segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

O Olhar de Quem Voltou




 Dário Borim Jr.

dborim@umassd.edu

 

Em certa fase da vida até pensei em ser psicólogo, mas mesmo antes disso – e, claro, antes de deixar disso – eu já lia alguma coisa ou outra dos grandes nomes desse maravilhoso campo do saber. O suíço Carl Gustav Jung, discípulo favorito de Sigmund Freud, ficou famoso com sua teoria de arquétipos. Esse termo vem de duas palavras gregas: archein (original, antigo) e typos (modelo, tipo). Para Jung, o ser humano age dentro do esquema de adaptação constante da sua consciência a esses arquétipos, facetas de um inconsciente coletivo que a humanidade traz desde milhares de anos atrás, desde seu passado mais remoto.

Bem, chega de ciência. O fato é que para Jung um desses arquétipos é nossa ligação muito forte com a terra onde nascemos. Para mim e outras milhares de pessoas, essa terra é Paraguaçu, para onde volto sempre que posso, apesar de morar no exterior há 25 anos, o que significa quase a metade de minha vida. Não sou o único paraguaçuense expatriado, é claro, e gostaria de saber o que pensam os demais, mas sei que pelo menos três, seres também expatriados há mais de 20 anos, já expressaram algo parecido ao que hoje tenho a dizer. São Maristela Dunn, que mora  e sempre roleta de bicicleta na Califórnia (portanto, a pouco mais de 5 mil km de mim, que moro em Massachusetts), Rosa Mignacca (uma talentosa artista morando em Londres há décadas), e Tânia Marques (uma bela representante romana da Terra do Marolo na Terra do Macarrão). O que acontece é que sempre que voltamos a Paraguaçu, ficamos bobos ao ver tanta beleza natural na nossa região, o que muita gente nem percebe porque a vê todos os dias, mas sem realmente conseguir ver como a vê quem volta à terra, quem não mais está acostumado às tais belezas.

É claro que pode parecer exagero esse entusiasmo de paraguaçuense do estrangeiro. Pode até parecer piada. Aliás, pode virar piada. Num de meus passeios pela nossa região, não faltou quem fizesse pilhéria do deslumbramento dos ilustres visitantes de além-mar ali dentro do carro, isto é, o queixo caído dos expatriados temporariamente retornados. A gozação veio de um nativo, Adélio Mignacca Filho, irmão de Rosa e de Juliano Leite Mignacca, um “paraguaçuense ausente” residindo em São Paulo há muitos anos.

“Ah, Darinho, você com essa câmera que não para de clicar, e essa minha irmã que não para de ‘gemer’ aqui do lado… que esse verde ali é lindo demais, que aquela árvore lá é simplesmente fascinante. Qual é? Daqui a pouco vocês vão começar a tirar fotos de estrume de vaca e postar no FaceBook. Tô cansado de ver isso gente. Bobeira!”

No carro, não vi o semblante do Rodrigo Morais Leite, primo desses irmãos com quem eu revisitava o distrito de Guaipava depois de pelo menos 45 anos, mas imagino que ele, mesmo não sendo um expatriado, é um urbanóide, como Juliano, que também achava aquilo tudo maravilhoso.

O visual que juntos curtimos naquele passeio foi de fato fantástico. Quem duvidar é só procurar meus albunzinhos de fotografias no FaceBook. No fundo, o próprio Adelinho se contagiou pelo entusiasmo de quem se encantava com as curvas harmoniosas de tantas colinas que se desdobravam em enorme área visível a cada subida da estrada de terra batida, linda, soberana, por onde passávamos. Por ali nos víamos embasbacados diante da variedade de tons verdes do pasto, do café, do milho, da banana, do bambu e do feijão, entre muitos outros. Variedade dos tons de azul, branco e cinza do céu, que ameaçava fazer chover. Variedade do marrom-pastel das casas de tijolos expostos, dos cupins, ou das fornalhas de carvão vegetal.

Na verdade, minha mais recente viagem a Paraguaçu nessa última passagem de ano me trouxe o maior prazer que já tive até hoje em termos de redescoberta das belezas de nossa região -- da própria cidade e de suas vizinhanças, como o distrito do Pontalete. É uma vergonha, mas acredito que eu não tivesse ido, uma vez sequer, ali ao outro lado da represa de Furnas, desde que ela fora criada. Mas em duas semanas para o Pontalete eu me dirigi nada menos que três vezes – e que posso dizer? O caminho, que tem na sua rota o excepcional Restaurante do Diógenes, com sua vasta vista de 250 graus da região, é simplesmente imperdível, incomparável e inesquecível.

De fato, o trajeto agora é um tanto exótico, quase surreal, por conta da seca que não apenas fez ressurgir duas pontes que ficaram submersas ao longo de meio século, como também as tornou novamente úteis e necessárias para se passar sobre os rios Sapucaí e Verde, os leitos que formaram a desaparecida represa. Muitos foram meus passeios a pé pela cidade e arredores, pelas suas estradas de terra vermelha ou marrom, pela paisagem cartão postal deslumbrante para nenhum europeu, hispano-americano, norte-americano, asiático ou africano menosprezar. Para mim, fica, então, a lição: não deixemos de desfrutar do local onde vivemos, ou nascemos! E viva o arquétipo jungiano, porque de amor e consciência do que é de fato belo, não deixemos de ver nossa terra na sua maior aura de luz, cor e formosura.



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