sexta-feira, 23 de maio de 2008

Solidão em suburbano


Dário Borim Jr.

dborim@umassd.edu

O expresso das 4:45 partiu da estação cinco minutos atrasado naquela tarde — um tropeço na vida agitada de qualquer nova-iorquino. Uma vez dentro de um vagão para não-fumantes, lotado como de costume na hora do pico, encontrei por sorte uma vaga num daqueles desconfortáveis bancos plásticos de trens suburbanos.

Após mais um árduo dia de trabalho, eu sentia todo o meu corpo doer. Pior que braços e pernas, entretanto, algo me afligia por dentro. Meses de solidão e anonimato numa megalópole haviam assegurado à tristeza o direito de me dominar e me pôr em desordem as emoções.

Disfarcei o olhar por todas as direções em busca de fisionomias, senão amigas, pelo menos cordiais. Para o meu desalento, os semblantes dos passageiros espelhavam o mesmo vazio que sentia eu em mim mesmo. Eles também pareciam precisar de contato humano, mas não se dispunham a dar um passo sequer para consegui-lo. Longe disso, os passageiros achavam sempre um refúgio para os seus sentimentos: ler, ler e ler, até que chegassem finalmente a suas estações de destino.

Ávido por iniciar uma conversa, eu percebi no banco de trás uma senhora de meia idade. Tive esperança. Imaginei que fosse simpática e que até gostasse de uma prosa leve, jovial. Para minha decepção, a madame permaneceu estática: nem por uma vez a vi desencalhar os olhos de seu The Wall-Street Journal durante os seus sólidos trinta minutos de viagem.

Acredito que muitos visitantes à área metropolitana de Nova Iorque concordariam comigo: está para nascer na terra gente mais ocupada, individualista e insensibilizada que os habitantes da maior cidade do Ocidente. De Greenwich, Connecticut, trago na memória um dos meus argumentos. Ali na mesma estação de trem, no mesmo horário, todo santo dia, as pessoas estão "se encontrando". O curioso é que elas nem se olham. Ocorre uma pitoresca cena diária: enquanto esperam a condução para o trabalho ou a escola, dezenas de pessoas suspendem os jornais e revistas até bem perto dos olhos. Seriam míopes? Aposto que não. Apesar de se verem todos os dias, os passageiros da estação de Greenwich não se conhecem, ou, quem sabe, orgulhosamente disfarçam que não.

A viagem rumo à bela estação central em Manhattan continua, mas chega o momento em que decido vaguear por outros carros do comboio. Acabo encontrando o carro-bar, onde seis homens bebem algo naquela tarde de verão. Alguns deles olham para o chão e, outros, para a paisagem monótona e inútil de prédios sujos, uma das vistas que admiravam pelas janelas do carro que deveria ser o mais descontraído e interessante de todos. Fui, urgentemente, comprar uma cerveja. De fato, ainda tinha fé que alguma conversa saísse por ali. Mais uma garrafinha de Miller, uma terceira, e nem mesmo uma palavra disseram. Nem eu. Um pouco mais deprimido, deixei o vagão.

Era com o objetivo de dar alívio à minha alma ferida que eu me dirigia à ilha de Manhattan, o coração do lazer daquela fascinante cidade norte-americana, para turistas. Em certos bares do Greenwich Village, eu encontraria a paz de espírito com que sonhava sufocar minha nostalgia e autocomiseração. Mas até que chegasse à estação central, sofri os dissabores da mais plena solidão e impotência diante da frieza humana. Um convívio passageiro e fortuito era só o que eu queria; porém, era muito a pedir dos outros viajantes e de mim mesmo. Só me restava uma alternativa. Como qualquer outro indivíduo a bordo, também me tornei um leitor sem mais me importar com o ambiente. Carregava eu também uma alma ausente e seca, fingindo ter a única alma viva naquele trem.
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sexta-feira, 9 de maio de 2008

Rumo ao Caribe

Dário Borim Jr.
dborim@umassd.edu

Dizem que tudo o que se torna rotina um dia acaba perdendo o fascínio. Deve ser por isso que enquanto eu sonho acordado, os passageiros ao meu lado dormem profundamente neste vôo Rio-Miami. A viagem é longa, e há muito tempo para pensar. Como o meu destino final é o Caribe (San Juan del Puerto Rico, mais precisamente), paisagens de praias e ilhas, com seus sons de salsa, calipso, reggae e merengue logo me convidam a refletir sobre o que possivelmente me espera nos próximos trinta dias que passarei de férias por ali.

Misturando-se a formas e sensações que observo à janela ou que construo eu mesmo na base da imaginação, vêm-me à mente algumas reminiscências de quando eu estava prestes a sobrevoar as águas do Caribe pela primeira vez. Deixava o centro de Bogotá, de táxi, rumo ao aeroporto internacional sem conseguir esconder muito bem o medo que tinha daquela cidade tão violenta. Logo pude ver estampada em vários postes de luz a figura de um brasileiro que também me inspirava medo, com a sua mania de cavalos e chicotes: o presidente e ditador João Baptista Figueiredo. Ele estaria visitando o país em breve. Eu tinha mais um pequeno motivo para apressar minha saída.

A certo momento o motorista me perguntou qual era o meu destino. Numa língua mista, o tal de "portunhol" que eu vinha aprimorando ao passar anteriormente pela Bolívia, Peru e Equador, eu lhe disse: "Me voy al Panamá, talvez a Costa Rica, o mismo Guatemala. Pero mi destino final son los Estados Unidos". O homem achou estranho eu me dirigir ao aeroporto sem saber para qual país estaria viajando. Expliquei-lhe que por causa das leis do Panamá e de outros países da América Central não se vendia passagem só de ida ao passageiro que partisse da Colômbia. Eu ingenuamente tinha muita esperança de encontrar alguma solução para aquele impasse burocrático no aeroporto, pois queria conhecer um pouco daquela região estreita e rodeada de mares. Mas se a dificuldade fosse muito grande, pegaria o próximo vôo para os Estados Unidos. Infelizmente, assim o fiz.

Hora e meia após chegar ao aeroporto de Bogotá já estava abordo de um velho DC-8 da extinta companhia norte-americana Branniff. Apesar de frustrado por não poder ver a América Central com os pés no chão, agora me entusiasmava com as informações transmitidas aos passageiros. O comandante anunciou "Jamaica à vista", e logo se pôs a relatar dados sobre a bela ex-colônia inglesa. Qual foi a minha surpresa quando passamos a sobrevoar uma massa de terra muito maior e nenhuma voz a mencionou pelos alto-falantes.

"Aquilo é Cuba, meu caro", disse um passageiro à minha esquerda. "Não sabe que aviões americanos não devem nem mencionar a ilha de Fidel em seus serviços de bordo?" Mas o céu estava limpo e quem quis pôde ver as belas ilhas de Cuba, sem problema. E não há Guerra-Fria que lhes negue o charme e as cores.

Sete anos depois daquelas primeiras impressões dos arquipélagos caribenhos lá estava eu de novo sobrevoando os mesmos mares. E antes que houvesse muito tempo para me aprofundar nos mistérios e imbecilidades da política internacional, pousávamos em Miami. Menos de quatro horas mais tarde, já em outra aeronave, me aproximava das ilhas de Porto Rico, terra de saboroso rum e de um sapinho do tamanho de uma unha, que canta a noite inteira como se fosse gente grande em serenatas sem fim.

O sabor da piña-colada e a força do balanço caribenho se tornavam mais vivos em mim, diante da iminência do pouso em San Juan. Acima de tudo, o prazer advinha da enorme expectativa de re-encontrar alguém muito especial que ali morava. Agora ainda posso ver aqui de cima, um pouco antes de encarar a pista que nos levará ao terminal de passageiros, um restinho desse maravilhoso mar azul-esverdeado, tão cristalino como os seus olhos, Ann. Então Tom Jobim e Vinícius de Moraes me dão uma colher. Nesses divinos instantes posso apostar que “há menos peixinhos a nadar no mar, do que os beijinhos que eu darei na sua boca”.
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Prazeres, Riscos e Danos

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