A foto nossa de cada dia
dborim@umassd.edu
Sou um apaixonado pela vida. Por isso mesmo, às vezes, mas muito de vez
em quando, estou de mal com ela. Porque a paixão implica em querer muito, e
mais, e muito mais, só que nada é eterno. O próprio amor pela vida precisa ser
sempre renovado, reenergizado e reinventado. A vida em si e o amor por ela
são, portanto, como o amor romântico.
Por ser um apaixonado pela vida, sou também apaixonado
por literatura, que leio, ensino ou escrevo; por música que ouço sozinho ou toco
para o mundo curtir pelo meu programa de rádio e internet; por cinema, que
assisto ou mostro a meus alunos; e pelos causos da vida real, que me contam e
reconto nas minhas crônicas e nos encontros pelos bares da vida. Esses hábitos
e interesses tornam minha vida mais intensa, mais musical, mais cheia de vida,
com seus dramas, euforias e mistérios.
Eu também gostaria de poder imaginar e recriar o
mundo nas telas, mas não sou pintor, e desenho muito mal — desenho
livre, quero dizer. Até que no desenho arquitetônico me dei relativamente bem.
Isso foi durante meu curso secundário de Edificações, em Belo Horizonte. Agora,
nos últimos três anos, e nos últimos três meses, em particular, cresceu em mim
uma velha fascinação por imagens. De repente tornei-me um fotógrafo amador, um
tipo de artista de câmera na mão ou no bolso, com olhar inapelavelmente curioso
e criativo para tudo e para todos. É um modo de amar a vida ainda mais, mais
amiúde e mais detalhadamente. Não quero dizer que estou exatamente obcecado com
as possibilidades de retratar o mundo através do meu diafragma eletrônico. Mas
quase! Sim, minha câmera japonesa Panasonic, uma Lumix DMC-ZS10 azul, é quase
que uma extensão dos meus olhos, com os quais compete. Tantas vezes é ela quem
vence: enxerga mais longe através de um ligeiro e poderoso jogo de lentes de
marca alemã, a Leica.
Antes de falar um pouco do que anda rolando no
mundo da fotografia na era da internet (e do Facebook, em particular), eu
queria voltar no tempo e recordar o amor de meu pai, Dário Borim, por retratos.
Ele produziu e nos deixou vários álbuns com os frutos de sua Rolleiflex, milagre
alemão de 1939 que revolucionou o mundo da fotografia. (E ela ainda é produzida
e muito ambicionada em plena era digital!)
Outra figura memorável é a do sr. Nunes Prado,
artista das lentes que registrou em filmes e em papel as vidas de tantas
gerações de Paraguaçu. Eu não tinha nascido quando (se, de fato) existiu algum
lambe-lambe em nossa terra, mas, um terceiro personagem da minha memória fotográfica
é a do Sr. Stanislaw Ostrowisk, aquele senhor que de vez em quando passeava
pela praça Oswaldo Costa tirando fotos pequeninas para vendê-las em forma de
monóculos de plástico. Quem sabe um dia desses ainda vou encontrar no fundo de
um baú o monóculo que o sr. Polonês fez de mim, numa pose de moleque
transvestido em roupa de domingo.
E por falar nelas, outro dia uma querida amiga de
infância, a Rosane Maria Prado Moraes, filha de Heitor e Maria Moraes, residente
em São Carlos há muitos anos, postou no FaceBook uma foto dos velhos tempos,
uma daquelas de monóculos. Ela e muitos amigos nossos estão empenhados em
escanear e postar milhares de antigas fotos de familiares e amigos. Antes de
aparecer o tal de FaceBook, a internet já facilitava, é claro, o hábito de
compartilhar fotografias, mas nos últimos dois anos essa prática se popularizou
enormemente. Isso é fascinante..
O deleite popular da fotografia não é coisa
recente, com certeza. Como muita gente por aí, lembro-me bem daquela Olympus
Trip 35, fantástica câmera de bolso japonesa que entre 1967 e 1984 superou a
venda de 10 milhões de unidades. Hoje existe um website exclusivamente dedicado às belas fotos tiradas por
jornalistas ingleses com essas pequenas e competentes câmeras. Naquela época, o
problema não era apenas ter dinheiro para comprar uma máquina. Era preciso ter
grana para revelar as fotos e, depois, pagar o correio, se quiséssemos
compartilhá-las. Ao morar nos Estados Unidos entre 1981 e 1982 tirei perto de
mil fotografias, mas meus pais e meus amigos não puderam ver nem 10% delas
antes de eu voltar.
Hoje, no mesmo minuto em que tiro uma foto posso postá-la
no FaceBook ou enviá-la para centenas de amigos que poderão vê-las antes mesmo desse
primeiro minuto se expirar. Tão gratificante quanto receber essas fotos é poder
comentá-las em público, atingindo centenas de amigos que por elas se interessarem.
Desse modo as fotografias mostram um mundo do presente ou do passado que ressuscita
múltiplas histórias oriundas de pessoas de diversas idades. Através delas, por
exemplo, não só fiquei sabendo, mas vi, que minha mãe (sim, d. Lucci Prado
Mendes Borim, hoje chegando à beira dos noventa anos) andava a cavalo na
juventude. Anna Campos e Silva, minha amiga no FaceBook, postou uma foto em que
sua mãe, d. Aparecida Prado, passeava com Lucci, além das suas amigas, tia
Vanda Borim Lappoli e d. Onésia Tavares, entre outras.
Esse é o poder das fotografias. É por causa dele
que eu, na era digital, já fiz minha Panasonic (a quem chamo de Azulinha)
trabalhar incessantemente desde que a recebi pelo correio 12 dias atrás. Já
foram mais de 800 cliques e não sei quantas emoções em mim e em centenas de
amigos. Mas isso é pouco. Hoje, com a chance de escanear e repassar verdadeiras
relíquias do passado, o show da vida ficou ainda mais memorável e apaixonante.
Fotos que até pouco tempo mofavam em álbuns abandonados, hoje são motivos de pasmo,
delírios, entre nossas próprias recordações e as fascinantes revelações que nos
fazem os amigos ao ver, lembrar e comentar as mesmas fotografias.
Vivemos num século XXI digno das melhores fantasias de ficção científica, e minha paixão pela vida se renova a cada olhar ao meu redor e na tela do meu computador. Acompanho as transformações da natureza, por exemplo, como quem nunca tivesse aprendido na escola que, embora o sol se levante e se ponha todos os dias, não há um único dia de bichos, cheiros, cores, formas, luz, plantas, nuvens, reflexos, sons, e sombras como os de outro dia. Assim foi e assim será. Amém!
Vivemos num século XXI digno das melhores fantasias de ficção científica, e minha paixão pela vida se renova a cada olhar ao meu redor e na tela do meu computador. Acompanho as transformações da natureza, por exemplo, como quem nunca tivesse aprendido na escola que, embora o sol se levante e se ponha todos os dias, não há um único dia de bichos, cheiros, cores, formas, luz, plantas, nuvens, reflexos, sons, e sombras como os de outro dia. Assim foi e assim será. Amém!