Nem Deus Brasileiro, nem Papa Argentino
Dário
Borim Jr.
dborim@umassd.edu
Que memorável experiência foi a de assistir, in loco, a uma partida da Copa no novo Mineirão! Por si só, o contato com gente de muitos países a caminhar para o estádio, sob um belo e energizante sol belo-horizontino, foi uma oportunidade inesquecível. Lá dentro, a sensação era a de eu estar dentro de uma televisão transmitindo um match de uma liga europeia. No estádio mais tradicional das Minas Gerais, os astros de Costa Rica e Inglaterra jogavam diante de gente bricalhona, mas educada, e coloriam um universo já repleto de tons, sons, e movimentos coletivos, que às vezes acompanhavam as manifestações musicais de pilhéria sobre os ingleses, já desclassificados do torneio, ou sobre qualquer torcedor argentino que aparecesse vestido a caráter no telão. Em geral, a sensação era de júbilo ao ver que o Brasil conseguia, a trancos e barrancos, sediar uma Copa do Mundo. Hoje penso: a história da segunda Copa do Mundo no Brasil não foi, de modo algum, diferente do que eu esperava. Vejamos por quê.
Alguns anos atrás li o original em inglês de um livro que jamais esquecerei, Como o Futebol Explica o Mundo: Um Olhar Inesperado sobre a Globalização (Ed. Zahar). É de um escritor americano, Franklin Foer, editor da famosa e sofisticada revista New Republic. Trata-se de uma obra fascinante, resultado de uma interessantíssima pesquisa sociológica ao longo de dois anos. Há bastante humor: o autor confessa, desde a primeira linha da obra, que sempre foi um perneta e não entende nada de futebol. Cada capítulo é dedicado à maneira como o futebol pode ser um bom meio para se entender aspectos importantes de um dado país.
Ao discutir tal questão em relação ao Irã, por exemplo, Foer aponta o aspecto revolucionário do futebol. Numa cultura onde vigoram normas muito rígidas sobre o que as mulheres podem ou não podem fazer, o esporte é símbolo e faz parte de um movimento revolucionário. Certa vez, centenas de mulheres, até então impedidas de ver partidas de futebol, marcharam rumo a um estádio em Teerã, arrombaram as portas e presenciaram um jogo de classificação de seu país para a Copa do Mundo.
No capítulo dedicado à Espanha, discute-se a particular rivalidade entre as identidades coletivas e as ideologias políticas que orientam os torcedores do Real Madrid e do Barcelona. O intenso e complexo tipo de nacionalismo emergente entre os torcedores catalãs em oposição ao de castelhanos torna essa seção do livro uma das mais ricas e intrigantes. No capítulo sobre o Brasil, revela-se uma longa e frustrante história de corrupção dentro dos clubes brasileiros e da Confederação Brasileira de Futebol.
Em parte, a Copa do Mundo de 2014 confirmou a tese daquele capítulo sobre o Brasil. Pudemos ler e ver casos de suspeitas ou fatos verídicos de superfaturamento de obras realizadas para a Copa. Além desse triste e vergonhoso elemento inegável da história, eu gostaria de mencionar o reflexo de outras características de nosso povo, algumas dos quais me deram imensa alegria e orgulho; outras, pelo contrário.
Em primeiro lugar, aponto a excelente hospitalidade e extrema generosidade com que os estrangeiros foram recebidos no nosso país, fato destacado em várias pesquisas realizadas entre eles. Depois, o genuíno fervor e a contagiosa paixão do brasileiro pelo esporte: lotando os estádios, assistindo, torcendo e discutindo cada partida da Copa como se todos os jogos fossem da seleção brasileira. Ao longo de um mês, familiares e amigos se reuniram dezenas de vezes para comer e beber e dançar e cantar em clima de total harmonia, descontração e bom humor, tudo por conta do seu próprio jeito de ser e dos jogos cheios de gols e improváveis resultados, como a eliminação precoce de quatro gigantes do futebol: Espanha, Inglaterra, Itália e Uruguai.
Outros componentes da mesma história foram as festas e apresentações musicais organizadas nas cidades-sedes. Apesar dos raros excessos e ocasional mau comportamento, como os de alguns argentinos, o clima cordial e alegre nesses locais, como os da praça da Savassi, em Belo Horizonte, já faz parte indelével da história da cidade, a mesma que viu a equipe norte-americana vencer a inglesa na nossa primeira Copa do Mundo, a de 1950.
Ainda outras características marcantes do povo brasileiro em evidência nesta Copa do Mundo foram a tendência ao atraso e a negligência no cumprimento das obrigações, problemas que provavelmente estariam por trás dos tristes acidentes e mortes de operários na construção de alguns estádios, como também na lamentável e embaraçosa queda de um viaduto em Belo Horizonte.
Nossa bela Belo Horizonte também ficou gravada como palco do maior fiasco da história do futebol brasileiro, a notória derrota dos 7 a 1 na semifinal contra a Alemanha. O papel de Neymar naquela equipe me faz pensar na dependência de um salvador, ou na força nefasta da hierarquização da nossa nação, na nossa história de monarquia, por exemplo, onde o Rei atuou como pivô paternalista da sociedade, ou mesmo no nosso ditador “bonzinho,” Getúlio Vargas, o Pai dos Pobres. Vi também o sentimentalismo do nosso povo retratado no choro dos jogadores ao cantar o Hino Nacional. Vi a falta de preparo estratégico e tático da equipe, certamente confiante na sua capacidade de improvisar e achar um jeitinho para lidar com o imprevisto e para enfrentar as adversidades.
Grave adversidade chegou. Neymar machucou-se gravemente. Uma equipe sem esquema tático e viciada na improvisação de um jogador que, segundo o técnico, podia jogar como um coringa no campo, sem eira e nem beira, até começou bem a partida contra os alemães. Porém, ela logo se desmoronou, entrando e pânico após o segundo gol de uma seleção que fizera o oposto a nós, ao se preparar meticulosamente para vencer a Copa.
Bem, reservo para o final desta crônica o melhor da história: o fabuloso senso de humor dos brasileiros! Tiro o chapéu: rimos de nossa ruína, elaboramos centenas de piadas sobre nosso desatino em campo, e a vida ficou um pouquinho mais alegre, ainda, em plena Copa que perdemos, ao vermos os “hermanos” voltarem pra casa sem o Caneco.
Minhas piadas favoritas foram a partir de imagens do Cristo Redentor. Numa delas a estátua sobe aos céus feito um foguete, e ele grita do alto do Corcovado: “Tô caindo fora desse país.” Se, apesar das milhares de rezas, dessa vez Deus mostrou que não é brasileiro, o Papa mostrou que nem ele pôde ajudar os seus “hermanos.”
Também sou solidário. Além da nossa tragédia em campo, para mim foi deprimente ver Messi receber o taça de Melhor Jogador da Copa sem um sorriso sequer. Ele é bom sujeito, dizem, mas aquilo deve ter-lhe parecido como um Troféu Abacaxi. Ele queria era outra coisa. Nós também. Daqui a quatro anos tem mais. Rezemos mais, mas trabalhemos, a sério e muito mais, para de novo ganhar a Copa!
8 comentários:
oi dario,
espero q tenha curtido a festinha do summer program.
li a sua cronica. sim, politicamente criticou um pouquinho pelo menos… :o) interessante o paralelo do futebol e o pais. lembro q qdo entrevistei o arthur dapieve, ele disse q contva a idade pelo numero decopas. no meu caso, tenho 9.5 copas. uau! to ficando velhinha…
DARINHO, ADOREI SUA CRÕNICA, EXCELENTE !!!
Muito bom, Dario! Parabens!
"To caindo fora desse pais". Adorei, amigo Dario! Um abraco
muito bom, Darinho!
Dário querido,
Tentando driblar uns probleminhas de última hora, acabei por não comentar sua crônica sobre a Copa. Gostei muito. Estava em trânsito, voltando de Portugal, quando o jogo dos 7 a 1 aconteceu. A verdade é que, desde o jogo inaugural em São Paulo vi que nosso time estava terrível e, como você bem expressou, contando com a sorte, o jeitinho, a improvisação e tudo o mais que já sabemos. Quem assistiu aos jogos foi a Rosa, que resolveu ser fã de futebol! Eu
só vi o primeiro jogo, só para não magoá-la. Ando tão impaciente com a canalhada brasileira que só de pensar nas articulações que se fizeram para a realização dessa Copa no Brasil e ainda se fariam, não estava com qualquer intenção de assistir a nada.
Ao fim, acabei por assistir à final justamente para ver o que seria dos "hermanos" frente aos treinadíssimos germanos. Pareceu-me um jogo duro, difícil e, sobretudo, frustrante. Não sei se teria gostado que os argentinos tivessem ganhado. O que não gostei foi a chacota que fizeram os teutônicos back home. Contudo, como esportistas, em geral, têm mais músculos que miolo, se houvesse sido o contrário, os "hermanos" não teriam sido mais diplomáticos. Coisas de futebol.
Lendo sua crônica, o que me alegra, em tudo, é seu - do autor - frescor. Você continua um homem apaixonado pela vida, do jeito que o conheci nos idos anos do Roberto, lá em Minnesota. Esse empolgamento diante do que a vida oferece-nos no dia a dia, registrados em suas crônicas, faz-nos muito bem. Sua alegria ultrapassa a página, ou a tela, e vem ter conosco, tornando nosso dia muito mais saboroso.
(Um jornalista do Washington Post, Dom Phillips, que acompanhou a Copa, e resolveu entrevistar-me (!) fez-me várias perguntas. No fim, diante de tanto pessimismo de minha parte, publicou o único comentário "mais otimista", porém um tanto irônico - não sei se ele notou isso, para manter o tom do seu artigo: http://m.washingtonpost.com/sports/dcunited/world-cup-2014-protests-in-brazil-fade-to-background/2014/06/27/9d2dce1e-fbdf-11e3-b1f4-8e77c632c07b_story.html )
Um forte abraço do seu irmão,
Rodolfo
Ei irmão, sabia que você não iria "só assistir" o futebol, iria ver mais, com profundidade, sensibilidade e humor a "peleja", sem falar no corção ardente! Somente hoje pude abrir e ver a crônica. Gostei de ler! Bjo Nina
Bacana, mano! Super interessante e bem escrito. Parabéns!
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