quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Pelo telefone do século XXI



Dário Borim Jr.

dborim@umassd.edu

Em 1916 o telefone era uma tremenda novidade, uma espécie de “coisa do outro mundo”. Quase um século atrás, a maioria da população nem podia sonhar com tal luxo. Passavam-se os anos da Belle Époque e da chamada Era de Ouro de enormes invenções humanas: o Titanic, o automóvel, o avião, etc. O telefone tornou-se logo símbolo de status e, muito depois, uma imprescindível necessidade de todos—pobres ou ricos. Porém, até os anos 90, o serviço telefônico custou o olho da cara no Brasil. Lembro-me de que uma linha chegou a valer o equivalente a uns 4 mil reais. Em nossas peregrinações por múltiplas repúblicas em Belo Horizonte nos anos 70 e 80 sempre tivemos que alugar nossas linhas e ir ao centro da cidade todo mês para saldar as contas. Ainda por cima, era preciso contar com almas generosas, como a do saudoso Ti-Tom (Gladstone Prado), para servirem de avalistas.

O governo militar, como se sabe, controlava o acesso ao serviço restringindo a competitividade e assim mantendo os preços fora de lógica e fora de alcance à maioria dos brasileiros. Então João Figueiredo desceu do cavalo e… salve Fernando Henrique Cardoso, e afasta de mim aquele “cale-se” chamado Telebrás! Que coisa horrível, não? Mas é assim mesmo que a modernidade se instaurou no Brasil: lenta e injustamente e... cheia de disparates.

Hoje o telefone celular (o “telemóvel” para os portugueses e africanos) é um dos instrumentos eletro-eletrônicos mais usados em todo o mundo. Em nosso país deve haver mais telefones celulares do que bíblias católicas ou protestantes. São milhões e milhões deles, e por isso temos um sério motivo para pensar que, como os povos de outros países, também vivemos numa forma de pós-modernidade globalizada.

Antes de falar desses nossos dias de internet, i-phone, i-pod, e GPS, eu queria recordar um samba histórico e controvertido por natureza, composição e gravação: “Pelo telefone”. Para lembrar-lhes da canção, aqui estão dois de seus famosos versos: “O chefe da polícia pelo telefone manda me avisar / Que na Carioca tem uma roleta para se jogar”.

Em uma de suas passagens mais engraçadas a canção se auto denomina “samba”: “Porque este samba, sinhô sinhô / É de arrepiar, sinhô sinhô / Põe a perna bamba sinhô sinhô / Mas faz gozar”. A questão é que “Pelo telefone” foi escrito em 1916 e lançado em 1917, quando a tradição do samba ainda não tinha sido estabelecida. Apesar de muitos historiadores registrarem essa canção de Ernesto Joaquim Maria dos Santos (mais conhecido como Donga) e Mauro de Almeida como se tivesse sido o primeiro samba gravado, na verdade “Pelo telefone” não foi o tal, porque essa canção não é samba. É, sim, um maxixe que fez enorme sucesso no carnaval por várias décadas.

A controvérsia, de fato, é anterior a essa questão de gênero musical, que aliás, ficou mais ou menos resolvida ao se concordar que “O telefone” seja um samba-maxixe. Segundo alguns pesquisadores, Donga foi muito “espertinho” e registrou o “samba” como se fosse somente seu. A escrita teria sido coletiva, entretanto, numa roda de cerveja e cachaça na casa da Tia Ciata, famoso reduto de boêmios na primeira capital da República.

O telefone enquanto “personagem” na canção de Donga (e companheiros) proporciona acesso a informações estratégicas ao malandro sobre roletas (provavelmente ilegais) no centro da cidade. Curiosamente a dica vem de um chefe de polícia. No poema-canção o telefone também serve para uma conversa um pouco estranha entre o malandro que canta e um dos seus rivais, que ouve uma espécie de praga do cantor-poeta: “Tomara que tu apanhes / Não tornes a fazer isso, / Tirar amores dos outros / Depois fazer seu feitiço”.

O uso do telefone no Brasil ainda é uma questão às vezes associada à ilegalidade e marginalidade, como se percebe nas discussões da mídia sobre o controle dos celulares de traficantes em liberdade ou no cárcere. Porém, a sociologia desse instrumento de comunicação no Brasil tem muitos outros aspectos. Recentemente li uma entrevista do antropólogo Roberto DaMatta a minha colega de profissão, Luci Moreira, em que o carioca discutia os efeitos da pós-modernidade e da globalização. No Brasil, afirma DaMatta, o telefone celular é muito usado para falar com a família e amigos. Sua difusão, argumenta o professor, “tem a ver com a sua capacidade de ampliar um valor tradicional, no caso, as velhas relações familiares e de amizade da sociedade brasileira”.

Sem discordar do grande antropólogo, desconfio que algo mais esteja paulatinamente acontecendo no Brasil de modo semelhante ao que se vê com mais frequência aqui nos Estados Unidos. O telefone hoje é um computador. Como tal, ele nos oferece muito mais que essa comunicação familiar. O meu telefone LG, por exemplo, me auxilia a dirigir, literalmente dizendo onde estou, onde devo virar, onde há engarrafamentos, postos de gasolina, restaurantes, farmácias, hospitais, e tal—tudo pelo sistema GPS, via satélite.

O telefone do século XXI também afasta as pessoas, entretanto. Dão-lhe entretenimento privado, particular e exclusivo. Também oferecem amizades fictícias e amores levianos, alguns deles perigosos ou abusivos. Ademais, observa-se como que adolescentes se sentem mais independentes e agem com muito menos interferência dos pais. Antigamente, com apenas um telefone em casa, pai e mãe tinham uma idéia de quem telefonava para seus filhos. Sabia-se até mais que isso, por se ouvir parte da conversa na mesma sala ou copa onde se encontrava o aparelho. Hoje, os pais têm pouquíssima consciência de quem telefona aos jovens da casa. Estes conversam, fazem planos, e muitas vezes os pais são os últimos a saber do que os filhos e amigos já combinaram de fazer.

Esse enorme acesso à comunicação também permite que o jovem viajando com os pais se mantenha em contato com os amigos que deixou na sua cidade. Ele então não se desprende totalmente do que poderia estar fazendo se não estivesse acompanhando os pais, e lá vem conflito, um conflito muito maior do que o que se conhecia no passado. Gostariam de estar em vários lugares a um só instante, o que (ainda?) é impossível. Já são capazes, porém, de fazer mil coisas ao mesmo tempo: assistir a um filme, ouvir música, escrever e enviar mensagens eletrônicas, comer chips e ainda falar com um amigo ao telefone.

Este mundo pós-moderno tem muitas maravilhas, sim, mas causa muitos danos, também. É lamentável a noção de “direito” que muitas crianças e adolescentes vêm adquirindo. São jovens que crescem pensando que filmes, canções, jogos eletrônicos e conversas constantes com os amigos fazem parte de um mundo de privilégios com os quais nasceram e que tudo o mais nas suas vidas deverá ser assim: fácil, rápido, eletrizante, colorido e digital, como é a vida pelo telefone no século XXI. Não sei não, mas desconfio que muita decepção também virá em forma de correio eletrônico, por um i-phone, i-pod, ou coisa parecida. Um dia a ficha vai cair e muitos jovens vão saber que sem trabalho e sem luta não se chega a lugar algum, pois nada cai do céu. Apesar de todo o avanço da tecnologia, ainda mais importante são a fé em quem realmente somos e a determinação para se trabalhar e construir uma vida concreta, bem menos cintilante, mas bem mais firme, que a etérea e fantasiosa realidade virtual online, desse outro mundo de alta tecnologia—instantâneo e falsamente sem limites.

8 comentários:

Anônimo disse...

Meu irmão é assim:de um simples objeto que a gente pela inúmeras vezes ao dia ele faz uma crônica super legal, isto é que é inspiração! Continue assim, meu querido, a vida é para ser vivivida, pensada e potizada!!! Parabés! Abraço.Silvana

djborim disse...

Nina querida,

Obrigado pelas palavras generosas sobre minhas cronicas!

Valeu, minha queridissima mana. Vc deve ter sido uma das primeiras senao a primeira mesmo a ler aquela cronica. Vc e' muito doce. Legal tb que vc conversou com o Ian. Ele curtiu muito

Bjs,

O Brother

djborim disse...

Issimo, muito interessante isto de pegar um objeto,contar a história dele,anexar uma musica,as artimanhas do autor,até chegar em uma análise mais profunda das novas facilidades e a rpercursão disso nas novas gerações. Uma viagem muito louca e realista.Adorei! Vou ficar ligada na proxima! Cris

BRAZILLIANCE disse...

e ai brother!!! estava lendo a sua nova cronica no seu blog e estava pensando quando estive por ai e vi um gps funcionando a todo vapor. que maravilha! por aqui ja temos um gps nao no celular, mas, uma aparelho pequeno que colocamos no carro. funciona bem! nao e caro, nao. 400 reais e pronto sem mensalidades. vou a maceio em marco e vou levar o do meu sogro. vamos ver se funciona bem fora de bh!quanto ao telefone estava assistindo o jornal da globo que falava justamente do assunto. ainda existem 1850 municipios no brasil sem sinal para celular... a previsao e que em 2010 todos os municipios sejam contemplados. sao 150 milhoes de aparelhos! poderia imaginar coisa parecida enquanto alugava linha de telefone fixo em meados das decadas de 70 ou 80?grande abraco por falar em telefone!obs: "o telefone tocou novamente... fui atender e nao era o meu amor... sera que ela ainda esta muito zangada comigo? que pena... que pena..." acho que e do chico buarque

Anônimo disse...

Dario,

Suas cronicas eh um alivio para o tempo :)

Me divertindo aqui na sua pagina e te desejando muito mais inspiracao!

Beijos

Fabiana

djborim disse...

Querida Fabiana,

Obrigado pelo toque. Fico contente que tenha gostado das cronicas.

Como vc sabe, escrevo com muito gosto, muito prazer mesmo, e esse prazer se multiplica ao compartilhar os textos com os amigos.

Anônimo disse...

Oi Dario! Sou Maristela, filha do maestro José Purifico, de Paraguaçu (resido em Boa Esperança). Só pra lembrar, cantei La Violetera ( muito mal) na festa da Academia. Não sei o que houve, mas fiquei muito emocionada. Venho lendo o Ponteio Cultural e admiro sua maneira de se manifestar através da escrita. Agora... esta crônica de 21 de fevereiro é sensacional. Estou de pleno acordo e me preocupo muito com a juventude e com quem vem por aí. Os adolescentes se sentem donos da verdade e não têm limites, mas estão virando verdadeiros robôs. Como você disse: este mundo pós-moderno tem maravilhas e danos. É preocupante. Com o avanço rapidíssimo da tecnologia, muita coisa pode acontecer: positiva e negativa. QUEM VIVER VERÁ. Um grande abraço pra você e sucesso na vida profissional.

djborim disse...

Oi, Maristela--
Obrigado pela atencao e o carinho das suas palavras. Fico contente de saber que vc gosta das cronicas que venho publicando n'A Voz. Outro dia mandei uma nova, que saira' em breve. Ela ja' se encontra postada neste blog.
Estarei postando novas cronicas a cada mes, sempre com uma ilustracaozinha, pra dar um toque a mais.
Essa ultima, "Do berimbau baiano ao trombone frances", e' uma das minhas favoritas. Tambem gosto daquela que vc mencionou: "Pelo telefone do sec. XXI".
Lembro-me de voce, e tenho saudade do seu pai. Eu era pequeno, mas mesmo assim absorvia muita coisa da musica dos adultos. Seu pai era incrivel.
Entao, vc mora em Boa Esperanca ha' muito tempo? Gosta?
Qto a tua apresentacao, deixe de modestia. A emocao com certeza a tornou ainda mais preciosa a todos, apesar de lhe oferecer algum receio, alguma inseguranca. Tenho otimas lembrancas daquele domingo em 2002. Muito obrigado, mais uma vez, pela sua bela participacao.
Um forte abraco,
Darinho

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