segunda-feira, 6 de julho de 2020

Podres e Poderes em Tempos de Pandemia

Dário Borim Jr. 



Até ontem, dia 5 de julho de 2020, diz a Universidade Johns Hopkins, havia pouco mais de 11 milhões e trezentos mil casos confirmados de COVID-19 pelo mundo afora. Já foram bem mais de meio milhão de mortos depois de passado apenas meio ano, afirma a mesma instituição de inquestionável renome ético e científico. Para mim, é, ao mesmo tempo, aterrecedor e misterioso como que para muitas pessoas tais dados não importam, pois, elas dizem por aí, “a maioria dos casos da doença é coisa passageira” ou “a pandemia é histeria da mídia sensacionalista e mentirosa”.
Que cataclismo ou mesmo que tragédia quase apocalíptica já teríamos vivido, se mais chefes de estado pensassem assim tão levianamente, como o fazem os dois arrogantes, insensíveis e maquiavélicos idiotas que, por “coincidência apenas” (desculpem a ironia), fazem de tudo, igual e simultaneamente, para promover seus egos e incentivar as suas reeleições ao seduzir seus alienados apoiadores e (des)comandar, sem nenhum escrúpulo, as duas nações mais infectadas do planeta, os Estados Unidos e o Brasil. Esses são, aliás, os dois países dos quais sou cidadão, pateticamente envergonhado e temeroso pelo presente abominável e pelo provável futuro de enormes sofrimentos sob os efeitos de um único agente invisível, um vírus a desorganizar ou mutilar a sociedade global, essa mesma que andava, até pouco tempo, muito orgulhosa de sua poderosa tecnologia e avanços científicos.
Entre tantos motivos para lamentarmos o momento em que vivemos, como a perda apressada e isolada de nossos queridos, o desemprego maciço, a solidão aguda, os transtornos psíquicos, a violência doméstica, o alcoolismo, o desespero e a fome que assolam meio mundo, é preciso perceber e reiterar outras transformações que também têm seu impacto sobre a comunidade mundial. Por exemplo, nunca vi tantos pais e filhos andando juntos na rua de minha pequena cidade, ou mães e filhas pedalando suas bicicletas nas estradas rurais. Aliás, nunca vi tantas bicicletas e tantas pessoas fora de casa, ou vizinhos conversando entre si, sem pressa. Nunca vi tantas empresas privadas doando altas somas de dinheiro para amenizar os riscos de médicos e enfermeiros, além de outros trabalhadores essenciais. Nunca vi tanto céu azul sem os riscos brancos de aviões que nos proporcionam viagens inesquecíveis, sim, mas que também destroem as camadas de ozônio sobre nós. Nunca vi tanta gente falar da saudade de amigos e familiares e, particularmente, de seus abraços apertados. É ausência do calor humano que vem do que vem do carinho e da empatia, que na sua falta, estudos comprovam, pode até matar um recém-nascido.
Tudo na vida tem os seu momentos e seus ímpetos de ação e reação, e assim são milhares de indivíduos hoje dedicados às pesquisas que certamente nos trarão vacinas e outros medicamentos capazes de aniquilar a presença nefasta do vírus assassino. Além dessas disposições positivas, destaca-se uma crescente consciência de que estamos todos no mesmo barco, que aquilo que ameaça a vida de uma pessoa carente de conforto material também ameaça a vida de uma pessoa abastada, como na hora de comprar algo ou receber uma diarista para limpeza da casa. Cresce também a noção de que saúde deve ser o bem de toda a humanidade, que algo tem que ser feito para que o pobre também tenha um ambiente doméstico salubre, com água corrente e água potável, com acesso a hospitais e alimentação sadia, pois, se não for suficiente o fato de sermos,  todos, humanos e merecedores dessas condições de vida decentes, não haverá trabalhadores para as colheitas, para as fábricas, para as lojas, para a entrega do que compramos online, para a limpeza das casas e dos hospitais onde tanto os ricos como os pobres estarão dependentes do trabalho alheio.
Por fim, com certo otimismo apuram-se nestes dias novos poderes de uma conscientização dos problemas mais sérios e sistêmicos, aqueles de enormes proporções, em boa parte das nações os podres do mundo. Uma noção mais acurada da própria disparidade socioeconômica e suas consequências, como a desigualdade entre as escolas e as oportunidades de ascensão profissional, como, também, das práticas seculares de cunho racista, agora afloram num período da história quando se faz necessário repensar e reestruturar as instituições, a distribuição de renda, e a mentalidade de cada um de nós, pelo que é justo e necessário diante de um planeta que passa e vai continuar a passar por gigantescos desafios (calamitosas tempestades, secas, enxentes, e outras pandemias, por exemplo), de onde e quando, acredito, não haverá muita saída, talvez nem num refúgio armado, blindado e subterrâneo suficientemente seguro para os ricos e egoístas de qualquer nação.

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