Nefasto desejo de fim de ano
Dário Borim Jr.
dborim@umassd.edu
Nesta quarta-feira em que um amigo muito especial já se encontra em outro plano de existência, acordei mais triste do que esperava estar. Quase uma semana depois de sua partida, tive, há poucos minutos, um desejo de fim de ano. Precisei escrevê-lo para compartilhar com alguém a minha angústia. Juro, não é uma questão de vingança. Desculpem a franqueza do que vou-lhes dizer!
Hoje ainda é dia 30 de dezembro.
Portanto, o ano de 2020 ainda não acabou. Mas, pelo que mais o marcará na
história da humanidade, o drama desses terríveis meses não vai acabar com a
passagem do ano. Eu tenho certeza disso, e muitos de vocês também, por vários
motivos, mas mesmo assim já tenho um desejo para a entrada do ano novo, sempre
tão comemorada por muitas e diversas culturas mundo afora e muitas vezes tomada
como momento para pedir benesses e redenções pessoais. Muitas comemorações
desse ano, claro, vão ser, infeliz mas inevitavelmente, diferentes. E isso é
mais do que preciso. Porém, sabemos: muita gente não vai colaborar. É principalmente
para essas pessoas que agora escrevo.
Em meus dois países do coração, nada
menos que meio milhão de pessoas já sucumbiram ao coronavírus desde março
(quase 200 mil ao sul da linha do Equador, e quase 300 mil ao norte). Tenho
muito amor pela terra e pelo povo que mora ou no maior país da América Latina,
ou na nação mais populosa da América do Norte. No primeiro, vivo existencial,
emocional e intelectualmente desde o meu nascimento ao fim da década de 1950.
Vim ao mundo lá pelas verdes colinas do Sul de Minas, de onde nunca saí, tanto
pela forma com que ganho a vida quanto pelos sentimentos e preocupações
constantes com a gente que mais amo. No segundo país, me vejo presencialmente
desde o meu renascimento educacional, pessoal e profissional, mudança radical
que tomou seu maior impulso junto às Montanhas Rochosas do Wyoming, trinta e
oito anos atrás. É mesmo uma segunda vida, não?
Mas vejam bem: a questão não é nacionalismo, como querem
equacionar nossos dois atuais presidentes, Jair Bolsonaro e Donald Trump, que
em comum tanto têm de ignorância, insensibilidade e maquiavelismo. O problema é
maior, é mundial, é da espécie humana. Os hospitais de todo o planeta, com
poucas exceções, estão sofrendo de uma hemorragia que não vai se estancar em
tempo de evitar novos milhares de mortes a cada dia, sim, a cada dia, pelos
próximos meses, até que as novas vacinas nos salvem de uma tragédia coletiva
muito maior do que a já causada pela atual pandemia.
Enquanto isso, milhares ou, possivelmente, milhões de indivíduos
negaram e ainda negam a existência ou gravidade da tragédia, e, os mesmos (ou
quase os mesmos) milhares ou milhões também se opuseram e ainda se opõem ao uso
de máscaras e distanciamento social. Agora, mais recentemente, muitos deles são
contra e fazem propaganda para descrédito das vacinas que já começaram e vão
algum dia salvar todo o mundo.
Então chegou a hora e vou direto ao meu mais nefasto – mas sincero
– desejo de fim de ano. Naturalmente não sou Deus, nem com maiúscula, nem com
minúscula, mas por uma questão de justiça cósmica, e por uma questão de lógica
sanitária e evolutiva da espécie humana, desejo que nesse ano que se inicia, em
menos de 48 horas, que morram primeiro os tais milhares ou milhões de
indivíduos que citei acima.
Sim, eles merecem pelo menos se infectarem e então terem que
torcer muito pelo seu Deus, com maiúscula ou com minúscula, pois, se o caso da
doença for sério e eles precisarem de tratamento hospitalar, então não será nem
minimamente justo que tais indivíduos tenham acesso às CTIs de nenhum hospital
do planeta! Desejo que não se salvem do vírus algoz (pois foram amigos dele),
se para sua sobrevivência tenham que se afogar ao léu e falecer por falta de
atendimento médico outros milhares ou milhões que pensaram e agiram tanto em proteção
da própria pele quanto na preservação da saúde da família, dos vizinhos e da
humanidade como um todo.
Mas, esperem. Tenho uma ressalva: não quero ser maniqueísta.
Desejo então que no fim (ou, até com mais clemência, fora) dessa fila dos
condenados sigam aqueles indivíduos que adotaram tal atitude negacionista,
as pessoas que negam ou não aceitam como verdadeiros os conceitos
comprovados cientificamente, por uma questão de desconhecimento ou inocência
diante do discurso político sedutor de nossos dirigentes e seus comparsas,
gente que tragicamente confunde liberdade com irresponsabilidade.