Dário Borim Jr.
Estes são os meus últimos 30 minutos em Londres – até a próxima visita, é claro. Vida de professor universitário foi o que eu escolhi depois de bater a cabeça noutras portas. Em momentos como este, no aeroporto de Heathrow, enquanto espero meu vôo para Boston, tenho plena consciência de que acertei na pinta. Esse negócio é bom demais. Gente como eu nunca vai acumular riqueza. A gente sofre uns bons bocados, pois passa por umas chateações políticas e burocráticas, e tem que sobreviver publicando, senão é esmagado pelo sistema. Mas, na hora de poder escolher onde apresentar nossas pesquisas e teorias, muitos de nós pensamos, naturalmente, em viajar, com quase todas as despesas pagas pela Universidade, a países que nos parecem atraentes. E assim nossas vidas adquirem outro sabor.
Mais um congresso me trouxe, na terça-feira passada, a Grã-Bretanha. Bem, sejamos mais precisos: mais uma vez eu escolhi vir apresentar um trabalho nessa parte do planeta. Eu poderia ter escolhido ir a Viena em julho, ou a China em setembro. Quem sabe um dia por lá estarei. Por ora me contentei em desfrutar do que nos pode oferecer o mundo anglófono. Às vezes me pergunto se numa das minhas últimas encarnações não fui celta, bretão, ou mesmo americano.
O fato é que minha terceira passagem pela Grã-Bretanha me dá mais motivos para refletir sobre a minha “budista” origem inglesa – tudo isso, claro, com uma devida dose de imaginação e humor. Confesso que estou numa danada “ressaca emocional,” daquelas que me chegam depois de uma noitada ou mesmo de vários dias de muita alegria e aventura. Meus dias aqui foram realmente intensos, e para compor uma narrativa de todas ou mesmo da maioria das minhas experiências e reflexões nem teria espaço para essa crônica de jornal.
É verdade que em Massachusetts eu andava tão apertado de trabalho na Universidade, nas duas ou três semanas anteriores ao embarque, que mal pude antecipar mentalmente as delícias da viagem. Isso é mal, porque boa parte das coisas prazerosas da vida vem antes delas, vem da alegria que temos ao pensar nelas, ao vivê-las na mente e no coração, espaços onde não há limites ou fronteiras. Mas não posso reclamar. As emoções que tive em cinco dias inteiros em Londres me compensaram por qualquer “atraso” desse tipo.
Já no primeiro dia pude aproveitar o tempo bom, fresco, sem mais que uns rápidos e tímidos chuviscos, e pude fazer o que mais me atrai ao ar livre: andar, andar, e andar. Num país estrangeiro – aliás, como vivo no estrangeiro, devo dizer, em um país ainda mais estrangeiro que meu país estrangeiro – nem foi preciso ouvir meu I-Pod para me embalar pelas ruas. De fato, música saindo de um headphone seria um terrível filtro, um cabresto auditivo, porque há tantos sons a se perceber numa rua estrangeira quanto há cores, formas, aromas e movimentos, de coisas e de pessoas, que nos fazem descobrir o novo a cada segundo e a cada passo.
O tempo seco tem sido um fenômeno agradabilíssimo, mas meio raro, na cidade de Londres, dizem os jornais. Aqui chove muito e, principalmente, na primavera. Andar e andar na chuva são duas coisas muito diferentes. Lembro bem que foi com a mesma sorte que também me aproveitei do mundo seco, florido e ensolarado das avenidas de Dublim, dois anos atrás. Tivemos lá seis dias de sol em seguida, que fizeram muitos dublinenses pensar que Deus era irlandês. Desta vez, já deve ter londrino imaginando que Deus está sendo muito generoso com os fãs da família real e proporcionando a eles uma lua de mel, uma “lua de sol” para comemorar direito o casamento dos pombinhos Kate e Williams, aqueles belos seres sustentados pelo dinheiro do povo.
Então foi ao passear na minha primeira tarde londrina desde 2007 – sempre de antenas ligadas – ao longo de uma simpática avenida do centro histórico, a Shaftesbury, que notei que uma peça de teatro estava para se iniciar em 20 minutos no belo e tradicional Teatro Palace. A propaganda sobre a platibanda do prédio era muito chamativa: um enorme e brilhante sapato de salto alto azul piscina. Anunciava o musical Priscilla, a Rainha do Deserto. Não vacilei: um espetáculo vencedor de vários e importantes prêmios, com 25 drag queens, não era para deixar passar.
Já que meu principal motivo para estar na Inglaterra era a palestra que daria num congresso de estudos feministas na Universidade Londres, a chance era excelente de eu logo fazer uma imersão de duas horas e meia no humor, música e dança do espalhafatoso e maravilhoso mundo gay, ali, a meu dispor, por 20 libras. Paguei pra ver e não deu outra: adorei. A produção era excelente. O repertório musical, da melhor discoteca dos anos 70. O cenário, altamente criativo, mutante, mirabolante, tinha tudo de barango-chique e fantástico high-tech, com gente voando ou descendo dos céus, ônibus multicolorido em pleno palco, etc. O elenco e o corpo de dançarinos eram, obviamente, de primeira linha. Mais uma vez valeu a pena ter caminhado com os olhos bem abertos e os ouvidos desobstruídos para descobrir e curtir o mundo da rua, ainda mais em Londres, que, realmente, não é só para inglês ver.