quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Guinness, graças a Deus



Dário Borim Jr
dborim@umassd.edu

Nunca escrevi crônica assim: esboçando palavras no branco de um saquinho para pessoas que passam mal no avião. Espero que o leitor não se incomode com esse prelúdio. É que meu computador portátil encontra-se em um compartimento distante do meu assento neste vôo 133 da companhia irlandesa Aer Lingus entre as cidades de Shannon e Boston. De fato estou longe do computador em conseqüência de dois gestos generosos. Uma das aeromoças antes de decolarmos se prontificou a achar um passageiro que trocasse de assento para que um jovem casal viajasse junto. Não tive por que não lhe atender ao pedido. A generosidade das aeromoças irlandesas, especialmente a de uma morena de olhos azuis chamada Michelle Flannery, foi uma espécie de posfácio a um livro de prazeres que li nessa visita a Dublin, jornada que se encerra nesta tarde de 14 de setembro. Tenho algumas histórias pra contar, é claro, sobre essa viagem cujo objetivo fora a um congresso interdisciplinar sobre as culturas lusófonas na Universidade Nacional da Irlanda em Maynooth.

Pra dar uma idéia de como Dublin se difere de muitas cidades, digo que a única vez em que vi um policial por lá foi quando uma mocinha fardada, de bochechas rosadas e pequenos olhos azuis, veio me perguntar se eu precisava de ajuda ao interpretar um mapa. Até o sol esteve generoso desde o dia em que cheguei, cinco dias trás. Dublinenses não estão acostumados com tantos dias claros em seguida e se sentiam no céu. Certamente o céu azul os tornava ainda mais alegres e simpáticos naquela cidade de muita chuva e frio.

Minha impressão, porém, é a de que mesmo em tempo ruim Dublin deva ser uma das cidades mais fascinantes entre as que já conheci. Não conheço todos os quatro cantos do planeta, como alguns amigos meus, para quem a Ásia e a África não são mistérios, mas já pus os pés em um bom número de cidades famosas, como Amsterdã, Bruxelas, Chicago, Las Vegas, Lisboa, Londres, Los Angeles, Madri, Montreal, Nova Iorque, Nova Orleãs, Paris, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e Toronto.

Daquelas cidades, nem mesmo Rio ou Nova Orleãs se compara a Dublin em dois quesitos: número de bares animados (em uma mesma área de acesso a pé) e grau de entusiasmo por música (ao vivo ou em disco). Há muito tempo ouvira falar de Dublin através de obras consagradas da literatura mundial, como as de James Joyce e Jonathan Swift. Finalmente chegara a hora de lá presenciar o hábito irlandês que mais se parece com meu ideal de alegria: muita conversa animada e muitas emoções à flor da pele, entre amigos, ao som de boa música e na companhia de muita cerveja, vinho, uísque ou qualquer que seja a opção etílica do freguês.

Dublin é peculiar por oferecer milhares de pubs a seus habitantes, tão faladores e brincalhões, e a seus visitantes, em número ainda maior, gente que logo se vê acostumada ao falatório e a cantoria geral. Na realidade, o melhor que a cidade tem a oferecer ocorre nos pubs. Somente na capital são consumidos em média um milhão de copos de Guinness, a distinta cerveja irlandesa, aquela bem preta e forte, que neste mês de setembro está comemorando 250 anos de existência. Em 1759, isto é, 200 anos antes de eu nascer, tomava corpo essa preciosidade que regularmente deslumbra o paladar de milhões de pessoas mundo afora.

Neste setembro de luz e temperaturas amenas, mês em que me torno um cinqüentenário, sinto-me honrado pela coincidência de datas que me associa à lendária morena. Os milhões de flores que acompanham a arquitetura medieval e habitam os parques, ruas e pubs de Dublin eu gostaria hoje de oferecer a meus pais, Lucy e Dário, que há meio século me trouxeram a um mundo onde as pessoas são capazes de pôr de lado o amargo da vida para poderem apreciar, de corpo e alma, o deleite refrescante da cerveja preta mais amarga e magicamente mais deliciosa da terra, graças a Deus!

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