quinta-feira, 24 de junho de 2010

Copas do Mundo


Minha irmã Silvana, uma das duas psicólogas da família, me diz que ela e eu temos uma característica em comum: um “eu comunitário”. Já ouviram falar? A gente sente pelos outros, às vezes até antes deles próprios. Somos esponjinhas dos sentimentos alheios e, por extensão, dos sentimentos das massas, que podem ser bem mais que “90 milhões em ação, salve a seleção”. Parece incrível, mas a população do Brasil dobrou desde a Copa do Mundo de 1970. Essa a primeira a que assisti, por já ter idade, quase 11 anos, e por ter sido ela a primeira Copa do Minha irmã Silvana, uma das duas psicólogas da família, me diz que ela e eu temos uma característica em comum: um “eu comunitário”. Já ouviram falar? A gente sente pelos outros, às até antes deles próprios. Somos esponjinhas dos sentimentos alheios e, por extensão, dos sentimentos das massas, que podem ser bem mais que “90 milhões em ação” do grito musical de “salve a seleção” lançado em 1970. Parece incrível, mas a população do Brasil mais que dobrou desde a Copa do Mundo daquele ano, no México. Aquela copa foi  a primeira a que assisti, por já ter mais idade para compreender o drama nacional naqueles eventos (quase 11 anos), e por ter sido ela a primeira Copa do Mundo mostrada pela TV brasileira em tempo real! Nesses últimos quarenta anos, incluindo o sucesso tupiniquim em junho de 1970, vencemos três das dez Copas do Mundo que entraram para a história. Agora, na África do Sul, repte-se o drama: queremos a todo custo ser novamente campeões.

Não vi nenhuma estatística a respeito, por isso não sei qual é a parcela da humanidade que tem essa característica de personalidade, o tal “eu comunitário”. Não importa! Vocês todos que estão lendo esta crônica devem ter algo parecido, se por acaso ficam arrepiados ao ouvir o hino nacional na hora do jogo. Ou se sentem vontade de abraçar e pular com estranhos na hora de um gol do Brasil. O fato é que, para quem tem um “eu comunitário” e também para quem não o tem, as Copas do Mundo separam épocas das nossas vidas e fincam profundas marcas tanto nas nossas mentes individuais como nas nossas lembranças familiares, comunitárias, nacionais ou mesmo transnacionais.


Daquela minha primeira Copa pela TV, por exemplo, ficou a lembrança de dois tios. Um deles, Dagoberto Pereira, me fez entender como que as emoções de um jogo podem ser pesadas demais para certas pessoas. Ele ficava caminhando nas ruas do quarteirão em volta da nossa casa. A cada dez minutos voltava e perguntava o placar de Brasil x Inglaterra. Outro também muito querido e muito fanático por futebol (e pelo Corinthians em particular) era tio Delmo, quem, na época, tinha um braço e o peito engessados. Sofrera um sério acidente de carro poucos dias antes dos jogos. Apesar do seu sangue italiano, ele dizia, com convicção, a todos reunidos na Praça Oswaldo Costa (onde uma TV exibia os jogos em branco-e-preto): “o Brasil vai ganhar da Itália de 4 a 1”. Poucos acreditaram nele, mas a previsão do tio Delmo acertou em cheio. Com Pelé, Jairzinho, Tostão, Rivelino, Gerson, Clodoaldo, Carlos Alberto (quase só tinha craque aquele time), o Brasil daquele ano massacrou a squadra azzurra e deixou muitas saudades.


Para mim, individualmente, também foi inesquecível um determinado momento de outra Copa do Mundo, a de 1982, na Espanha. Era a primeira copa que eu assistiria no exterior. Os dormitórios da Universidade Estadual de Mankato, em Minnesota, tinham poucas TVs a cabo, e nenhum dos canais disponíveis mostraria os primeiros jogos do Brasil. Angustiado, tive que apelar para o rádio, onde talvez eu conseguisse ouvir uma transmissão em ondas curtas (com certeza nada de futebol haveria em AM ou FM). Pouco antes da hora marcada para o início da partida do Brasil contra a Austrália, precisaria de sorte para achar uma rádio que transmitisse o jogo direto da Europa, eu consegui, mas em espanhol. Pensei: melhor isso do que nada. O coração já estava um pouco apaziguado depois da frustração que sentira ao saber que não haveria transmissão por TV, quando me veio a idéia de apanhar meu rádio portátil e toca-fitas marca Sony (ver foto acima) e levá-lo para fora do prédio onde eu morava no campus: quem sabe o chiado diminuiria.


Foi obra do Anjo da Guarda, ou minha estrela-guia, como diz minha mãe. Jamais esquecerei o trovão de alegria que me atingiu no momento em que encostei a antena do rádio na parede externa do dormitório e religuei o aparelho. As primeiras palavras que ouvi me comveram: “Sob o patrocínio do seu Conhaque de São João da Barra, passamos a falar diretamente da Espanha.” Que maravilha! Eu mal podia acreditar, mas agora passava a ouvir a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, em bom, dulcíssimo português brasileiro. Os gringos que jogavam voleibol nas imediações do dormitório logo acharam que havia um louco entre eles naquele campus, porque só mesmo um maluco ficaria tão ligado e tão próximo a um aparelho de rádio, nele colando o ouvido e, de vez quando, dele se soltando, aos berros, em puro êxtase! Afinal, naquele 23 de junho o Brasil derrotou a Austrália por 4 a 0 no Estádio Benito Villmarín, em Sevilha.


Pois é, aquele foi apenas o começo de uma longa série de recordações associadas ao campeonatos mundiais de futebol, que a cada quatro anos vêm sedimentar nossos laços coletivos e aguçar nossas emoções mais exaltadas de gozo e sofrimento, aflição e contentamento! Espero voltar ao assunto em breve. Não faltarão “causos” futebolistas para outras crônicas. Ao encerrar por hoje, vale repensar como é bom ser brasileiro nesses anos mágicos que ressurgem ciclicamente, momentos em que fãs de todo o mundo reconhecem e temem nosso talento, nossa criatividade, e nossa forma alegre de jogar. Enquanto isso nós, os únicos participantes de todas as Copas do Mundo, vamos sempre sonhar e chora atrás de mais um caneco de ouro.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

12 comentários:

rose marinho prado disse...

Eu me lembro duma copa em que minha mãe, ao gritar o goooolllll, levantou as pernas. O chinelo dela voou aos ares, bateu num quadro pesado que caiu na cabeça dela. Foi meio trágico.
E o mais triste é lembrar o meu pai, que, geralmente, taciturno, nas copas,sorria. Isso doi, Dario!

Beijão , a crõnica puxa lembrança...feito um cordão coletivo...

Se' disse...

MENINO LINDO, esta sua nova "filhinha", está booaa demaaiiss!Também pudera, "parto natural"!!!
Adorei!
Você escreve com tamanha desenvoltura e de modo tão gostosinho que sinto uma certa "peninha", quando acaba...Parabéns querido. Você é deemaaiss!!

Priscila disse...

Que delícia de estória Dário....
Força Brasil!!!

Valeria disse...

Ficou linda!
Ficou linda!
Agora entendo melhor a foto! rsrsrsrsrs combina com o maluquete que vc se descreve no campus.
Fala muito bem como a gente se sente nessas epocas... já fazem 2 copas que não comemoro e participo dessas festas. Quem sabe esse ano fica uma marca de renovação? De comemorar e fazer festa com futebol?

Carla disse...

Viver a copa num outro país, diferente do seu, é um sentimento interessante. Acho que o "eu comunitário" fica aguçado e a gente acaba tendo dois países para torcer!! E, além disso, mais chance de ser campeão!! Viva o Brasil e a Alemanha!! Parabéns pela crônica e pela foto que é o máááááximo!!
Beijos Cacá.

Thiago disse...

Meu querido amigo,

Eu tambem "jogo" neste seu time! Lindo e profundo artigo.

Thiago

Nina disse...

Pode voar mais um pouco irmão, você chega em paz. Eu pensei quando flamos sobre o "eu comunitário" na verdade eu havia dito "alma coletiva" o que acaba sendo a mesma característica que nós temos!!! Tá valendo, irmão! Aguardamos vc aqui, com novasa crônicas pq assunto não falta, e a propósito aquela sua foto é muito legal e aas lembranças tb Bjo gde. Nina

Cris Lira disse...

Dario

Que legal a sua crônica. Adorei :)
Comecei a pensar em todas as minhas recordações da Copa e acho que a principal delas é o meu pai, tanto quanto o seu tio, caminhando de um lado para o outro, voltando a cada três minutos para saber o placar...
Tem sempre um ar de coisa boa, saudade, café e bolinho de chuva este seu cantinho aqui.
Muito bom saber das suas histórias pelo mundo.
Abração e obrigada por dividir isso com a gente!
Cris Lírica

Onesimo disse...

Lido com gosto.
E parabéns pela vitória de ontem.
Abraco.
O.

djborim disse...

Obrigado, Onesimo. Tenho muito a escrever sobre as Copas. E´bom pensar que o passado da gente tb e´rico dessas aventuras coletivas ciclicas, com tantos momentos muito intensos e inesqueciveis.

Contra o Chile o Brasil jogou melhor, mas tem que aplicar mais criatividade se quiser ser hexacampeao. A festa na cidade de BH apos o jogo foi animada. Estaremos torcendo muito por Portugal, aqui no Brasil.
Um abraco,
D.

foureaux disse...

Você leva mais essa "copa": pela competência e pela originalidade de suas palavras. Eu me arrepio com o hino nacional, mas não em jogos de futebol. A ojeriza é grande, apesar de todos os pesares!
Abraço mineiro!

Cris Schmidt disse...

Oi Darinho, to amando seu blog, muito bom. Adorei conversar com vc em Pçu. Vou deixar aqui 2 links da minha filha. Ela é fotógrafa e faz trabalhos incríveis! bjs. Muito bom falar contigo!!!!! www.flickr.com/schmidt/77 www.olhares.com/danschmidthttp://www.flickr.com/schmidt/77

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