sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

As grandes cidades

[Foto tirada por
D. Borim em 9/jan/08]

Londres não se esquece facilmente. Aliás, existem essas grandes e famosas cidades, mundo afora, que são mesmo muito grandes no nosso imaginário e nas nossas lembranças mais variadas. Um dia, muitos de nós temos a oportunidade conhecê-las pelos cheiros em geral, restaurantes, e pelos sons de automóveis, transeuntes e músicos de rua. Por exemplo, jamais hei de esquecer quando, em 1981, vi Nova Iorque pela primeira vez, em todo o seu esplendor urbano agressivo e mítico, com edifícios de uma altura a perder de vista, com suas luzes em neon restituindo-nos os sonhos dos filmes hollywoodianos e da modernidade.


No outro lado do Atlântico, e dez anos mais velho, encarei Paris. Seus maravilhosos museus, parques e cafés me faziam reviver clássicos da literatura, ou até mesmo anedotas de seus autores mais abusados, como a do inócuo e prosaico encontro entre James Joyce e Ernest Hemingway, do qual se esperavam conversas intelectuais de alto nível, mas o que veio foram conversas sobre pássaros, plantas domésticas, e coisas assim.
Era também a cidade onde moraram diversas celebridades de outras artes, tais como Heitor Villa-Lobos, que certa vez pintou todo o seu apartamento de vermelho (portas, paredes e tetos), apenas por ocasião de uma festa. Na Cidade das Luzes, lá estaria ele, também todo em vermelho, para que sua cabeça de gênio pudesse se destacar num ambiente seleto e requintado de compositores e pintores.


Nunca mais voltei àquela cidade, exceto por duas horas de ansiedade e sono que passei no aeroporto Charles de Gaulle, numa viagem rumo a Madri, ano e meio atrás. As perguntas e as declarações dos inspetores da imigração que ouvi ou pensei ouvir ora em francês apressado, ora em inglês rebocado de sotaque, não faziam referência alguma a um estranho e escandaloso cachorro que me perseguira pelas ruas daquela cidade, mais exatamente em torno do museu do Louvre, vinte e cinco anos atrás. O bicho queria fazer bobagem em cima das minhas coxas. Elas são (mentira, eram) bem constituídas, é verdade, mas naquele dia, principalmente, cheiravam aos perfumes de uma cadelinha no cio. Ela, coitadinha, sem culpa nenhuma, tinha se chocado contra minhas calças jeans dentro de um café, por ali mesmo, perto do famoso museu. Bom, passados tantos anos, ainda bem que o indelicado assunto de um cachorro parisiense em busca de umas coxas tropicais não veio à tona na minha entrevista com as autoridades locais. Não sei como teria reagido ao meu próprio embaraço.


Aquela visita a Madri e a outra visita que fiz à cidade de Lisboa dois anos antes sem dúvida mexeram comigo. Na capital castelhana, o deleite foi assistir a um jogo da Copa do Mundo de 2006 com 16 mil espanhóis, na Praça Zero Km. Em Portugal, acima de tudo, me vi inspirado e emocionado quando naveguei pelo rio Tejo, imaginando a chegada de tantos escritores luso-brasileiros por aquele porto ao longo séculos e séculos, amém. Também me comovi ao canto de uns belos fadistas em Alfama e ao presenciar um pouco do cotidiano no bairro da Mouraria, que nesse momento já vira crescer o gigante da música portuguesa contemporânea, Mariza. Entretanto, o encanto que senti na cidade de Londres na semana passada me surpreendeu ainda mais. É simplesmente apaixonante a agregação cultural no centro daquela capital anglo-saxônica. Dentro da área circunscrita por um quadrilátero de aproximadamente quatro quilômetros quadrados, meus olhos vislumbravam tantos teatros, parques e cafés, que estes me faziam caminhar, sem parar, para que nada me escapasse naquela visita de apenas dois dias e meio.


Apesar do vento, do frio, e da chuva recrudescente, a exuberância e magnitude das obras arquitetônicas em si mesmas—fossem elas góticas, georgianas, ou neoclássicas—já valiam o passeio. Para aumentar o prazer desse sul-americano extasiado pela arte e pela história de Londres, ainda sobrou tempo para ver uma peça no Teatro Novello, baseada na vida do grande escritor C. S. Lewis, e, imaginem, para prestigiar uma roda de samba profissional, bem chique, no Restaurante Guanabara—com direito ao som de cuíca a ao sabor de moqueca baiana. Nessas horas, viva a história antiga e viva a globalização!

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