Amadas e odiadas tecnologias
Dário Borim Jr.
dborim@umassd.edu
A tecnologia de ponta e o que acaba de sair da fábrica como o "melhor", o "mais rápido" e o "mais sofisticado" modelo de um instrumento qualquer, como a última versão do I-Phone, têm uma força enorme sobre a maioria de nós. Queremos comprar, se pudermos, ou pelo menos ver, se tivermos a chance. Porém, não sou eu muito chegado nesses sonhos de consumo. Exemplo: rejeitei o uso do telefone celular pelo maior tempo que pude. Só mesmo quando ele me pareceu ser solução incomparável para casos de emergências envolvendo os filhos pequenos foi que decidi experimentá-lo, isso já no século XXI. Por muito tempo quase não o usei, mas o tinha comigo para algum "caso de emergência" que de fato veio a acontecer, e o tal telefone portátil foi de fundamental ajuda.
Minha atitude reservada diante do celular continua, pois ainda prefiro os modelos mais simples, e, por opção mesmo, evito usar o telefone para ler email ou para navegar na internet, embora o faça em "casos de urgência". É verdade, porém, que meu telefone LG me serve enormemente como GPS há alguns anos, desde quando o filhote mais velho, Ian, passou a jogar futebol em várias cidades e era preciso achar as escolas em tantos cantos diferentes deste estado, Massachusetts, e de mais outros três ou quatro. Confesso, agora, que com ou sem emergência, já não quero viver mais sem um telefone celular só meu. Aquilo já faz parte da vida de quase todos os seres humanos, e não vejo fim nisso não.
A tecnologia hoje está presente em quase todas as nossas atividades, sejam elas de trabalho ou de lazer. Ela desse modo nos traz prazeres e dores de cabeça, de muitas formas e em variados graus de contentamento ou severidade. Pelo meu laptop, por exemplo, conversei com Ian vendo-o ao vivo na minha tela, via Skype, quando trabalhava na Itália nas férias de verão. Algumas vezes assisto a uma partida de futebol do Atlético ou da seleção brasileira que nenhum dos 150 canais da minha televisão vai mostrar. Por 89 centavos eu compro uma canção que gostei de um disco que acabou de sair. Chega a mim instantaneamente e posso tocá-la no Brazilliance, meu programa de rádio e internet, minutos depois. O disco inteiro (gravado em CD) custa bem mais e talvez não me interesse por completo.
Agora vamos falar das dores de cabeça. Outro dia passei duas horas longe do meu escritório (e da internet) e me chegaram umas 25 mensagens eletrônicas, algumas com demandas que eram "para ontem", isto é, ninguém tem mais paciência para nada: querem tudo "de imediato", talvez porque mandamos e recebemos mensagens na velocidade um piscar de olhos. Outra coisa: vejo minha irmã Silvana ter que fazer tudo relacionado ao seu consultório de psicologia através da internet. Mas ela não é secretária e nem é muito chegada em eletrônica. Coitada — tem que se virar. Só falta mesmo ter que medir eletronicamente a eficácia do seu trabalho e dar satisfação técnica a um órgão burocrático da sua profissão.
Na minha profissão, a educação, velho é o namoro entre novas tecnologias e as ideias de como deve ser uma boa aula, como se dirigir uma escola, e como ser moderno e eficiente nas pesquisas. Isso vai longe no tempo, para além dos dias em que se usavam retroprojetores, projetores de slides, e tocadores de fitas cassetes. Era preciso usar tecnologia para se ter respeito dos administradores e dos colegas. Hoje em dia as projeções eletrônicas por power point e as aulas online são práticas comuns e as expectativas giram em torno delas, quase como que se fossem meios imprescindíveis no ensino.
Numa reunião que tive essa tarde um colega falava que estava à procura de um professor para ensinar um curso sobre literatura portuguesa no próximo verão. Estima que teremos uns seis ou sete alunos da nossa universidade frequentando o curso, que será dado numa novíssima e moderníssima sala de aula da biblioteca na Universidade de Massachusetts Dartmouth. Os alunos estariam participando das aulas ao mesmo tempo em que seis ou sete alunos da Malásia fariam o mesmo, uns vendo os outros por telões, e todos vendo o mesmo professor: em carne-e-osso de um lado do mundo, e em imagem projetada em telas eletrônicas, a 20 mil km de distância.
Foi com essa última conversa em mente e o mundo high-tech em geral, que fui participar de um evento na escola do filhote mais novo, Zach. Após uma breve auto-apresentação dos administradores da escola em um auditório lotado, fomos todos encaminhados para um rodízio de apresentações em dezenas de diferentes salas de aula. Em sessões de 10 minutos pude conhecer cada um dos professores do meu filho e reconhecer um pouco das suas filosofias de ensino. Nesses dez minutos eles nos falaram de seus cursos, atividades e expectativas, nos passando uma ideia do que é ser aluno deles.
Honestamente, não gostei de quase nada das minhas experiências numa escola secundária de Belo Horizonte, mas ontem à noite eu quis novamente ser aluno do segundo grau. Os três professores que mais me encantaram foram os de História Mundial, Negócios, e Comunicações. Em nenhum momento utilizaram tecnologia, exceto na projeção estática de um único slide com o qual a professora de história mostrava os tópicos do seu curso. Não estou dizendo que ela e demais professores não utilizarão tecnologia em sala de aula. Com certeza, vão. Mas o que aconteceu foi que, para mim, aqueles três professores conseguiram revelar uma forte doze de entusiasmo e sabedoria sem fios: puderam nos engajar em discussões com a habilidade de quem usa bem a palavra, de quem se ocupa da interação humana para o melhor de suas possibilidades: com sorrisos, olhos nos olhos, e postura bem humorada de quem faz o que faz porque ama o que faz. Isso tudo não tem preço e nem não tem concorrente no mundo da educação e no nosso cotidiano — ambos ao mesmo tempo facilitados e desvirtuados pelas amadas e odiadas tecnologias.