Dário Borim Jr.
Pra Frente, Sempre!
Correr para trás, isto é, de
costas e sem ver o que pode aparecer no
caminho, não é boa ideia. E o que não é boa ideia pode dar em péssima ideia, ou quase tragédia, ou
mesmo uma tragédia completa. Pior ainda é
correr assim depois de certa idade – digamos, 50 anos – e tropeçar nos seus próprios pés. Pior ainda é
esquecer que uma quadra tênis coberta
geralmente tem paredes, e que uma delas, de tijolos, pode aparecer bem na rota de uma correria em marcha-ré!
No meu caso, exatamente oito
semanas atrás em Belo Horizonte, a
extravagância de correr de costas para rebater uma bola de tênis no fundo de quadra não deu em tragédia, mas
quase. Ao cair do tropeço entre meus
pés me apoiei na mão esquerda, que não me aguentou e pediu ajuda ao braço, que tampouco tolerou meus 90 kg
e se partiu em três pontos junto ao
pulso. Foram três fraturas fragmentadas, ou, “complexas”, como disse o ortopedista Guilherme Gontijo: duas
quebras no rádio e uma no úmero. Doeram muito, e ainda doem até
hoje!
Para complicar mais, também havia
uma parede de tijolos no meu
caminho, contra a qual caí, jogado pelo impulso da correria retrógrada, batendo ali a parte mais alta
do crânio. A barreira de tijolos me aguentou,
mas me fez muito mal. Além da forte pancada na cabeça, ela esmagou o couro (originalmente, muitos anos
atrás) cabeludo, abrindo três cortes em
forma de um K para trás (mais uma ironia da marcha-ré). Fez-me perder os sentidos e ficar de olhos
arregalados por cerca de cinco segundos. Ainda levaria aproximadamente 30 minutos para poder
"relaxar" e deixar de lutar
contra outro desmaio que me provocava o cérebro abalado, algo que talvez me pudesse levar a um nefasto coma.
Depois de ler, muitos anos atrás,
uma reportagem sobre o gravíssimo
acidente que sofera o piloto austríaco Nikki Lauda, jamais esqueci que é extremamente perigoso se deixar
adormecer logo após acidentes muito
sérios. Tive a sorte de contar com a generosa e sábia ajuda de meu irmão José Carlos e meu sobrinho Daniel,
com que eu jogava. Eles me deram os
primeiros socorros, inclusive um belo balde d'água fria para me acordar e lavar os ferimentos. Como se sabe,
cortes na cabeça sangram muito e
minha aparência geral devia ser assustadora.
Transportaram-me, em seguida, para
o Hospital Madre Teresa, onde um
médico e um enfermeiro (meio assustado) me engessaram o braço. Também recebi doze pontos na
cabeça, depois das devidas sessões de
raios-x e tomografias. No total foram seis horas no hospital, e de lá saí com o braço imobilizado e a cabeça
decorada com um turbante branco.
Daniel e José Carlos me levaram, então, para a casa de minha irmã Silvinha, no bairo da Serra, onde me
hospedava. Dei-lhe um susto com um
visual de homem atropelado por um trator, mas eu logo estaria de muito melhor visual. Após um bom banho
com sacos plásticos protegendo as
partes avariadas, me sentia tão bem que fui com ela e meu cunhado José Codo a um concerto de Toquinho e
João Bosco, no Palácio das Artes.
Aqueles que me conhecem, mesmo que
minimamente, sabem de meu entusiasmo
pela vida. Exemplo disso é que mesmo no hospital, antes e depois de saber que meus
ferimentos não eram tão graves, eu pensei
várias vezes no festival de jazz que ocorria naquela tarde em Belo Horizonte, onde planejara estar com
os amigos Vinicius, Lídia e Marina
Bueno. Quando saí do Madre Teresa, eu vislumbrei e fotografei a lua cheia sobre a cidade e me vi genuinamente
feliz e agradecido por ter sobrevivido
àquela estranha aproximação da morte. Incrível, mas foi por uma questão de segundos que o destino não me
teria trazido àquele precipício, pois
pela pontuação do ultimo game, aquela bola no fundo de quadra terminava a partida de tênis, que já
durava quase uma hora e meia. Parece que o
tropeço tinha mesmo que acontecer e me ensinar
algo.
Lembro-me que a um ou dois
segundos após o impacto contra a parede,
com tristeza e medo pensei em meu saudoso amigo e orientador de tese de doutorado, Roberto Reis. De modo
muito semelhante, ele tropeçou na bola, chocando-se contra uma parede numa quadra de futsal coberta, e faleceu 21 anos atrás, quando tinha
quase a mesma idade que tenho hoje.
Em 1994, em Minneapolis, quando se acidentou, lá estava eu jogando a seu lado. Sua partida me trouxe um estado de
depressão que perdurou meses.
Como disse uma amiga ao ver-me de
volta nos Estados Unidos, aquela não
era minha vez de desencarnar. Quem sabe, sugeriu Tracy McCree, tenha sido a pedido de Roberto, lá no
ceu, que minha partida ficou para outra
partida de tênis, de carro, ou de avião. Quem sabe nada disso virá, e será de alguma doença ou de velhice que
vou para outro mundo. Porém, enquanto
puder pensar e sentir, sei que jamais deixarei de ser grato pela chance de seguir vivendo, agora
sempre para frente, e sempre a agradecer pelas minhas mãos, minha
consciência, e meu entusiasmo pela
vida.