sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Ai, Jesus! (Uma crônica-sacrilégio)


Ai, Jesus!
(Uma crônica-sacrilégio)


A imagem icônica e majestosa de Jesus Cristo o Redentor de braços abertos sobre a Baía da Guanabara anoiteceu vestindo um uniforme rubro-negro, menos de uma semana atrás. O reconhecimento celestial de uma glória assaz mundana não foi por acaso. Por conta do que de mágico anda acontecendo em campos de futebol do Brasil e Peru, aqui vai um “causo” sobre a questão, como dizemos em Minas. É uma piada da vida real que nasceu inspirada pelo que ouvi ontem de um amigo português, o Francis Mendes. Ele deve ser parente em algum braço da minha multiétnica árvore genealógica! Seria ele um descendente de novos-cristãos? Quem sabe um ex-judeu, supostamente como nós mesmos, netos do saudoso Adolpho Mendes?
O Francis me disse que um canal de TV de Portugal estava colhendo alguns louros nacionalistas por conta do gigantesco sucesso do técnico lusitano Jorge Jesus, do Flamengo, equipe de futebol do Rio de Janeiro. O Mengo, apelido carinhoso do time considerado o mais popular do Brasil, conseguiu a incrível e histórica façanha de obter dois títulos extremamente prestigiosos em menos de 24 horas: campeão da Taça Libertadores da América e da Série A do Campeonato Brasileiro. A primeira conquista foi sacralizada em partida realizada em Lima, Peru, onde seu artilheiro GabiGol marcou duas vezes em dois minutos de prorrogação, virando o placar do jogo quando as esperanças flamenguistas sumiam morro abaixo. Meu amigo Francis até perdeu a fé em Jesus e desligou a TV antes do apito final. Não pôde, pois, vislumbrar o milagre em tempo real. Disse-me que Jesus era meio pé-frio; já perdera muitas decisões de campeonato pela carreira afora. A segunda apoteose aconteceu pela matemática dos pontos corridos do dito Brasileirão, certamente a liga de futebol mais disputada do mundo, por conta de seu elevado número de participantes com reais chances de terminar a competição em primeiro lugar: mais motivo para o êxtase rubro-negro!
Não é pecado, acho, dizer que o Jesus português é hoje venerado ao sul do equador. Disse o próprio outro dia que ainda vai virar “uma lenda na história do futebol canarinho”. Ele é a quem os torcedores cariocas chamam de Mister – será que é porque o homem é um raro estrangeiro no comando de equipes futebolísticas brasileiras, e por isso, um tipo “gringo”? Como se revela pelo seu sotaque, às vezes difícil para o brasileiro entender (tanto que de vez em quando as emissoras brasileiras usam legendas para ajudar os tupiniquins), Jesus é com certeza lá de além-mar, da terra dos nossos patrícios. Curiosamente ele até foi técnico, por muito tempo, do “Flamengo” de Portugal, o clube de maior número de “adeptos”, o também apaixonadamente vermelho Benfica.
Muito bem: vamos ao causo, o mote dessa falsa crônica-sacrilégio. Uma emissora de TV portuguesa, disse-me Francis, estava transmitindo a festa histórica e homérica, com muito samba e muita cachaça, que ocorria em plena segunda-feira nas praças e avenidas do centro do Rio de Janeiro. Milhões, sim, milhões, de flamenguistas homenageavam os jogadores e a comissão técnica da equipe campeã. Todos se viam, de repente, simplesmente no céu. Aí um repórter lusitano se aproximou para entrevistar um torcedor muito exaltado, provavelmente já meio bêbado, como outros milhares de torcedores. Perguntou-lhe:
“Então, pois, que achas do Jesus?”
O carioca não pensou duas vezes:
“O Jesus? Jesus é FODA”!
Imaginem aquela situação, uma chula, mas falsa, blasfêmia de tal ordem – em transmissão ao vivo para todo o país Ibérico! Coisa do carioca, ou coisa do futebol, diria o Nelson Rodrigues!
Mesmo muitos mineiros da gema, como eu, também puderam sentir um gostinho da vitória em Lima. Afinal de contas, a partida que decidiu o título foi contra o River Plate, da Argentina. Então, como os portugueses, eu também tiro aqui uma casquinha de orgulho nacionalista, já que é extradoce e, muitas vezes, comovente vencer os rivais portenhos no futebol. A richa é velha, mas não se esvai com o tempo. É como vinho: só melhora!
Naquela hora do jogo de “sapassado”, em bom mineirês, estávamos todos unidos na justa e gloriosa missão de superar, em terras peruanas, os nossos “hermanos”, como carinhosa e ironicamente chamamos os argentinos. Aliás, juntos estaremos outra vez, mineiros e flamenguistas, logo em dezembro, quando o Flamengo, de Mister Jesus, o Foda, poderá vencer a equipe inglesa do Liverpool, em Qatar. Quem sabe o clube carioca será, com alguma ajuda divina, o Campeão Mundial de Interclubes de 2019? De fato, lá em Minas há muitos flamenguistas, uns até bem chatos, de tão fanáticos. Tem problema não. Lá em Minas tem de tudo. Só não tem mar. Mas pra quê mar – ai, Jesus – se temos tantas e tão belas montanhas que acariciam os olhos e refrescam ainda mais a alma da gente?


Um comentário:

rose marinho prado disse...

Por que saiu do facebook? Faz falta lá.

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