteúdo não faz justiça
ao nível dos trabalhos acadêmicos desenvolvidos pelos seus constituintes. Muito
se falou naquela sessão sobre o dever que tem o intelectual de se posicionar
publicamente sobre as crises. Houve de fato uma primeira votação que aprovou
por vasta maioria, quase unanimidade, a moção para que a BRASA se
manifestasse de algum modo sobre a crise brasileira.
Infelizmente o que se fez
foi uma pobre expressão de politicagem tendenciosa que ignora o que maioria dos
brasileiros já vê, sem nenhum PhD: que o país está mal, muito mal, e só poderá
encontrar uma saída, mesmo que penosa, através da justiça e da punição, doa a
quem doer, onde ela couber pelos trâmites da lei, para todas as pessoas, sejam
elas parlamentares ou apoiadores de centro, direita ou esquerda, ou nada disso,
pois sabemos muito bem como dançam entre essas posições os nossos
representantes e os outros tantos poderosos de nossa sociedade. Impeachment
está na constituição, e deve ocorrer quando um Collor da vida ou outro bandido
ou "presidenta" (sic!) for legitimamente condenado/a. Golpes, esperamos, nunca mais, nem
aqueles de se virar ministro no cair da noite para se fugir da polícia. (Ver abaixo a declaração, publicada na íntegra pelo jornal espanhol El País.)
Carta da BRASA
O Brasil desfruta desde 1985 do mais longo período de estabilidade democrática de sua história, após um golpe de Estado em 1964 e uma violenta ditadura militar que durou 21 anos. Sob a égide da Constituição de 1988, que assegura um amplo espectro de direitos individuais e sociais, o Brasil se tornou uma sociedade mais democrática, com maior participação política, conceitos mais amplos e mais inclusivos de cidadania e com o fortalecimento de instituições públicas.
Apesar desses avanços, a corrupção continua endêmica. Uma série de escândalos envolvendo políticos de diferentes partidos provocou indignação popular.
Isso resultou em mobilizações em larga escala para exigir o fim das práticas ilícitas. Também levou a atitudes corajosas por parte de instituições do Estado, como a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e o Judiciário.
O combate à corrupção é legítimo e é necessário para elevar a capacidade de resposta da democracia brasileira. Mas no atual clima político, consideramos um grande risco que a retórica anticorrupção tenha sido usada para desestabilizar o atual governo democraticamente eleito, agravando ainda mais a grave crise econômica e política enfrentada pelo país.
Em vez de manter neutralidade política e respeito ao devido processo legal, setores do Judiciário, com o apoio de interesses de grandes veículos de comunicação, tornaram-se protagonistas do enfraquecimento do Estado de Direito. Ao longo de suas investigações, alguns agentes públicos violaram direitos básicos dos cidadãos, tais como a presunção de inocência, a garantia de um Judiciário imparcial, a prerrogativa da relação entre advogado e cliente, a garantia do direito à privacidade.
A Operação Lava Jato, conduzida pelo juiz federal Sérgio Moro, concentrou nos últimos dois anos as principais investigações da corrupção. Tais investigações foram maculadas por repetidos abusos e medidas injustificadas, como prisões preventivas arbitrárias, acordos duvidosos e problemáticos de delação premiada, vazamento seletivo de informações para os meios de comunicação por motivos políticos e a escuta telefônica ilegal da atual presidenta da República e do mais recente ex-presidente.
Tudo isso teve lugar com o apoio de setores poderosos da mídia, num esforço inédito para influenciar a opinião pública para fins políticos específicos. O combate à corrupção deve ser efetuado dentro de limites legais estritos, que protejam os direitos básicos dos acusados.
A violação de procedimentos democráticos representa séria ameaça à democracia. Quando as Forças Armadas depuseram o Governo do presidente João Goulart, em 1964, usaram como uma de suas justificativas o combate à corrupção. O Brasil pagou preço elevado pelos 21 anos de domínio militar.
A luta por um país democrático tem sido longa e árdua. Hoje, todos os que acreditam num Brasil democrático precisam se manifestar contra essas medidas arbitrárias, que ameaçam corroer o progresso obtido ao longo das últimas três décadas.
https://brasil.elpais.com/brasil/2016/04/09/politica/1460232855_700948.html?outputType=amp&fbclid=IwY2xjawLfWOpleHRuA2FlbQIxMABicmlkETF6SDY5T2lDV0xXQWlOOTUzAR4tMa5_iYpVX5FlrCeT4HeY7-9B-EU0H-ZE8unJPSto5MRsbkKYA4GJbhgwtQ_aem_LQjv8JuFLTCvsNZQ74fb9Q