domingo, 12 de dezembro de 2010

Afagos


Usamos, principalmente, a palavra falada e a palavra escrita para nos comunicarmos, mas o silêncio também diz algo em muitos contextos, inclusive aquele que Carmen Miranda jamais esqueceu. Caladas, as elites do Rio de Janeiro presentes ao Cassino da Urca em uma noite de 1940 transmitiram um desafeto histórico, uma mise-en-scène da indelicadeza. Depois de Carmen cantar uma, duas, três canções, não soou nenhum aplauso, somente aquele silêncio que dizia, nas suas estrelinhas vazias mas, mesmo assim, ferozes de rancor: “Nós não gostamos mais de você. Você está muito americanizada”. A bela e talentosa Carmen Miranda não se recuperou mais daquele silêncio.

Outras formas “mudas” de comunicação não ferem a ninguém. Muito pelo contrário, podem redimi-las da dor, da solidão e da saudade, saudade até daquele tipo antecipado, como foi a de Gilberto Gil em 1969. Após serem injustamente acusados de anarquistas subversivos e sofrerem a humilhação e o extremo desconforto de uma prisão solitária, ele e Caetano Veloso receberam uma “graça” da polícia: poderiam fazer um concerto em Salvador para que, com o dinheiro, comprassem passagens e sumissem do país. Daí que Gil quis cantar e, através de uma nova canção, despedir-se de seus amigos e dos brasileiros em geral, sem sequer poder anunciar sua partida. Parece que todo o país entendeu o seu recado: a sua velada mensagem de adeus e de amor. Até hoje usamos, no dia a dia, a mesma expressão de Gil, “aquele abraço”, que também é o próprio título da música. Era sem dúvida um doce e carinhoso abraço de milhões de almas oferecido por mais um de nossos artistas a caminho do exílio.

Assim como um bom abraço, o aperto de mão, o cafuné, o tapinha no ombro, o leve toque na cabeça ou nas costas, o beijinho social, o beijo apaixonado, e aquela boa soneca no colo da mãe ou do namorado — tudo isso pode nos dar o prazer físico da amizade e do amor, da compaixão e do perdão, do consolo e da cumplicidade. Cada um de nós deve ter na memória pelo menos um dia em que algo assim aconteceu e o mundo se transformou.

Para mim um daqueles instantes mágicos aconteceu há quase um ano, quando antecipei minha viagem de Paraguaçu a Belo Horizonte por um motivo muito triste. Um dos meus melhores amigos — e aqueles que me conhecem sabem que sou agraciado por um contingente de pessoas que me querem bem — tinha acabado de perder sua filha única, de 18 anos. Assim como a esposa Sônia, Geraldo já sentia no corpo a saudade antecipada e dolorosa da inesquecível Yumi, vítima da fúria das águas que caíram sobre Ilha Grande, junto a Angra dos Reis, no estado do Rio de Janeiro.

Nosso encontro em Belo Horizonte não foi nada comum. Deixou-nos a certeza de que a energia do abraço expressa mais que qualquer palavra, que querendo e podendo “dizê-lo”, nos tornamos muito mais fortes, nos tornamos até temporariamente donos de dois corações, como tão bem explica o autor anônimo do texto que transcrevo abaixo.

Aqui vai, então, o meu mais terno abraço, com votos de felizes festas, a todos vocês que me honram com a atenção e me lêem a cada mês. Pelo carinho que lhes tenho e em gratidão pelos nossos encontros às páginas d’A Voz da Cidade ou do meu blog, Ponteio Cultural, aqui segue um singelo presente de fim de ano: “A tecnologia do abraço”. Espero que gostem. Nasceu da mais profunda, porém despretensiosa, sabedoria do povo mineiro.

O matuto falava tão calmamente, que parecia medir, analisar e meditar sobre cada palavra que dizia...


— É... das invenção dos homi, a que mais tem sintido é o abraço. O abraço num tem jeito di um só aproveitá! Tudo quanto é gente, no abraço, participa uma beradinha. Quandu ocê tá danado de sodade, o abraço de arguém ti alivia. Quandu ocê tá cum muita reiva, vem um, te abraça e ocê fica até sem graça de continuá cum reiva. Si ocê tá feliz e abraça arguém, esse arguém pega um poquim da sua alegria...


Si arguém tá duente, quandu ocê abraça ele, ele começa a miorá, i ocê miora junto tamém. Muita gente importante e letrado já tentô dá um jeito de sabê purquê qui é qui o abraço tem tanta tequilonogia, mas ninguém inda discubriu.


Mas, iêu sei! Foi um anju de Deus qui mi contô. Iêu vô contá procêis u qui foi quel mi falô: O abraço é bão pur causa do Coração. Quandu ocê abraça arguém, fais massage no coração! I o coração do ôtro é massagiado tamém! Mas num é só isso, não. Aqui tá a chave do maió segredo de tudo. É qui, quandu nois abraça arguém, nóis fica cum dois coração no peito!...


Prazeres, Riscos e Danos

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