
Não vi nenhuma estatística a respeito, por isso não sei qual é a parcela
da humanidade que tem essa característica de personalidade, o tal “eu
comunitário”. Não importa! Vocês todos que estão lendo esta crônica devem ter
algo parecido, se por acaso ficam arrepiados ao ouvir o hino nacional na hora
do jogo. Ou se sentem vontade de abraçar e pular com estranhos na hora de um
gol do Brasil. O fato é que, para quem tem um “eu comunitário” e também para
quem não o tem, as Copas do Mundo separam épocas das nossas vidas e fincam
profundas marcas tanto nas nossas mentes individuais como nas nossas lembranças
familiares, comunitárias, nacionais ou mesmo transnacionais.
Daquela minha primeira Copa pela TV, por exemplo, ficou a lembrança de dois
tios. Um deles, Dagoberto Pereira, me fez entender como que as emoções de um
jogo podem ser pesadas demais para certas pessoas. Ele ficava caminhando nas
ruas do quarteirão em volta da nossa casa. A cada dez minutos voltava e
perguntava o placar de Brasil x Inglaterra. Outro também muito querido e muito
fanático por futebol (e pelo Corinthians em particular) era tio Delmo, quem, na
época, tinha um braço e o peito engessados. Sofrera um sério acidente de carro
poucos dias antes dos jogos. Apesar do seu sangue italiano, ele dizia, com
convicção, a todos reunidos na Praça Oswaldo Costa (onde uma TV exibia os jogos
em branco-e-preto): “o Brasil vai ganhar da Itália de 4 a 1”. Poucos
acreditaram nele, mas a previsão do tio Delmo acertou em cheio. Com Pelé,
Jairzinho, Tostão, Rivelino, Gerson, Clodoaldo, Carlos Alberto (quase só tinha
craque aquele time), o Brasil daquele ano massacrou a squadra azzurra e deixou muitas saudades.
Para mim, individualmente, também foi inesquecível um determinado momento de
outra Copa do Mundo, a de 1982, na Espanha. Era a primeira copa que eu assistiria
no exterior. Os dormitórios da Universidade Estadual de Mankato, em Minnesota,
tinham poucas TVs a cabo, e nenhum dos canais disponíveis mostraria os
primeiros jogos do Brasil. Angustiado, tive que apelar para o rádio, onde
talvez eu conseguisse ouvir uma transmissão em ondas curtas (com certeza nada de
futebol haveria em AM ou FM). Pouco antes da hora marcada para o início da
partida do Brasil contra a Austrália, precisaria de sorte para achar uma rádio
que transmitisse o jogo direto da Europa, eu consegui, mas em espanhol. Pensei:
melhor isso do que nada. O coração já estava um pouco apaziguado depois da
frustração que sentira ao saber que não haveria transmissão por TV, quando me
veio a idéia de apanhar meu rádio portátil e toca-fitas marca Sony (ver foto
acima) e levá-lo para fora do prédio onde eu morava no campus: quem sabe o
chiado diminuiria.
Foi obra do Anjo da Guarda, ou minha estrela-guia, como diz minha mãe. Jamais
esquecerei o trovão de alegria que me atingiu no momento em que encostei a
antena do rádio na parede externa do dormitório e religuei o aparelho. As
primeiras palavras que ouvi me comveram: “Sob o patrocínio do seu Conhaque de
São João da Barra, passamos a falar diretamente da Espanha.” Que maravilha! Eu
mal podia acreditar, mas agora passava a ouvir a Rádio Nacional do Rio de
Janeiro, em bom, dulcíssimo português brasileiro. Os gringos que jogavam
voleibol nas imediações do dormitório logo acharam que havia um louco entre
eles naquele campus, porque só mesmo um maluco ficaria tão ligado e tão próximo
a um aparelho de rádio, nele colando o ouvido e, de vez quando, dele se
soltando, aos berros, em puro êxtase! Afinal, naquele 23 de junho o Brasil
derrotou a Austrália por 4 a 0 no Estádio Benito Villmarín, em Sevilha.
Pois é, aquele foi apenas o começo de uma longa série de recordações associadas
ao campeonatos mundiais de futebol, que a cada quatro anos vêm sedimentar
nossos laços coletivos e aguçar nossas emoções mais exaltadas de gozo e
sofrimento, aflição e contentamento! Espero voltar ao assunto em breve. Não
faltarão “causos” futebolistas para outras crônicas. Ao encerrar por hoje, vale
repensar como é bom ser brasileiro nesses anos mágicos que ressurgem
ciclicamente, momentos em que fãs de todo o mundo reconhecem e temem nosso
talento, nossa criatividade, e nossa forma alegre de jogar. Enquanto isso nós, os
únicos participantes de todas as Copas do Mundo, vamos sempre sonhar e chora
atrás de mais um caneco de ouro.
quinta-feira, 24 de junho de 2010
12 comentários:
Eu me lembro duma copa em que minha mãe, ao gritar o goooolllll, levantou as pernas. O chinelo dela voou aos ares, bateu num quadro pesado que caiu na cabeça dela. Foi meio trágico.
E o mais triste é lembrar o meu pai, que, geralmente, taciturno, nas copas,sorria. Isso doi, Dario!
Beijão , a crõnica puxa lembrança...feito um cordão coletivo...
MENINO LINDO, esta sua nova "filhinha", está booaa demaaiiss!Também pudera, "parto natural"!!!
Adorei!
Você escreve com tamanha desenvoltura e de modo tão gostosinho que sinto uma certa "peninha", quando acaba...Parabéns querido. Você é deemaaiss!!
Que delícia de estória Dário....
Força Brasil!!!
Ficou linda!
Ficou linda!
Agora entendo melhor a foto! rsrsrsrsrs combina com o maluquete que vc se descreve no campus.
Fala muito bem como a gente se sente nessas epocas... já fazem 2 copas que não comemoro e participo dessas festas. Quem sabe esse ano fica uma marca de renovação? De comemorar e fazer festa com futebol?
Viver a copa num outro país, diferente do seu, é um sentimento interessante. Acho que o "eu comunitário" fica aguçado e a gente acaba tendo dois países para torcer!! E, além disso, mais chance de ser campeão!! Viva o Brasil e a Alemanha!! Parabéns pela crônica e pela foto que é o máááááximo!!
Beijos Cacá.
Meu querido amigo,
Eu tambem "jogo" neste seu time! Lindo e profundo artigo.
Thiago
Pode voar mais um pouco irmão, você chega em paz. Eu pensei quando flamos sobre o "eu comunitário" na verdade eu havia dito "alma coletiva" o que acaba sendo a mesma característica que nós temos!!! Tá valendo, irmão! Aguardamos vc aqui, com novasa crônicas pq assunto não falta, e a propósito aquela sua foto é muito legal e aas lembranças tb Bjo gde. Nina
Dario
Que legal a sua crônica. Adorei :)
Comecei a pensar em todas as minhas recordações da Copa e acho que a principal delas é o meu pai, tanto quanto o seu tio, caminhando de um lado para o outro, voltando a cada três minutos para saber o placar...
Tem sempre um ar de coisa boa, saudade, café e bolinho de chuva este seu cantinho aqui.
Muito bom saber das suas histórias pelo mundo.
Abração e obrigada por dividir isso com a gente!
Cris Lírica
Lido com gosto.
E parabéns pela vitória de ontem.
Abraco.
O.
Obrigado, Onesimo. Tenho muito a escrever sobre as Copas. E´bom pensar que o passado da gente tb e´rico dessas aventuras coletivas ciclicas, com tantos momentos muito intensos e inesqueciveis.
Contra o Chile o Brasil jogou melhor, mas tem que aplicar mais criatividade se quiser ser hexacampeao. A festa na cidade de BH apos o jogo foi animada. Estaremos torcendo muito por Portugal, aqui no Brasil.
Um abraco,
D.
Você leva mais essa "copa": pela competência e pela originalidade de suas palavras. Eu me arrepio com o hino nacional, mas não em jogos de futebol. A ojeriza é grande, apesar de todos os pesares!
Abraço mineiro!
Oi Darinho, to amando seu blog, muito bom. Adorei conversar com vc em Pçu. Vou deixar aqui 2 links da minha filha. Ela é fotógrafa e faz trabalhos incríveis! bjs. Muito bom falar contigo!!!!! www.flickr.com/schmidt/77 www.olhares.com/danschmidthttp://www.flickr.com/schmidt/77
Postar um comentário