segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Ludibriados



Ludibriados

Lênin e Fidel queriam o bem, e o sonho é de direito de todos, mas querer o bem não necessariamente torna legítimos ou justos, igualitários ou eficazes, os métodos adotados por quem quer que seja. O capitalismo é depredador, sim, e o comunismo também. Só variam as ideologias e os métodos. O problema maior do comunismo é a ditadura encoberta por um discurso mentiroso de respeito ao “povo”.  O problema maior do capitalismo é explorar o povo para enriquecer quem já é rico ou quer ser rico a qualquer custo.
O comunismo a la Marx e Engels ainda não morreu por completo, mas vai logo. Cuba só não morreu de fome como um todo, porque se abriu um pouco para a iniciativa privada. O embargo dos Estados Unidos não deveria ser a única explicação de um fracaço nas bases da sociedade cubana. Agora talvez haja alguma esperança de melhores dias para tanta gente sofrida por lá. A utopia cubana durou enquanto a União Soviética lhe mandou milhões de dólares anualmente. Era quando uma amiga minha fazia balé e ia ao teatro e cinema semanalmente em Havana, porque pertencia a uma família privilegiada. Aliás, a igualdade entre os cubanos era uma das maiores farsas da fachada do regime.
Caiu o muro de Berlim — onde, em 17 de junho de 1953, duas dezenas de trabalhadores foram assassinados e centenas de outros berlinenses machucados por fazerem greve e protesto no belo lado comunista da cidade — então, sem a benesse soviética, a fome e a miséria se proliferaram na Ilha de Fidel. Aquela minha amiga que fazia balé, atualmente uma professora universitária aqui em Massachusetts, passou muita fome antes de conseguir fugir de Cuba. Depois, teve que passar dez anos sem ver os pais.
Os princípios socialistas do comunismo são de forte apelo às nossas consciências, e provam fazer o bem onde há também práticas capitalistas, como na Dinamarca e na Suécia. Enquanto isso, a ideologia da revolução socialista armada foi, é e, certamente, sempre será uma utopia dos sonhadores que querem implementar um regime falido e mentiroso na base da força. Fidel já executava dissidentes imediatamente após vencer a revolução em 1959. Eram três as principais facções unidas pelo espírito revolucionário em Cuba. Só a facção dele queria ver instalado no poder um ditador comunista no lugar de uma oligarquia vendida aos interesses dos EUA. Quem de fato lutou pela revolução cubana e queria abertamente uma democracia em Cuba após 1959 foi encarcerado e fuzilado por Fidel e seus comparsas. Na Rússia, Stálin manou fuzilar mais de uma centena de milhares de russos.
No Brasil, a tentativa de revolução armada por conta dos socialistas foi desde cedo uma das mais fracas na América Latina e morreu cedo, defunta já no início dos anos 70. Quem venceu no Brasil foi o Partido dos Trabalhadores, através das urnas, por conta da sagacidade, carisma e determinação do seu líder maior, o Lula. Mas para vencer, depois de três derrotas, Lula teve que modificar o discurso “revolucionário” e agradar os empresários.
Quando assumiu o governo, em condições financeiras sem par na história do Brasil (250 bilhões de dólares em caixa e sem dívida externa), Lula manteve quase todos os ministros de FHC e se beneficiou enormemente do capitalismo chinês (que ironia), que comprava e elevava os preços das commodities brasileiras. E Lula se entrosou muito bem com os empresários. Aliás, bem demais! Logo montou esquemas de corrupção de grande porte com as maiores empreiteiras do país em múltiplas obras no Brasil, Peru, Cuba, África Lusófona, e mais!
Lula logo montou também um esquema de corrupção com os outros partidos, principalmente com o PMDB, como sabemos. Em 2010, Lula poderia escolher quem ele quisesse para ser o próximo presidente do Brasil, já que a Constituição não permitia três madatos consecutivos! Imaginem, tanto poder nas mãos de um homem só — ele, afinal, contava com 85% de aprovação ao final do seu mandato! Ele era o nosso Fidel Castro! Então Lula teve a ousadia, cegueira e fome por poder que o levaram até a escolher e eleger o vampiro do Temer, duas vezes, como o novo vice-presidente do Brasil!
O resto é história! É abuso de poder sem limite e sem vergonha de Dilma, quem, por exemplo, começou a governar consultando e obedecendo ao  seu Lula a cada momento de decisão (apesar do discurso feminista dela de fachada, e dos comentários machistas, dele, às costas da “presidenta”).
Houve desentendimento mais tarde, é claro, pois parte do PT queria mais poder para ela, e para o PT. Então o próprio Lula se viu muitas vezes ofendido pela “independência” e audácia de certas facções do Partido. Mas, grosso modo, a ordem  era para se ouvir o seu Lula, e não era para se consultar ou respeitar o Congresso (depois do escândalo do Mensalão), um modelo mais  parecido com o de Cuba, onde os representantes do povo, eleitos por cartas marcadas, serviam e ainda servem para legitimar as decisões do Partido Comunista.
Chega! Votei no Lula e votei na Dilma, sim. Mais um culpado pelo desastre dos últimos oito anos, que deu no que deu num país entregue às moscas, fui ludibriado como milhões e milhões de outros brasileiros. Desejar o bem e se autopromover por esse discurso não enchem barriga, não dão emprego, e nem trazem paz, se o caminho do bem não for o caminho da transparência, da honestidade, e do respeito à verdade. Como já dizia o ativista cultural e poeta neoconcretista Ferreira Gullar na sua crônica “O Sonho Acabou”, publicada pela Folha de São Paulo em 25 de fevereiro de 2007: “é muito difícil abrir mão de um sonho generoso que nos deixa em paz com nossa consciência. Mais difícil ainda é admitir que não há soluções mágicas nem definitivas para os problemas”.

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