Ludibriados
Lênin e Fidel queriam o bem, e o sonho é de
direito de todos, mas querer o bem não necessariamente torna legítimos ou
justos, igualitários ou eficazes, os métodos adotados por quem quer que seja. O
capitalismo é depredador, sim, e o comunismo também. Só variam as ideologias e
os métodos. O problema maior do comunismo é a ditadura encoberta por um
discurso mentiroso de respeito ao “povo”. O problema maior do capitalismo
é explorar o povo para enriquecer quem já é rico ou quer ser rico a qualquer custo.
O comunismo a la Marx e Engels ainda não morreu
por completo, mas vai logo. Cuba só não morreu de fome como um todo, porque se
abriu um pouco para a iniciativa privada. O embargo dos Estados Unidos não
deveria ser a única explicação de um fracaço nas bases da sociedade cubana.
Agora talvez haja alguma esperança de melhores dias para tanta gente sofrida
por lá. A utopia cubana durou enquanto a União Soviética lhe mandou milhões de
dólares anualmente. Era quando uma amiga minha fazia balé e ia ao teatro e cinema
semanalmente em Havana, porque pertencia a uma família privilegiada. Aliás, a
igualdade entre os cubanos era uma das maiores farsas da fachada do regime.
Caiu o muro de Berlim — onde, em 17 de junho de
1953, duas dezenas de trabalhadores foram assassinados e centenas de outros
berlinenses machucados por fazerem greve e protesto no belo lado comunista da
cidade — então, sem a benesse soviética, a fome e a miséria se proliferaram na
Ilha de Fidel. Aquela minha amiga que fazia balé, atualmente uma professora
universitária aqui em Massachusetts, passou muita fome antes de conseguir fugir
de Cuba. Depois, teve que passar dez anos sem ver os pais.
Os princípios socialistas do comunismo são de
forte apelo às nossas consciências, e provam fazer o bem onde há também
práticas capitalistas, como na Dinamarca e na Suécia. Enquanto isso, a
ideologia da revolução socialista armada foi, é e, certamente, sempre será uma
utopia dos sonhadores que querem implementar um regime falido e mentiroso na
base da força. Fidel já executava dissidentes imediatamente após vencer a
revolução em 1959. Eram três as principais facções unidas pelo espírito
revolucionário em Cuba. Só a facção dele queria ver instalado no poder um
ditador comunista no lugar de uma oligarquia vendida aos interesses dos EUA.
Quem de fato lutou pela revolução cubana e queria abertamente uma democracia em
Cuba após 1959 foi encarcerado e fuzilado por Fidel e seus comparsas. Na
Rússia, Stálin manou fuzilar mais de uma centena de milhares de russos.
No Brasil, a tentativa de revolução armada por
conta dos socialistas foi desde cedo uma das mais fracas na América Latina e
morreu cedo, defunta já no início dos anos 70. Quem venceu no Brasil foi o
Partido dos Trabalhadores, através das urnas, por conta da sagacidade, carisma
e determinação do seu líder maior, o Lula. Mas para vencer, depois de três
derrotas, Lula teve que modificar o discurso “revolucionário” e agradar os
empresários.
Quando assumiu o governo, em condições
financeiras sem par na história do Brasil (250 bilhões de dólares em caixa e
sem dívida externa), Lula manteve quase todos os ministros de FHC e se
beneficiou enormemente do capitalismo chinês (que ironia), que comprava e
elevava os preços das commodities brasileiras. E Lula se
entrosou muito bem com os empresários. Aliás, bem demais! Logo montou esquemas
de corrupção de grande porte com as maiores empreiteiras do país em múltiplas
obras no Brasil, Peru, Cuba, África Lusófona, e mais!
Lula logo montou também um esquema de corrupção
com os outros partidos, principalmente com o PMDB, como sabemos. Em 2010, Lula
poderia escolher quem ele quisesse para ser o próximo presidente do Brasil, já
que a Constituição não permitia três madatos consecutivos! Imaginem, tanto
poder nas mãos de um homem só — ele, afinal, contava com 85% de aprovação ao
final do seu mandato! Ele era o nosso Fidel Castro! Então Lula teve a ousadia,
cegueira e fome por poder que o levaram até a escolher e eleger o vampiro do
Temer, duas vezes, como o novo vice-presidente do Brasil!
O resto é história! É abuso de poder sem limite
e sem vergonha de Dilma, quem, por exemplo, começou a governar consultando e
obedecendo ao seu Lula a cada momento de decisão (apesar do discurso
feminista dela de fachada, e dos comentários machistas, dele, às costas da “presidenta”).
Houve desentendimento mais tarde, é claro, pois
parte do PT queria mais poder para ela, e para o PT. Então o próprio Lula se
viu muitas vezes ofendido pela “independência” e audácia de certas facções do
Partido. Mas, grosso modo, a ordem era para se ouvir o seu Lula, e
não era para se consultar ou respeitar o Congresso (depois do escândalo do
Mensalão), um modelo mais parecido com o de Cuba, onde os representantes
do povo, eleitos por cartas marcadas, serviam e ainda servem para legitimar as
decisões do Partido Comunista.
Chega! Votei no Lula e votei na Dilma, sim.
Mais um culpado pelo desastre dos últimos oito anos, que deu no que deu num
país entregue às moscas, fui ludibriado como milhões e milhões de outros
brasileiros. Desejar o bem e se autopromover por esse discurso não enchem
barriga, não dão emprego, e nem trazem paz, se o caminho do bem não for o
caminho da transparência, da honestidade, e do respeito à verdade. Como já
dizia o ativista cultural e poeta neoconcretista Ferreira Gullar na sua crônica
“O Sonho Acabou”, publicada pela Folha de
São Paulo em 25 de fevereiro de 2007: “é muito difícil abrir mão de um
sonho generoso que nos deixa em paz com nossa consciência. Mais difícil ainda é
admitir que não há soluções mágicas nem definitivas para os problemas”.