sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Histórias de viagem

Dário Borim Jr.
dborim@umassd.edu
[Foto de Silvia Borim Codo Dias]

Na última sexta-feira à uma da madrugada eu chegava à casa de minha irmã Silvinha depois de passar as 25 horas anteriores nas estradas, nos ares e nos aeroportos de Nova Iorque, São Paulo e Belo Horizonte. Por estranha coincidência, passara todo o meu aniversário em trânsito. Para comemorar a data, mesmo àquela esdrúxula hora, fui agraciado com um belo prato fundo de canjiquinha, daquelas ornamentadas com ultra-macias costelas de porco. Ah, não faltou um bom copo de vinho chileno no calar e no frescor da madrugada.

De imediato foram muitas as histórias que troquei com Silvinha e meu cunhado José Codo, amante inveterado da música brasileira, como eu. Também discutimos alguns detalhes do jantar que três dias mais tarde nós três ofereceríamos a uma distinta poeta, Helena Jobim, irmã do ícone-maior da bossa nova, Tom Jobim.

Na noite que se sucedeu, encontramo-nos os três num casarão do século 19, na cidade de Antônio Carlos, a poucos quilômetros de Barbacena. Sou fã de clima de montanha, mas muito melhores que o ar rarefeito de lá foram a hospitalidade e os “causos” das anfitriãs, d. Cleusa e d. Lígia. Da última, por exemplo, ouvi detalhes do grande feito de um de seus ancestrais, um padre inconfidente que fora preso e enviado a Portugal no século XVIII.

Naquele tempo de exílio o padre politizado recebeu um pedido de outro sacerdote: que escrevesse um texto sobre a rainha d. Maria para ser lido em missa oficial. Depois de ouvir a leitura do texto encomendado, a rainha se dirigiu a quem ela pensava que fosse o seu autor. O reverendo português, então, lhe informou que o autor daquele texto era um sacerdote brasileiro. A rainha foi visitá-lo, teve compaixão e mandou soltá-lo imediatamente.

O padre brasileiro pôde contar com mais que a própria liberdade sob os céus de Lisboa: ele havia guardado todo o dinheiro que seus irmãos tinham-lhe enviado, pouco a pouco, ao longo dos muitos meses de encarceramento. Decidiu partir em peregrinação pela Europa afora comprando centenas de mudas de flores e árvores frutíferas, as quais levou para a região de Barbacena. Nos anos seguintes o resultado foi uma bonança de produção agrícola, que tornou muito famosa aquela zona montanhosa de Minas Gerais. No casarão eu mesmo observei vários diplomas de honra ao mérito oferecidos às indústrias de doces e estabelecimentos comerciais da região. Vinham de agências oficiais de Londres e Filadélfia, entre outras cidades.

Bom seria se hoje eu tivesse tempo e espaço nesta coluna para recordar tantos “causos” que ouvi de d. Cleusa e d. Lígia. Prefiro terminar com a devida referência a um dos mais interessantes encontros que já tive nos últimos anos. Sem querer ser muito chato, vale-me dizer que já jantei ao lado de gente famosa, do naipe de um educador conhecido e respeitado em todo o mundo, o Paulo Freire, e de um escritor laureado com o Prêmio Nobel, José Saramago. Mas isso fora há treze e seis anos, respectivamente.

Desta vez duas pessoas simpaticíssimas tinham muitas histórias para contar sobre o irmão e cunhado Tom Jobim—as dos seus encontros com Vinicius de Moraes e Chico Buarque de Holanda, por exemplo. Se não fosse indelicado, é claro, queria ter gravado aquela conversa. Aí, sim, eu poderia agora reproduzir e fazer justiça à simpatia de Helena Jobim e seu marido, Manoel Malaguti.

Termino, então, evocando uma paráfrase de Manoel a cerca da frustração de Tom Jobim após suas viagens à Europa. Tom dizia que amigos o assediavam com perguntas, querendo saber tudo sobre todo o divertimento que tivera no Velho Continente. O maestro de Ipanema mal podia convencê-los que suas viagens eram extremamente cansativas, com muitos ensaios e espetáculos lhe exigindo concentração e coragem. No mais, sobrava algum (indesejado) tempo para discutir contratos e assinar documentos.

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