quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Belos Horizontes



Depois de 34 horas de viagem, cheguei a Belo Horizonte à uma da manhã de sábado, dia 26 de junho. Era para ter batido à porta da casa de minha irmã Silvinha e cunhado José Côdo no dia anterior, onze horas antes. Os tempos mudaram. Com os aviões sempre cheios e as companhias aéreas cada vez mais falidas (por que será?), não se viaja mais sabendo ao certo quando ou como chegar a nosso destino. Desta vez estava para sair de Boston e deveria seguir até Nova Iorque e de lá partir para São Paulo, rumo a Belo Horizonte. Ao invés de fazer esse itinerário, minha rota foi vítima de tempestades de granizo que caíram na capital de Massachusetts e na Grande Maçã. Estas me empurraram para Atlanta, onde perdi uma conexão para São Paulo. Fui parar em Santiago, no Chile. Depois de vislumbrar os maravilhosos Andes cobertos de neve, me aborreci, no aeroporto, ao ver a péssima partida de futebol que fizeram Brasil e Portugal. Terminei a jornada ileso, e é isso que importa.
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Naquela noite, meus simpáticos e generosos anfitriões ainda estavam de pé e me aguardavam com uma bela sopa de feijão preparada pela Maria, talentosa cozinheira que trabalha aqui nesta casa há várias décadas. A conversa logo se fez animada e se estendeu até as três horas da madrugada. Nosso assunto principal era a cidade de Belo Horizonte, sobre a qual me incumbi de escrever um texto acadêmico para um livro a ser publicado na Suécia. Não sei se darei conta do recado, mas com certeza me vi em boa posição para iniciar a pesquisa ao trocar idéias àquelas estranhas horas. É que meu cunhado é um amante e profundo conhecedor da história dessa cidade, minha segunda cidade do coração, perdendo apenas para Paraguaçu, é claro.
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No desenrolar de nosso colóquio sobre a capital levantei a questão principal para a elaboração do meu ensaio: como é que uma cidade como Belo Horizonte se posiciona culturalmente diante de duas megalópoles, São Paulo e Rio de Janeiro? A capital de Minas Gerais, nós concordamos à mesa, não se anula sob o poder das duas cidades que dominam não apenas a região Sudeste, mas todo o país. Muito pelo contrário, Belo Horizonte não deixa de se afirmar como um pólo cultural de alcance regional, nacional e internacional, apesar de estar geograficamente tão próxima daqueles poderosos centros.
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Temos aqui uma cidade para onde convergem artistas de todo o estado e de vários países. Entre tantos outros nomes de expressão, destaca-se o Clube da Esquina, formado por músicos da estirpe de Milton Nascimento, Toninho Horta, Lô Borges e Beto Guedes. Sem falar no grupo Uakti, ícone global de excelência musical, por tradição e inovação: das composições clássicas ao folclore do Vale do Jequetinhonha e à vanguarda ainda sem rótulo. Entre nós se encontra, também, o berço do grupo de dança moderna Corpo e o do grupo de teatro Galpão, ambos com altíssima reputação mundo afora. Enquanto isso, o Instituto Inhotim continua sendo o maior museu de arte contemporânea a céu aberto do mundo, e a cidade realiza, anualmente em julho e agosto, o seu enorme Festival Internacional de Teatro, acompanhado de pelo menos dois festivais de jazz de alto calibre.
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Uma das conclusões a que chegamos sobre as origens dessa força cultural é a de que a Terra do Pão de Queijo só poderia ser assim porque é a capital de um estado gigantesco com uma identidade distinta, ao mesmo tempo variada e coesa. Pode-se viajar mais de 830 km a partir do centro do estado, onde está a cidade inaugurada em 1897, e ainda se permanecer dentro de Minas Gerais. A começar pelo seu gosto por sofisticado artesanato, renomada culinária, e todo um etos de “mineiridade” imortalizado por seus escritores e contadores de “causos”, a terceira maior região urbana do país, planejada no final do século XIX ao redor da antiga vila Curral del-Rei, é “uma roça que deu certo”, segundo Cristina, uma amiga belo-horizontina. Ao nosso redor reúnem-se as múltiplas, fascinantes e peculiares características das regiões que a circundam geograficamente. Há quem diga, aliás, que o perfil étnico de Minas torna esse estado uma espécie de microcosmo do Brasil, e talvez seja por isso que produtos culturais como discos, filmes e espetáculos musicais sejam primeiro testados e lançados em Belo Horizonte.
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Minha estadia nesta cidade me tem oferecido várias oportunidades para discutir todas essas questões com familiares, amigos, motoristas de táxi e outras pessoas que se interessaram pelo tema. O melhor mesmo, porém, é ter tempo para desfrutar da beleza dos seus horizontes tão belos em incansáveis caminhadas pelas ruas e ruelas do Parque Municipal, da região da Savassi e dos bairros Mangabeiras e Serra. Isso sem contar o frescor e o balanço das noites de chopadas e baladas em vários de seus milhares de bares, cafés, e danceterias, do Armazém do Árabe, à Obra e ao Paco Pigalle.
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É fácil dizermos e sentirmos que amamos essa cidade, e que não nos faltam motivos para muito orgulho, a todos nós mineiros, de qualquer canto do estado, mas principalmente a nós que temos a sorte de ver a lua nascer atrás da serra do Curral e regozijar sob as estrelas, sob nossa parcela do mar de Minas, aquele que para Rubem Alves, não é no mar. Portanto, o mar de Belo Horizonte é mesmo no céu. É um mar para o mundo “olhar pra cima e navegar sem nunca ter um porto pra chegar”.

19 comentários:

Jose' Codo disse...

Ficou muito boa! BH agradece.

Susan disse...

Sou mineira de coração. A próxima vez que tu ficares perdido em Atlanta, chama a gente!

Valeria disse...

A crônica ficou maravilhosa! Sabe que, quando vc termina a crônica dizendo do nosso privilégio de ficar aos pés da serra do Curral me vieram três coisas na cabeça, esse luar maravilhoso visto por lá, do parque das Mangabeiras e do parque municipal. Sei que existem milhões de outros atrativos nesta grande cidade pra vc escrever, mas é que estes três lugares são Darinho pra mim. Agradeci a Deus por ser belo-horizontina depois desse encerramento! Com o coração cheio de esperança que tudo ainda vai melhorar e dar certo pra mim! Ficou maravilhoso o texto, como sempre! Parabéns!

Antônia disse...

Oi querido,
Eta trem bom..., nem me fala que delícia é a sua terra!!!!!!!!!!!!!!
O Diogo, está pensando em ir até Ouro Preto, ele gosta muito daquelas bandas.
Obrigado pela crônica.
Grande abraço para todos,
Tuka

Frederico disse...

Gostei !
Dei uma boa olhada no seu blog.
Achei legal o que você escreveu sobre o livro do Delson.
Cristina está lista dos seguidores.
Tentei, mas não consegui... rsrsrsr
Um forte abraço. Amanhã vamos ouvir MPB.

Cris Lira disse...

Dario

Como sempre um texto apaixonado e muuuito bonito. Para mim, Belo Horizonte é tudo o que diz o título. Acho a cidade muito bonita e foi um presente conhecê-la em uma viagem que também passeou pelos arredores dos Horizontes. É claro que, diante de tantas coisas lindas que foram ditas, ainda cabe ressaltar - porque indiretamente você trouxe o tema - a presença grandiosa dos autores que se relacionam aos horizontes belos e às gerais de maneira contínua. A cultura transborda e a gente aproveita!
Parabéns, Dario!

Um abraço,
Cris Lira.

Carla disse...

Não é que o texto ficou "bom demais sô"!! "Uai", mas você não esqueceu de nada!! Adorei!!
Beijos, Cacá.

Wilson disse...

Oi Darinho,
Muito bom seu texto.
Grande abraço

foureaux disse...

Mais uma vez, a sua "mineiridade" transparece azul e leve, entre suas palavras. Uma crônica de "peso"!!! Passeei pelas localidades que você descreve, sonhei com as intuições e maravilhei-me com seu estilo... sem redundância... personalíssimo!!!
Já estou curioso para ler o tal livro de que vai participar. Nào deixe de anunciá-lo.
Abraço, já com saudade daquele encontro de domingo... inesquecível!

Silvia disse...

Oi mano,
Ficou ótima a a cônica! Legal e muito bem escrita.
Beijos e uma boa semana para vc.

Silvana disse...

Ei irmão querido, adorei sua cronica viu. Ficou linda... concordo com tudo, que apisagem linda e... que belo encerramento de seu trabalho! Parabéns! Nós e BH adoramos receber você aqui. Seja sempre bem-vindo! Abração Nina

Maria Jose' disse...

Parabens meu querido amigo!!!
Muito linda a sua cronica!
E viva o ceu de Belo Horizonte!!!
Mutios abra'cos saudosos,
Maria Jose'

Marisa disse...

Que pena se não pudermos mais conversar, tinha mais coisas p/ te falar sobre um filme que assisti ontem de um mineirim de BH,e outras cositas mais... E, by the way, eqto tentava te ligar, aproveitei p/ ler sua crônica...muito poetica e inspirada por sinal. Adorei!!!

Sé disse...

A sua nova crônica, sobre BH, está linda! Apaixonante! Pude até ver êste "céu-mar" cristlino e o grupo de dança Corpo ( que adoro), dando o seu show lá na terrinha!
Parabéns!
Sabe o seu pai já havia me ligado e falado sobre esta sua nova cria! Êle gostou muito e falou todo empolgado sobre a mesma. Ficou de enviá-la para mim, hoje.
Lembre-se, estou aqui, torcendo por você.
Fique com Deus!
Um grande e carinhoso abraço, querido Darinho.

Jorge Fernando disse...

Valeu, Dario.
Parabéns pela crônica sobre BH.
Abs.,
Jorge F.

Nélida disse...

Darinho,
Eu li sua crônica de BH e gostei muito, claro. O legal é "ver" Belo Horizonte através dos seus olhos, que, compreensivelmente, são bem mais românticos do que os nossos que vivem aqui.
Um abração e boa semana
Nélida

Georgia disse...

Primoooooo, que coisa mais lindaaaaa!!! Amei sua crônica! Vc é fantástico!! Sou muito orgulhosa de ser sua prima.
Saudades!!
Beijos no coração.

Glória disse...

Oi, Dário,
Sou suspeita para falar, porque nasci em Belo Horizonte, mas adoro esta cidade e fico feliz ao saber que você está se rendendo aos encantos daqui. Gostei da sua crônica, mas acho que falta mais um pouquinho de paixão, que vai chegar com o tempo. E a data é 1897. Você já percebeu a claridade de BH? É diferente de outros lugares. E já sentiu o perfume das magnólias em dia de chuva? Há muitas em Lourdes, no Santo Antônio e aqui por perto da minha casa. Para mim, é o cheiro de Belo Horizonte.
Quando puder, escreva mais.
Um abraço,
Glória

Marcia disse...

Dario,
Adorei o texto!
Abs,
Marcia.

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