sexta-feira, 10 de junho de 2011

Hospedar também é viajar





Dário Borim Jr
dborim@umassd.edu

Depois de 20 anos, uma nova “comitiva” brasileira estava para visitar o Darinho e sua família nos Estados Unidos. Em julho de 1991, dois de meus primos já falecidos, Zozó e Rejane, se encontravam nos EUA e também puderam ir a Minnesota, no Meio-Oeste, onde eu morava há três anos. Foram quatro os membros da família Mendes-Borim, entretanto, que sairiam diretamente do Brasil para o meu casamento em Duluth: pai, mãe, e minhas irmãs mais velhas, Silvana e Silvinha. Naquela ocasião a graça da chegada foi ver meu pai desembarcar em Minneapolis mascando chicletes, ele que sempre achou esse hábito um tanto, vamos dizer, “indecoroso”. Ele seguira à risca as recomendações: o movimento dos maxilares era ótimo para evitar as dores de ouvido na hora da decolagem e pouso do avião.



Desta feita, já em pleno século XXI, a primeira graça foi a que se passou em Miami. Aquela era uma gang de seis turistas. Para ser sincero, não tinham pinta de sacoleiros do Paraguai, mas, com certeza, revelariam simpáticos perfis de ávidos consumistas de roupas e eletrônicos do tal primeiro mundo. A gang se dividira em grupos de três diante dos agentes da imigração. Um dos agentes perguntou a um dos trios quanto tempo eles pretendiam permanecer. O dr. Francis Gonçalves, marido de minha sobrinha Cristina, quis praticar o inglês. Cansado ou distraído, em vez de dizer “treze dias”, respondeu: “treze anos”. É claro que se o agente de imigração o levasse a sério certamente pediria ao jovem médico para voltar para o Brasil, já que os Estados Unidos já estavam cheios de imigrantes ilegais. Tudo se resolveu logo, e o disparate do doutor só deu mesmo em risadas de lado a lado.

Já em Boston eu os apanhei todos de uma vez. Ainda bem que americano tem mania de grandeza, pois os seis viajantes brasileiros, suas bagagens e eu coubemos muito bem na nossa Entourage, uma confortável van de marca Hyundai. Foi o início dos vários dias e noites em que os visitados tinham tanto ou mais prazer ainda do que os visitantes. Quem viaja passa por uma descoberta de lugares, comidas, bebidas, pessoas, estilos de vida, mas, principalmente, de si mesmo, já que muitas coisas desafiam o sistema de referências que o indivíduo traz de casa. Há, também, muita atividade na cabeça e no coração de quem hospeda os viajantes, principalmente aqueles a quem conhecemos bem e de quem muito gostamos. O ser visitado passa a ver o mundo ao seu redor através dos olhos dos visitantes, e vice-versa, dialeticamente.
Hospedar também é viajar. Minha felicidade era enorme, pois aqui estavam pessoas com quem convivo intensamente quando visito o Brasil, e as quero todas muito bem. Através delas pude ver minha própria vida e meu cantinho por outros olhos, novas perspectivas que trazem rejuvenescimento e reavaliação de premissas desbotadas pela ação do cotidiano. Tendemos a desprezar a beleza e o valor das coisas porque as tomamos como corriqueiras e inerentes à vida que se leva. Exemplo: a própria van. Seu tamanho, motor silencioso e conforto não significavam mais nada, até que alguns dos seis brasileiros dissessem que aquele carro era mesmo “maravilhoso”. Talvez tenha sido por isso mesmo que poucos dias após a partida dos visitantes senti a necessidade de dar uma volta pela cidade onde moro e registrar em fotografias as cores e as formas de uma primavera exuberante, que dura poucas semanas. Eu a via agora ainda mais entusiasmado, já que ela não existe como tal em meu país de origem e a vida é curta demais para fecharmos os olhos ao belo e ao singelo que nos rodeiam.
A satisfação de aqui nos Estados Unidos poder apresentar aos meus melhores amigos, de uma vez só, a minha irmã Silvinha, o cunhado José, o sobrinho Alexandre, a sobrinha Cristina, seu marido, e seu tio João (que conheço há quase 40 anos), foi absolutamente inesquecível. Mostrar-lhes onde vivemos há quase 11 anos, inclusive os bares e restaurantes, as praias e as escolas, os rios e as matas – tudo isso teve um sabor de êxtase, de alegria sem medida. 



Talvez na melhor dessas cenas, o “filhote” Ian (de dezoito anos e quase de 1.90m de altura) jogava uma partida de um campeonato estadual de futebol na pitoresca região do Cabo Bacalhau (Cape Cod). Quase fim de jogo, sua equipe tem uma falta a cobrar bem distante do gol adversário. A torcida de nove brasileiros ou semi-brasileiros (os seis do Brasil e os três daqui, Ann, Zach e eu) pede em coro que Ian cobre a falta. Ele pede ao técnico. Positivo. A torcida, então, exige que ele chute direto ao gol. Ele gesticula ao técnico, que lhe dá permissão. Ian corre e bate de trivela (com os três dedões do pé direito). A bola sobe e vai descendo em curva vertical e horizontal. Sem chance, o goleiro cai abatido, e a bola entra no fundo da rede, depois de passar pelo ângulo superior do segundo poste. Uau! A galera, auxiliada por duas apaixonadas avós portuguesas, vai à loucura!

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