Dário Borim Jr.
Em certa fase da vida até pensei em ser psicólogo, mas mesmo antes disso – e, claro, antes de deixar disso – eu já lia alguma coisa ou outra dos grandes nomes desse maravilhoso campo do saber. O suíço Carl Gustav Jung, discípulo favorito de Sigmund Freud, ficou famoso com sua teoria de arquétipos. Esse termo vem de duas palavras gregas: archein (original, antigo) e typos (modelo, tipo). Para Jung, o ser humano age dentro do esquema de adaptação constante da sua consciência a esses arquétipos, facetas de um inconsciente coletivo que a humanidade traz desde milhares de anos atrás, desde seu passado mais remoto.
Bem, chega de ciência. O fato é que para Jung um desses arquétipos
é nossa ligação muito forte com a terra onde nascemos. Para mim e outras
milhares de pessoas, essa terra é Paraguaçu, para onde volto sempre que posso,
apesar de morar no exterior há 25 anos, o que significa quase a metade de minha
vida. Não sou o único paraguaçuense expatriado, é claro, e gostaria de saber o
que pensam os demais, mas sei que pelo menos três, seres também expatriados há
mais de 20 anos, já expressaram algo parecido ao que hoje tenho a dizer. São
Maristela Dunn, que mora e sempre roleta de bicicleta na Califórnia
(portanto, a pouco mais de 5 mil km de mim, que moro em Massachusetts), Rosa
Mignacca (uma talentosa artista morando em Londres há décadas), e Tânia Marques
(uma bela representante romana da Terra do Marolo na Terra do Macarrão). O que
acontece é que sempre que voltamos a Paraguaçu, ficamos bobos ao ver tanta
beleza natural na nossa região, o que muita gente nem percebe porque a vê todos
os dias, mas sem realmente conseguir ver como a vê quem volta à terra, quem não
mais está acostumado às tais belezas.
É claro que pode parecer exagero esse entusiasmo de paraguaçuense
do estrangeiro. Pode até parecer piada. Aliás, pode virar piada. Num de meus
passeios pela nossa região, não faltou quem fizesse pilhéria do deslumbramento
dos ilustres visitantes de além-mar ali dentro do carro, isto é, o queixo caído
dos expatriados temporariamente retornados. A gozação veio de um nativo, Adélio
Mignacca Filho, irmão de Rosa e de Juliano Leite Mignacca, um “paraguaçuense
ausente” residindo em São Paulo há muitos anos.
“Ah, Darinho, você com essa câmera que não para de clicar, e essa
minha irmã que não para de ‘gemer’ aqui do lado… que esse verde ali é lindo
demais, que aquela árvore lá é simplesmente fascinante. Qual é? Daqui a pouco
vocês vão começar a tirar fotos de estrume de vaca e postar no FaceBook. Tô
cansado de ver isso gente. Bobeira!”
No carro, não vi o semblante do Rodrigo Morais Leite, primo desses
irmãos com quem eu revisitava o distrito de Guaipava depois de pelo menos 45
anos, mas imagino que ele, mesmo não sendo um expatriado, é um urbanóide, como
Juliano, que também achava aquilo tudo maravilhoso.
O visual que juntos curtimos naquele passeio foi de fato
fantástico. Quem duvidar é só procurar meus albunzinhos de fotografias no
FaceBook. No fundo, o próprio Adelinho se contagiou pelo entusiasmo de quem se
encantava com as curvas harmoniosas de tantas colinas que se desdobravam em
enorme área visível a cada subida da estrada de terra batida, linda, soberana,
por onde passávamos. Por ali nos víamos embasbacados diante da variedade de
tons verdes do pasto, do café, do milho, da banana, do bambu e do feijão, entre
muitos outros. Variedade dos tons de azul, branco e cinza do céu, que ameaçava
fazer chover. Variedade do marrom-pastel das casas de tijolos expostos, dos
cupins, ou das fornalhas de carvão vegetal.
Na verdade, minha mais recente viagem a Paraguaçu nessa última
passagem de ano me trouxe o maior prazer que já tive até hoje em termos de
redescoberta das belezas de nossa região -- da própria cidade e de suas
vizinhanças, como o distrito do Pontalete. É uma vergonha, mas acredito que eu
não tivesse ido, uma vez sequer, ali ao outro lado da represa de Furnas, desde
que ela fora criada. Mas em duas semanas para o Pontalete eu me dirigi nada
menos que três vezes – e que posso dizer? O caminho, que tem na sua rota o
excepcional Restaurante do Diógenes, com sua vasta vista de 250 graus da
região, é simplesmente imperdível, incomparável e inesquecível.
De fato, o trajeto agora é um tanto exótico, quase surreal, por conta
da seca que não apenas fez ressurgir duas pontes que ficaram submersas ao longo
de meio século, como também as tornou novamente úteis e necessárias para se passar sobre
os rios Sapucaí e Verde, os leitos que formaram a desaparecida represa. Muitos
foram meus passeios a pé pela cidade e arredores, pelas suas estradas de terra
vermelha ou marrom, pela paisagem cartão postal deslumbrante para nenhum
europeu, hispano-americano, norte-americano, asiático ou africano menosprezar.
Para mim, fica, então, a lição: não deixemos de desfrutar do local onde
vivemos, ou nascemos! E viva o arquétipo jungiano, porque de amor e consciência
do que é de fato belo, não deixemos de ver nossa terra na sua maior aura de
luz, cor e formosura.