Profs. Perrone, Bianconi & Borim - Foto de Marcelo Bianconi |
A convite de Charles Perrone e Célia
Bianconi, os dois professores universitários com quem tenho trabalhado na
elaboração de um livro didático para alunos de português avançado (a sair em
2014 pela University Press of Florida), reflito aqui sobre a crônica nos dias
de hoje.
Vinte anos passados,
o mundo é consideravelmente outro, por conta da internet. A crônica não é exceção.
Na maioria dos casos ainda publicada em folhas de jornais, a crônica hoje
também chega a seus leitores por outros meios associados a internet.
A maioria dos jornais
e muitas revistas do país regularmente oferecem uma versão on-line das suas
publicações. Nas suas páginas virtuais a crônica mantém sua força, seu apelo
enquanto leitura favorita dos brasileiros: curta, leve, informativa, instigante,
e prazerosa. São vários os outros meios eletrônicos disponíveis para a
disseminação da crônica, é claro. Escritores mantêm seus próprios portais,
rotulados ou não de "oficiais." Seus escritos, porém, podem aparecer
emprestados (ou mesmo desautorizados) em outros blogs, assinados ou anônimos.
O que se percebe como
fundamental diferença entre essa prática contemporânea e a do passado anterior
aos anos 90 é a facilidade e a rapidez com que hoje em dia os leitores podem
ler as crônicas e publicar suas próprias opiniões e outras reações sobre elas.
O cronista então se vale desse precioso meio de comunicação direta e
potencialmente instantânea com os leitores, cujas origens podem ser discernidas
e apresentadas automaticamente, a um canto das páginas do blog, por aplicativos
eletrônicos gratuitos, como o Feedjit.
Como cronista, eu
também dissemino meus escritos por meios tradicionais (revistas e jornais
impressos), mas nada se compara ao imediatismo do contato com o leitor através
de meu blog, Ponteio Cultural.
Seguidores registrados de um blog podem receber emails anunciando cada nova
postagem. Já houve casos em que recebi comentários sobre uma dada crônica, como
"Uma Casa Assassinada," em menos de 10 minutos após tê-la concluído e
publicado. Era o tempo mínimo para a leitura do texto.
O alcance que a
literatura pode ter eletronicamente é de fato um dos aspectos mais marcantes
dessa nova era de comunicações. Ao pesquisar materiais para uma seção de
crônicas, do qual sou o atual editor para um periódico de referência publicado
pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, o Handbook of Latin American Studies, informei-me de que o blog
oficial do escritor gaúcho Fabrício Carpinejar já tinha recebido mais de um
milhão visitas até 2010. Outro exemplo de enorme sucesso com o público é o de
Martha Medeiros, cronista também gaúcha, colunista dos jornais Zero Hora, de Porto Alegre, e O Globo, do Rio de Janeiro.
Devido ao intenso e
fácil acesso a seus textos por meios eletrônicos, Medeiros já se tornou uma
autora best-seller e uma celebridade
nacional. Entre os temas favoritos tanto dela como de Carpinejar encontram-se a
sexualidade, o romance, e o divórcio, o que se de certo modo perfila uma nova
função da crônica, a ajuda pessoal, a preocupação com os efeitos da alienação,
individualismo e solidão da sociedade pós-moderna.
Outro cronista de
enorme sucesso junto ao público leitor brasileiro é Contardo Calligaris,
psicanalista italiano com fortes credenciais acadêmicas. Com maestria ele entrelaça,
por exemplo, um pequeno incidente do seu cotidiano relevante ao público
contemporâneo a certos fragmentos icônicos de seu passado. Na tela de uma mesma
crônica, que se publica semanalmente na Folha
de São Paulo impressa ou on-line, o autor com vasto background em antropologia médica insere comentários rápidos e
incisivos sobre um quadro, um filme ou uma peça teatral relacionados àquele
tema inspirado por um pequeno incidente do dia-a-dia.
Vale dizer que as
oportunidades de acesso à crônica via internet também ocorrem junto a sites de
vídeos e clipes sonoros, como o YouTube.
Ali, crônicas de Nelson Rodrigues, como "Mártir em Casa e na Rua,"
hoje têm versões cinemáticas. Postam-se leituras dramáticas na voz de um grande
ator (como Juca de Oliveira) de textos aclamados, como "O Padeiro,"
crônica do grande mestre Rubem Braga sendo reeditada no nosso livro.
De fato, dos anos 90 para cá observa-se um maior
interesse pela crônica enquanto texto didático e tema para estudos acadêmicos,
apesar de permanecerem vivos alguns resquícios do antigo preconceito que a
relegava a um status de gênero inferior. Enquanto que nesses anos a crônica
passou a ser utilizada com maior assiduidade nas escolas de ensino fundamental
e médio no Brasil, hoje cursos de pós-graduação a adotam como tema central. Têm
surgido nessas duas décadas muitas antologias, como a de Joaquim Ferreira dos
Santos, As Cem Melhores Crônicas
Brasileiras, e outras que oferecem os melhores textos de um mesmo autor,
como os do carioca Lima Barreto ou da cronista cearense Rachel de Queiroz.
A crônica enquanto texto curto e sem muitos rodeios
metafóricos ou estilísticos se enquadra muito bem nesse novo mundo regido pela
eletrônica, em geral, e pela internet, em particular. Em primeiro lugar penso
que as pessoas estão se tornando cada dia menos capazes de manter a
concentração por longos períodos de tempo, o que se faz necessário para o
prazer da leitura de um romance, por exemplo. Ademais, a comunicação
interpessoal através da mídia social, como o Facebook, é rápida e direta, de
contínuo e livre acesso ao que disse alguém que nem conhecemos. A crônica, por
ser breve e por aparecer na mídia eletrônica oferecendo espaço para a
conversação entre autor e leitor, exerce um poder de atração e de intimidade
jamais vivenciado entre essas partes.
Por último, recordemos que o imediatismo da circulação
de notícias e o envolvimento das pessoas em tempo real com o que se passa no
mundo as tornam mais inclinadas a ler uma forma de literatura não apenas
centrada na realidade, mas também calcada na contemporaneidade, simultaneidade
e transitoriedade de como se vive, se escreve e se lê. Se a crônica é a própria
vida como ela é, ela, a crônica, está viva e plugada a um dia-a-dia que a torna
mais forte, mais necessária, e mais susceptível a transformação.