Ensaios e crônicas em português ou inglês sobre artes, literatura, viagens, e o cotidiano na Nova Inglaterra. // Personal essays and crônicas in Portuguese or English about art, literature, travel & day-to-day in New England.
sábado, 24 de outubro de 2015
Pra Frente, Sempre!
sexta-feira, 3 de julho de 2015
O Pé de Cabra em Marrakech
Dário Borim Jr.
Dizem que a maior ponte do mundo
é a que liga Fall River ao arquipélago português dos Açores, a tal de Ponte
Braga. Moro nas redondezas e por isso entendo a brincadeira. São tantos os
portugueses na costa sul de Massachusetts que essa ponte afetiva com a terra da
infância ou da ascendência familiar é mesmo fácil de se imaginar.
Bem, pelos Açores passei
rapidinho na rota que me trouxe a Casablanca, a mais rica cidade marroquina,
também às margens do Atlântico, como Fall River e a ilha Terceira, onde troquei
de aeronave e pude vislumbrar um pedaço do mar a um ponto muito distante de
qualquer continente. A sensação desde que cheguei ao norte da África é a de que
o mundo não passa mesmo de uma kitchenette, nas palavras de minha amiga Elizah
Rodrigues. Ainda no aeroporto de Boston tive a primeira experiência das muitas
coisas que nos unem, isto é, um certo gosto pela desordem, ou uma dose de
desprezo pela ordem, como queiram.
O embarque daquele voo
Boston-Terceira foi, digamos, um cômico caos! As pessoas se aglomeravam sem
esperar o seu devido momento de embarque. Fila era uma passageira ausente. Em
seu lugar, berros de brincadeira ou de frustração. Até mesma a agente da
aerolínea SATA, dos Acores, ria-se do comportamento geral dos passegeiros.
Disse-me assim: "ninguém sabe ler o número do assento no cartão de
embarque".
Ao chegar a Lisboa,
minha segunda troca de aviões, tive que lidar com o inconveniente cancelamento
de meu voo para Marrocos. Recebi uma notificação da vendedora da minha passagem
na noite anterior ao meu voo. Bem tarde, sim, mas a agente da aerolínea
portuguesa de meu próximo voo, a TAP, retrucou: "Sentimos muito, mas
avisamos a agência de viagens americana três semanas atrás". Sem outro voo
para Casablanca no mesmo dia, tive que pernoitar em Lisboa. Ainda bem que o
Tejo é tão lindo e os peixes, como diz uma canção do grupo Deolinda, não param
de sorrir. Deixei a chateação de lado e curti a noite lisboeta de uma nova
perspectiva, aquela de uma região moderna da cidade, onde nunca estivera, bem
perto da impressionante estação de metrô Oriente.
Em Casablanca, um abraço
apertado e emotivo de meu filho Ian me recebeu! Logo depois das nossas
primeiras conversas, passou-me uma advertência: "cuidado ao embarcar no
trem". As pessoas que aguardam não tem paciência nem educação para deixar
os que chegam sairem do comboio antes dos novos viajantes embarcarem. A
consequência é um perigoso caos. Dessa vez, nenhum acidente parece ter
ocorrido, e seguimos felizes rumo ao centro de Casablanca, uma espécie de São
Paulo de um país que tem a bela Rabat como sua "Brasília" política e
burocrática.
Logo ao desembarcarmos
do trem, recebo nova advertência: "cuidado, porque os motoristas
geralmente não respeitam nem os sinais, nem os pedestres". É claro que
esse comportamento ao volante não nos é estranho, a mim que morei 15 anos em
Belo Horizonte, quando lá havia muito menos respeito no trânsito do que há
hoje, ou ao meu filho, quem no ano passado se adaptou bem ao trânsito mais
caótico que já conheci na vida, o da cidade do Cairo, a poerenta capital
egípcia.
Em poucas horas os
sabores da comida marroquina e o charme da arquitetura colonial francesa de
Casablanca me fariam esquecer a desordem do trânsito. Primeiro, Ian me convidou
para um ensopado com carne de camelo. Delicioso! Depois me mostrou os prédios
brancos do centro colonial. A seguir fomos a um pub bem europeu, o Bar du
Titan, onde se tocavam belas canções de Edith Piaf. Uma cervejinha marroquina,
uma Flag bem gelada, desceu bem, mas logo Ian descobriu on-line um concerto de
rock marroquino na beira da praia, numa casa de shows alternativos chamada
Brock.
A banda Hoba Hoba Spirit
fez um sucesso tremendo naquela noite. Lotada de quase 20 homens para cada
mulher, Ian e eu nos sentimos em casa. Os presentes dançavam e cantavam juntos
numa harmonia e alegria que poucas vezes presenciei em eventos musicais
realizados no anonimato das grandes cidades. A simpatia dos músicos era tanta
que varias vezes os vocalistas aceitaram filmar, do palco onde se apresentavam,
a dança e o canto do público que os assistia, através dos smart phones que os
entusiasmados fãs lhes passavam.
Algumas novidades
"étnicas" eu teria que perceber, afinal estava (e ainda estou) em um
país muçulmano ao norte da África. Por exemplo, num ambiente roqueiro como
aquele, não vi ninguém beijar ninguém na boca. Muito menos qualquer
"atrevimento" maior. Ian – agora assentado aqui do lado – me diz que
uns beijinhos na boca bem rápidos e discretos são tolerados. Disse que deu uns
desses lá mesmo. Os vigias fazem vista grossa, talvez. Mas "malhar"
ou "ficar", nem pensar.
Beijinhos no rosto como
forma de cumprimento rolam entre pessoas do mesmo sexo ou do sexo oposto. Como
no Egito, ali vi muitos homens de braços dados com outros homens, sem qualquer
indício de que fossem necessariamente gays. Mulheres com mulheres, também. Bela
e pura liberdade de expressão de carinho, acho eu.
A noite traria surpresa
muito maior para mim. E também para meu filho. Meio tarde da noite, talvez
pelas duas da manhã, apanhamos um táxi . O motorista, logo que saímos,
perguntou em árabe marroquino se havíamos bebido. Ian respondeu em tom neutro
mas em palavras que provavelmente soaram ríspidas para o motorista muçulmano:
"sim, mas isso não é da sua conta". Erro estratégico de quem é sincero.
Aos berros, o homem começou a pregar. Dizia que depois de certa hora era ilegal
transportar bêbados, mulheres grávidas e não sei mais o quê.
Ian disse que
desconhecia tal lei e que queríamos descer do taxi. O marroquino não parou o
carro, mesmo quando Ian abriu a porta e lhe entregou algum dinheiro. O
motorista mudou de tom quando soube que éramos brasileiros. Começou a falar de
futebol, e os nomes de Neymar, Roberto Carlos, Pelé e Ronaldinho ajudaram a
suavizar o clima.
Mas a tensão voltou a
subir quando chegamos ao destino e o taxista cobrou quase o dobro do que era de
se esperar. Ian não deixou passar. Contestou a conta. O marroquino se enfureceu
novamente, até que com raiva saiu do carro e disse que não cobraria nada de
nós. Ian mesmo assim deixou moedas no banco do carro, que, segundo me disse,
provavelmente cobririam o valor do taxímetro, nunca ligado pelo esquentado
marroquino.
Os vários países desse
mundo afora têm de fato muito em comum, mas basta estar vivo para se vivenciar
o ultra-caótico ou o plenamente inusitado, aqui ou ali. E se pudermos viajar,
muito maior será a chance de encontrarmos o que parece absurdo entre humanos
fanáticos, ou simplesmente contraditórios, como um sujeito a pedir esmolas e ao
mesmo tempo falar ao celular. Até mesmo os animais podem nos chocar. Extremamente
disciplinadas, por exemplo, quinze cabras fazem um espetáculo ao ar livre entre
as cidades de Essaouira e Marrakech. Ficam horas e horas trepadas numa árvore,
comendo castanhas e quase sorrindo para os turistas que, ao vê-las da rodovia entre
folhas e galhos, a nove metros de altura, descem dos carros para apreciar de
perto aquela imagem surreal. Na verdade, surreal é apenas a nossa impressão de
inocentes turistas. Aquela cena faz parte de uma sofisticada e delicada estratégia
de produção industrial de uma espécie de azeite, que vem do fruto comido e
depois evacuado por aquelas alegres cabras, acreditem se quiserem.
sábado, 7 de março de 2015
Entre a Pera e a Maçã
segunda-feira, 26 de janeiro de 2015
O Olhar de Quem Voltou
Dário Borim Jr.
Em certa fase da vida até pensei em ser psicólogo, mas mesmo antes disso – e, claro, antes de deixar disso – eu já lia alguma coisa ou outra dos grandes nomes desse maravilhoso campo do saber. O suíço Carl Gustav Jung, discípulo favorito de Sigmund Freud, ficou famoso com sua teoria de arquétipos. Esse termo vem de duas palavras gregas: archein (original, antigo) e typos (modelo, tipo). Para Jung, o ser humano age dentro do esquema de adaptação constante da sua consciência a esses arquétipos, facetas de um inconsciente coletivo que a humanidade traz desde milhares de anos atrás, desde seu passado mais remoto.
Bem, chega de ciência. O fato é que para Jung um desses arquétipos
é nossa ligação muito forte com a terra onde nascemos. Para mim e outras
milhares de pessoas, essa terra é Paraguaçu, para onde volto sempre que posso,
apesar de morar no exterior há 25 anos, o que significa quase a metade de minha
vida. Não sou o único paraguaçuense expatriado, é claro, e gostaria de saber o
que pensam os demais, mas sei que pelo menos três, seres também expatriados há
mais de 20 anos, já expressaram algo parecido ao que hoje tenho a dizer. São
Maristela Dunn, que mora e sempre roleta de bicicleta na Califórnia
(portanto, a pouco mais de 5 mil km de mim, que moro em Massachusetts), Rosa
Mignacca (uma talentosa artista morando em Londres há décadas), e Tânia Marques
(uma bela representante romana da Terra do Marolo na Terra do Macarrão). O que
acontece é que sempre que voltamos a Paraguaçu, ficamos bobos ao ver tanta
beleza natural na nossa região, o que muita gente nem percebe porque a vê todos
os dias, mas sem realmente conseguir ver como a vê quem volta à terra, quem não
mais está acostumado às tais belezas.
É claro que pode parecer exagero esse entusiasmo de paraguaçuense
do estrangeiro. Pode até parecer piada. Aliás, pode virar piada. Num de meus
passeios pela nossa região, não faltou quem fizesse pilhéria do deslumbramento
dos ilustres visitantes de além-mar ali dentro do carro, isto é, o queixo caído
dos expatriados temporariamente retornados. A gozação veio de um nativo, Adélio
Mignacca Filho, irmão de Rosa e de Juliano Leite Mignacca, um “paraguaçuense
ausente” residindo em São Paulo há muitos anos.
“Ah, Darinho, você com essa câmera que não para de clicar, e essa
minha irmã que não para de ‘gemer’ aqui do lado… que esse verde ali é lindo
demais, que aquela árvore lá é simplesmente fascinante. Qual é? Daqui a pouco
vocês vão começar a tirar fotos de estrume de vaca e postar no FaceBook. Tô
cansado de ver isso gente. Bobeira!”
No carro, não vi o semblante do Rodrigo Morais Leite, primo desses
irmãos com quem eu revisitava o distrito de Guaipava depois de pelo menos 45
anos, mas imagino que ele, mesmo não sendo um expatriado, é um urbanóide, como
Juliano, que também achava aquilo tudo maravilhoso.
O visual que juntos curtimos naquele passeio foi de fato
fantástico. Quem duvidar é só procurar meus albunzinhos de fotografias no
FaceBook. No fundo, o próprio Adelinho se contagiou pelo entusiasmo de quem se
encantava com as curvas harmoniosas de tantas colinas que se desdobravam em
enorme área visível a cada subida da estrada de terra batida, linda, soberana,
por onde passávamos. Por ali nos víamos embasbacados diante da variedade de
tons verdes do pasto, do café, do milho, da banana, do bambu e do feijão, entre
muitos outros. Variedade dos tons de azul, branco e cinza do céu, que ameaçava
fazer chover. Variedade do marrom-pastel das casas de tijolos expostos, dos
cupins, ou das fornalhas de carvão vegetal.
Na verdade, minha mais recente viagem a Paraguaçu nessa última
passagem de ano me trouxe o maior prazer que já tive até hoje em termos de
redescoberta das belezas de nossa região -- da própria cidade e de suas
vizinhanças, como o distrito do Pontalete. É uma vergonha, mas acredito que eu
não tivesse ido, uma vez sequer, ali ao outro lado da represa de Furnas, desde
que ela fora criada. Mas em duas semanas para o Pontalete eu me dirigi nada
menos que três vezes – e que posso dizer? O caminho, que tem na sua rota o
excepcional Restaurante do Diógenes, com sua vasta vista de 250 graus da
região, é simplesmente imperdível, incomparável e inesquecível.
De fato, o trajeto agora é um tanto exótico, quase surreal, por conta
da seca que não apenas fez ressurgir duas pontes que ficaram submersas ao longo
de meio século, como também as tornou novamente úteis e necessárias para se passar sobre
os rios Sapucaí e Verde, os leitos que formaram a desaparecida represa. Muitos
foram meus passeios a pé pela cidade e arredores, pelas suas estradas de terra
vermelha ou marrom, pela paisagem cartão postal deslumbrante para nenhum
europeu, hispano-americano, norte-americano, asiático ou africano menosprezar.
Para mim, fica, então, a lição: não deixemos de desfrutar do local onde
vivemos, ou nascemos! E viva o arquétipo jungiano, porque de amor e consciência
do que é de fato belo, não deixemos de ver nossa terra na sua maior aura de
luz, cor e formosura.
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