sábado, 1 de novembro de 2014

Saravá, Meu Pai!



Saravá, Meu Pai!

Dário Borim Jr.


Saravá, Meu Pai!
 

Dário Borim Jr.

Então já se faz dois meses desde que escrevi minha crônica mais recente? Nossa! Nem acredito! Era setembro e minha vida começava um novo ciclo. O ano escolar nos Estados Unidos se inicia em agosto ou setembro. A vida de professor é assim mesmo, demarcada por esses ciclos semestrais, quando a vida parece que renasce, mas logo volta a um esquema meio parecido aos de outros semestres. Quando penso nesse intervalo, sem escrever uma única crônica, procuro explicações dos dois lados da equação: por que me afastei e por que me afastaram do que tanto gosto?
Do lado de cá, a ideia é a de que o mesmo impulso que me leva a escrever, também me leva a fotografar diariamente e a fazer radio há 13 anos! Por isso não senti tanta falta da escrita, já que aquele impulso para criar e compartilhar andou ocupado, pela imagem e pelo som, ao invés da palavra escrita. Do outro lado da equação, vejo as marcas de que minha vida andou agitada, com compromissos acadêmicos e seus privilégios, razões muito fortes para eu entrar para esse mundo universitário e nele sobreviver desde 1987, quando comecei a pós-graduação na UFMG.
Nessas últimas oito semanas foram muitos convites para festas, sessões de jazz e viagens. Pois nesse intervalo fui a um festival de cultura escocesa em New Hampshire, dei uma palestra na famosa universidade de tecnologia de ponta, o MIT, perto de Boston, e curti uma maravilhosa viagem a uma região muito distante daqui, entre as montanhas Rochosas, do Wyoming e Colorado, e as áreas desertas do Novo México. Lá no Velho Oeste, a mais de 4.000 km de distância, passei um ano e meio de minha juventude bem no início dos anos 80. Agora foi simplesmente fantástico rever aquela paisagem e reencontrar amigos que permanecem vivos e fortes em meu coração há mais de 32 anos.
A oportunidade de ir ao Velho Oeste na semana passada veio por conta de um  congresso da APSA (Associação Americana de Estudos Lusófonos) na Universidade do Novo México, em Albuquerque. Lá apresentei uma crônica-ensaio sobre a crônica em si mesma, texto que recentemente saiu publicado num livro que editei com dois colegas, Célia Bianconi Charles Perrone (Crônicas Brasileiras: A Reader). Que honra: meu texto fecha o volume e ali me põe ao lado dos gigantes do gênero: Rubem Braga, Rachel de Queiroz, Fernando Sabino, Carlos Drummond de Andrade e vários outros. 
       Esses grandes congressos acadêmicos internacionais são eventos que também marcam os limites de outros ciclos na vida do professor acadêmico. Quando vamos a um encontro desses, quase sempre encontramos alguns colegas de quem muito gostamos, mas quem não vemos ao longo de um ciclo de quatro, seis, oito, ou às vezes até mesmo 10 anos. Há ocasiões em que esse hiato é de se perder no tempo da memória ocupada com tantas outras datas e prazos a vencer. Foi mais que isso, para mim, quando vi mas não reconheci meu primeiro professor de pós-graduação, o mineiro Wander Miranda, com quem fiz na UFMG um seminário sobre a escrita autobiográfica de Graciliano Ramos, em 1987. Na segunda oportunidade que tive de vê-lo em Albuquerque, a ficha caiu. Reconheci-o. Que prazer, então!
Outros queridos colegas de velhos carnavais tornaram muito especial o evento naquela charmosa cidade rodeada de desertos, além do que pudemos, também, fazer novos amigos, entre pessoas súper interessantes e gentis, entre jovens e não tão jovens ligados à mesma vocação de promover nossa língua e nossas culturas lusofalantes.
Aliás, confesso que, para mim, trabalhar com jovens é um dos típicos privilégios da vida dos docentes desse mundo afora. Outro privilégio é poder se divertir com tais colegas de profissão mais jovens do que nós. Carregam no peito muita energia e entusiasmo contagiante. Foi isso que fiz na minha última noite no Novo México. Com um grupo de aproximadamente 12 pessoas, entre professores e alunos de pós-graduação, fui a um restaurante de sushi, jantar seguido de mirabolante noitada hispana em clube da cidade. A banda de 12 membros, chamada Nosotros, mandava brasa em belíssimas salsas e merengues, rumba e tcha-tcha-tcha. Dancei, dancei pra valer, horas a fio, seguidas de uma refeição num estranho restaurante que mescla cozinhas mexicana e grega. Lá chegamos perto das duas e meia da manhã. E rimos. E cantamos. E até dançamos nesse restaurante totalmente vazio.  Só nós ali, e os cozinheiros rindo daquilo tudo!
Que delicia! Fez-sso, confesso: adorei escrever mais essa! Enquanto isso, celebro: saravá meu pai! Amei me lembrar das homéricas noitadas em Mariana, num café-teatro chamado Sagarana, fundado por uma queridíssima professora de Francês, a saudosa Magdalena Gastelois. Nem se fala de como era bom aquilo! Cheguei a passar noites incríveis, de muita conversa e dança, na companhia de colegas e alunos da História, Educação, e Letras, até três horas da manhã, mesmo que tivesse que dar aulas às sete e meia. Algumas daquelas aulas de um professor beirando os 40 anos de idade, sobre a fantástica poesia de um Shakespeare ou de um Yeats, foram algumas das melhores que deu em toda a sua vida.
Esse período sem escrever agora me fez lembrar do famoso escritor argentino Jorge Luis Borges. Velho, cego, numa cadeira de rodas, ele chegou a uma conclusão desconcertante: devia ter escrito menos e vivido mais. Quero isso não. Tenho pique e tesão demais pela vida. Se der, um dia desses ainda escrevo mais sobre isso.

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