Remédio para o Frio
Então o futsal de Paraguaçu se fez internacional mais uma vez em julho
de 2009. No seu ginásio poliesportivo, o Ideal Clube recebeu a visita de um
forte time de Los Angeles, Califórnia, com jovens de 14 a 16 anos: o CVU
(Conejo Valley United). Em duas noites memoráveis para muitos de nós presentes,
assisti com intenso interesse a quatro partidas, três das quais vencidas pelos
norte-americanos, e a última, pelos brasileiros. Para o técnico do Ideal Clube,
meu amigo Sílvio Seppini, o resultado negativo para as equipes de Paraguaçu se
deveu a menor idade média de seus jogadores. Ele pode ter razão, mas, para mim,
aquilo foi de qualquer modo uma experiência jamais vivida: jogos entre equipes
de duas nações em minha pequena cidade. Além do mais, tive a chance de ouvir
meu próprio filho, Ian, que de microfone na mão serviu ao evento como
tradutor-intérprete no momento em que discursaram Sílvio, diretor de esportes
do Ideal Clube, e Ângela Silva Santos, a presidente. Ian também colaborou para
o brilho do evento ao liderar a interpretação a cappella do hino nacional dos
Estados Unidos.
Nas arquibancadas, eu me assentava perto de Maristela Dunn, mãe entusiasmada de
dois craques em campo, Christopher e Brian. Ela e eu temos as mesmas condições
de expatriados e de pais de filhos com cidadanias duplas. Uma pessoa de
invejável disposição e criatividade, Maristela era a grande responsável pela
realização daquele evento esportivo, assim como a de tantos outros eventos
turísticos e culturais dos quais 14 meninos californianos desfrutaram em
Paraguaçu, cidades vizinhas, e Bertioga, uma cidade praiana paulista onde os
garotos trocaram as bolas pelas ondas tropicais.
Assistindo àqueles jogos no ginásio do Clube não deixei de pensar nos velhos
tempos, quando a nova sede do Ideal dava os primeiros passos e nem piscina ali havia.
Só tínhamos uma quadra externa e esta era controlada pelo sr. Neném Órfão. Bons
tempos aqueles em que um pequeno caso de mau comportamento de um dos meninos
levava o sr. Neném a clamar, “Respeitem meus 60 anos, meus rapazes”. Nostalgia
por nostalgia, para mim nada é melhor que relembrar a época das grandes
olimpíadas dos anos 70, quando mais de uma dezena de cidades do Sul de Minas
aqui vinham para competir. Era tempo de fazer muito frio em Paraguaçu – o que
criava mais uma justificativa para se tomar uma pequena dose de conhaque antes
de entrar nas quadras.
Também gosto de relembrar uma noite em que nossa equipe de handebol jogava
muito bem contra a equipe representando a cidade de Lavras, considerada a
melhor do certame. Eu era o goleiro do Ideal Clube e de alguma forma fazia
milagres impedindo uma esperada lavada sobre a nossa fraca equipe. Houve então
o momento em que foram chamar as autoridades do Ideal para presenciar aquele
fenômeno. Segundo as más línguas, o goleiro se fazia notar não apenas pelas
suas magistrais defesas, mas, também, pela estranheza de seu uniforme, um
agasalho (sob o calção!) que não lhe servia de tão pequeno e de tão revelador
das canelas desabrigadas do frio.
Ao chegarem os senhores da diretoria, o desastre já tinha ocorrido. O
placar, que inacreditavelmente fora de 1 a 1 na primeira etapa, agora expunha a
equipe local a um ridículo 7 a 1. A causa do desengano nunca se soube. Houve
quem dissesse que alguns dos atletas da nossa equipe tinham se excedido no
remédio para o frio. Outros puseram a culpa no goleiro que, de repente, perdeu
a figa da sorte e caiu na desgraça.
Resta pensar que, se naquela época fazer uma partida de qualquer esporte contra
uma equipe de Alfenas ou de Machado já era uma honra, pode-se imaginar a
satisfação dos meninos do Ideal Clube ao enfrentar equipes estrangeiras, como
as da Califórnia ou a da Austrália, equipe visitante que tivemos em quadra de
poucos anos atrás. É assim que percebemos como que os privilégios do mundo
globalizado de hoje têm suas vantagens sobre as limitações e provincianismo de
ontem. Não nos esqueçamos, porém, que as noites frias da era das olimpíadas de
Paraguaçu ainda não tiveram rivais à altura: com ou sem lavada no placar, nós
atletas e nós torcedores sempre ganhávamos em termos de diversão e
aprimoramento técnico, com muito ou nada de remédio para o frio.