James Cotton, figura lendária do blues, em Newport, Rhode Island
Mundo bipolar
Dário Borim
Jr.
Que esse mundaréu velho sem porteira é bipolar, todos sabem.
Não é preciso diploma de psiquiatra não. Mas que sua esquizofrenia às vezes
assusta, isso assusta sim. Vê se pode um negócio desses: minha amiga Rosa diz
que em Londres o bicho tá pegando… pegando fogo! O mercúrio subiu até os 35
graus. Parece que os 35 graus na terra do novo príncipe esquentam mais que os
35 no Guaipava.
Deve ser a umidade, o ar abafado da capital londrina – sei lá!
Aliás,
vocês sabiam que Guaipava
tem uma comunidade na rede social Orkut? Ela se anuncia assim: “Você esta [sic] nesse momento na única comunidade destinada
ao distrito de Guaipava em
Paraguaçu/MG.
Esta comunidade destina-se a todos q[ue] nasceram, moraram, passaram ou se sentem
envolvidos com essa verdadeira comunidade”. Depois da expansão avassaladora do FaceBook, esse tal de Orkut ainda existe? Não importa. Não vim aqui pra especular sobre a vida ou a morte de nenhuma
comunidade real ou virtual, mas, sim, comentar a esquizofrenia do planeta,
principalmente nesses tempos de verão, no Hemisfério Norte, e de inverno, no Hemisfério
Sul.
O negócio é o seguinte: vive-se agora, aqui onde estou, a
energia do sol, que traz tanta coisa boa para onde ele esquenta o baião. E por
falar em baião, já faço meu tributo à arte maior do Nordeste e envio meu abraço
especial para a família do fabuloso sanfoneiro, cantor e compositor José Domingos de Morais, a.k.a. Dominguinhos, que nasceu em Garanhuns,
na região agreste de Pernambuco. Aos 72 anos, Dominguinhos, o segundo Rei do Baião, faleceu hoje em São Paulo. Segundo ouvi da
sua própria voz essa noite na TV, ele fora eleito e declarado “sucessor” do
trono de Rei do Baião pelo próprio rei, Luiz Gonzaga. Nesta quinta-feira, o Brazilliance, meu programa de rádio e
internet, fará homenagem ao músico que influenciou a milhares e encantou a
milhões pessoas.
E é de
música mesmo que vou encher o balaio dessa crônica veronil. Mas antes tenho que
lembrar que enquanto o bicho pega em Londres, o frio fascina um monte de brasileiros
que nunca viram neve. Em mais de 60 cidades, só em Santa Catarina, viram a
coisa branca cair hoje. E o frio vem mesmo maltratando a muitos mais, do Rio
Grande do Sul a Goiás, estado normalmente tão quente, mas onde vai gear essa
noite.
Sim,
gente: vai gear em Goiás! Esse mundo está muito louco – ou sou eu que perdi a
estribeira do real? Então chegou o bendito frio civilizatório aos trópicos
tupiniquins? Curiosamente, é neste inverno que os brasileiros estão pondo as
manguinhas de fora e fazendo muita arruaça social e política, um inverno
marcado pela massiva adesão do cidadão comum ao protesto coletivo por causas mais
que justas, apesar de híper-caducas, tão antigas que se perdem de vista. Acorda,
gigante, muitos dizem! É também o inverno em que surgiu com enorme força
nefasta e destrutiva a categoria de “vândalo” – figura encapuçada e
aparentemente paga para destruir e aterrorizar. Mas chega de papo de política,
porque no momento quero enfatizar o efeito positivo do sol sobre a sociedade, o
calor que permite e convida as pessoas a fazer e acontecer, principalmente no
campo da música.
Vocês
devem saber ou imaginar que quando o inverno bravo assola as terras aqui mais
próximas ao polo norte, pouco acontece em termos de eventos grandiosos. Porém,
quando o sol começa a esquentar os ares em fins de maio, promovem-se, dia após
dia, concertos memoráveis e grandes festivais de inúmeros gêneros musicais.
Parece que toda a energia e todo o dindi ficam estocados no inverno para sair
dos casulos e dos cofres nesses meses de se suar bicas e se beber cerveja aos
baldes.
É fato que
neste verão já vi e ouvi tanta gente boa tocar e cantar a minha frente que às
vezes até me esqueço de um ou de outro nome. Para mim a sequência de
shows até agora (e ainda virão mais eventos, antes de acabar o oba-oba do calor
no Hemisfério Norte) já incluiu Ana Carolina, Joan Baez, Bob Dylan, Claudia
Smith, John Gorka, The Morning Jacket, Richard Thompson, Southside Johnny, e
James Cotton, além das dezenas de bandas e cantores solos folk oriundos da Austrália, Canadá, Inglaterra, Irlanda, Escócia e
Itália, músicos que estrelaram num belíssimo festival aqui mesmo, a 10 minutos
da casa onde moro, ao sul de Massachusetts, na Nova Inglaterra.
O
frenesi musical desta época do ano não é restrito a este país extremamente
musical, os Estados Unidos. Na Europa os espetáculos estão rolando a rodo, e
entre eles, imaginem, vem acontecendo os primeiros shows de uma banda de rock
do Sul de Minas, The Dogs and the Fields, com dois rapazes de Três Pontas (Gabriel
e Luis) nos teclados, guitarras e bateria, e também um paraguaçuense, no baixo,
Marco Antônio, neto de d. Walderez Prado Leite Mignacca.
Às vezes
penso no raro privilégio que é poder driblar a esquizofrenia do planeta e
passar dois verões num mesmo ano. Para mim, este ano tem sido assim. Por conta
de um semestre sabático, em que recebi vencimentos integrais para pesquisar,
mas sem precisar ministrar qualquer curso, o professor universitário que
escreve essas mal traçadas linhas pôde desfrutar do sol de dezembro, janeiro e
fevereiro ao sul do Equador, e agora se deleita sob o calor efêmero, mas real,
dessas praias do Hemisfério Norte. Porém, confesso: fico pensando nos
brasileiros e fico com pena de quem sofre por não estar habituado ao frio
intenso, frio que corta os lábios e os cantos dos dedos, e que, com a neve,
pode estragar o humor geral (seria essa a causa de tanto mau humor nos Estados
Unidos?). Também pode causar muitos transtornos e acidentes à gente a pé ou no
volante. À distância, estou solidário, ma só posso desejar aos brasileiros um
bom cobertor de orelha. Isso não trem preço, tanto ao sul como ao norte do
Equador.