sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Aproximações de Clarice Lispector

Aproximações de Clarice Lispector:

Um depoimento à Fundação Joaquim Nabuco

 

Clarice Lispector

Luta sangrenta pela paz, 20/maio/1975

Óleo sobre madeira (Acervo Fund. Casa de Rui Barbosa)


Minhas conexões com a obra de Clarice Lispector se iniciaram na adolescência, quando, poucos anos antes de ela falecer, decifrei e me deleitei com alguns dos enigmas de Perto do coração selvagem. Na época eu lia, sem saber, vários dos títulos que a tinham influenciado profundamente naquela mesma fase instável de formação, que Clarice passou entre o Recife (de onde saiu aos 15 anos) e o Rio de Janeiro (onde floresceu como escritora). Eu mesmo me mudara, também aos 15 anos, de Paraguaçu (cidadezinha no Sul de Minas), para Belo Horizonte (a moderna capital dos mineiros). Absorvemos, os dois, ela nos anos 30, e eu nos 70, um bom número em comum de narrativas inesquecíveis, como Crime e castigo, de Mikhail Dostoiévski, e Siddhartha, de Herman Hesse.

Clarice, que essa semana completaria 100 anos, infelizmente nos deixou muito cedo, um dia antes de completar 57 anos, isto é, só um pouco mais jovem do que estou eu, no momento. No ano de sua morte, também partiu deste mundo um dos grandes amigos-poetas de Clarice, Carlos Drummond de Andrade. Naquele mesmo ano de 1977, eu me formava em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais, e logo me sentiria um tanto desnorteado intelectualmente diante de enorme perda, a de dois dos maiores poetas brasileiros, ele, do verso, e ela, da prosa.

Enquanto professor universitário, minha ligação com a poeta-em-prosa Clarice Lispector tem passado por modestas, mas, afáveis experiências. A primeira vez que utilizei seus textos em sala de aula foi quase 30 anos atrás. Eu dava meu primeiro curso de literatura na vida. Foi na Universidade de Minnesota, no Meio-Oeste dos Estados Unidos. Tratava-se de uma disciplina eletiva da graduação voltada para a criação poético-musical de Caetano Veloso, autor sobre o qual Clarice exerceu significativa influência. Naquela ocasião lemos Laços de família, meu favorito entre os seus livros 27 publicados em vida.

Até recentemente, enquanto pesquisador eu não tinha dedicado muita atenção à obra de Clarice Lispector, mas desde os tempos de Minnesota tenho trabalhado com o seu legado em cursos de bacharelado. Enquanto isso, foram surgindo oportunidades de fazer algumas palestras na Europa e nos Estados Unidos e de escrever algumas crônicas sobre a autora. Também publiquei, no Peru, um ensaio acadêmico sobre a linguagem figurativa no conto “A imitação da rosa”.

Atualmente ministro um seminário na pós-graduação, aqui na Universidade de Massachusetts Dartmouth, que é todo voltado para a crônica brasileira. Clarice já teve um grande destaque nos nossos debates. Nos últimos dois meses tenho pesquisado essa parte do seu legado, suas inusitadas crônicas. Ademais, há duas semanas fiz uma palestra sobre o tema no Colóquio Laços com Clarice, um evento organizado por três instituições: a nossa, o Instituto Federal de Pernambuco, e a Universidade Federal de Alagoas.

Resta-me confessar que me encontro mais apaixonado do que nunca pela obra de Clarice Lispector. Acredito que esse entusiasmo e prévios estudos que fiz sobre a crônica enquanto gênero híbrido para a Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos nos últimos dez anos poderão resultar em um novo livro. A cada dia não vejo a hora de explorar a audácia, complexidade, criatividade, inovação e profundidade dos escritos claricianos que inicialmente apareceram em jornais e revistas do Rio de Janeiro. Espero, assim, contribuir para amenização do preconceito que ainda subexiste, em geral, contra a crônica enquanto expressão artística, e, em particular, contra aquela vasta e fascinante – porém, pouco estudada – porção da obra de uma imortal da literatura mundial.

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