Esse
Chocolate Meio-Amargo da Meia-Idade
Dedicado a Jeferson Ribeiro de Andrade
Dário Borim Jr.
É na meia-idade que muitos se tornam avós. E perdem
seus pais. Filhos se formam da faculdade, têm filhos, e filhos morrem de
acidente. Filhos assumem um grande emprego, e filhos se movem, quando se movem,
à deriva. Nossos pais comemoram com alguma festa os seus 70, 80 ou 90, mas
envelhecem rapidamente, perdem a memória, perdem a capacidade de se locomover,
ou perdem a consciência, isso quando ainda não se despediram de nós, é claro.
Amigos se redescobrem
também, estejam onde estiverem. O FaceBook ajuda. Ficamos sabendo melhor o que
é a alegria e o drama de se passar por esses anos da meia-idade. A morte, a solidão, e o desencanto com a vida
assolam a paz de muitos de nós. Olhamos para trás. Olhamos para frente. Para
cima e para baixo também. Para o que temos, o que tivemos, e nunca tivemos. Para
o que nos incomoda e para o que ainda podemos sonhar em fazer. Há tempo ainda.
Há disposição ainda. Temos coragem, mas temos consciência de que em todos os
cantos onde podemos, desejamos ou não desejamos morar (bairros, cidades,
estados, ou países diferentes), haverá desafios, com suas perdas e ganhos.
Nesse sentido, como dizia o existencialista Jean-Paul
Sartre, a vida é Sem Saída, título de
uma de suas peças. Não adianta. E esqueçamos por ora o significado da vida.
Ferreira Gullar fala bem ao ironizar os existencialistas. A vida não tem nenhum
significado sem você. Você é quem dá significado à vida. Se quiser olhar só
para baixo e pensar que a vida é só baixaria, ignorância, tristeza e violência,
não falta argumento, não falta exemplo concreto de que é isso mesmo. E vem lá
desgraça: desemprego, desamor, dívida, desespero, desentendimento, desunião,
doença... Só com a letra "d" eu conseguiria encher essa crônica de
desencanto, depressão, demência, debilidade, desconserto, etc, etc.
Não vale pena a manter o queixo somente inclinado para
trás, não, e assim se sentir de alma lavada ao proclamar as tristezas da vida.
Eu prefiro não me esquecer delas exatamente para ser razoavelmente realista,
mas, também, para saber valorizar melhor e comemorar com mais zelo o outro lado
da moeda. As oportunidades. O carinho. A
saúde. O amor. A amizade. A coragem. A alegria de viver! Vejo, porém, que
olhando para os dois lados, expondo-me à dor e ao sabor da vida intensamente,
pago um preço e me vejo questionando meu olhar, minha sensibilidade e, com ela,
minha vulnerabilidade aos altos e baixos.
Quando questiono (sim, questiono até hoje) a minha
opção de morar no exterior, e já foram três vezes em que optei por morar nos
Estados Unidos, saio desse questionamento com mais perguntas e algumas
conclusões. Que teria sido de mim se eu tivesse dito NÃO em alguns daqueles
momentos de dúvida: mudar ou não mudar do Brasil? São muitas as indagações, mas
uma é meio curiosa e me traz um sorriso como ao comer um chocolate escuro,
gostoso e meio-amargo. Conclui que tenho uma veia quase masoquista (uma só
entre tantas veias?). Lembro-me que, um dia desses, eu disse assim para mim mesmo: se
você for infeliz no exterior, você pelo menos terá assunto para escrever suas
crônicas e seus livros. Grande recompensa, eu ironizo hoje.
Então tomem essa crônica como uma barrinha de
chocolate escuro, gostoso e amargo. Na verdade não era isso não que eu queria
fazer, oferecer-lhes essa barrinha. Mas é que a meia-idade é barra mesmo,
gente. Já temos nossos laços emocionais, profissionais e sociais atados ao
lugar onde vivemos, mas não estamos felizes. Temos o conforto da estabilidade
que vem do que criamos, mas já estamos cansados de viver destituídos de valores
que renegamos para vir e ficar onde estamos. Temos ânsia de mudar, e medo de
perder o que temos. Temos décadas e décadas de vivência, de muitas lembranças,
mas temos a certeza cada vez mais forte de que não nos restam muitas décadas de
vida, talvez nenhuma, talvez nem mais um ano.
Aquela certeza cresce enquanto crescem nossas dúvidas
sobre o que fazer nessa tarde, antes do sol se pôr. Se passarmos da última hora
do Ângelus, o que a noite nos trará? Ao assistir a uma entrevista com o poeta e
músico Leonard Cohen, ouvi dele, aos 70 e poucos anos de idade, a seguinte
observação: não me importo quase nada com a morte, mas sim com os preliminares
dela, as condições em que estarei ao me aproximar dela. Então vejo que para
muita gente a reaproximação aos velhos amigos é uma opção. A humanidade está vendo
sobreviver uma multidão de idosos. Comparado com outras eras, o mundo de hoje é
de muitas pessoas chegando aos 80, 90 e até mesmo aos 100 anos de idade. Por
causa disso até a definição de meia-idade já mudou, mesmo que, segundo o
Dicionário Aurélio, essa idade ainda seja aquela entre 30 e 50. Então já estou na
terceira-idade há quase quatro anos. Quem, eu?
Mas como viver até o fim daquela idade avançada, a
dita terceira-idade? E quem cuidará de nós, se nessa idade estivermos
incapacitados, seja física, emocional ou financeiramente? Será que mais e mais
amigos idosos tentarão morar juntos até que a morte separe cada um deles dos
demais? Será que mesmo antes desses anos, mas já em plena meia-idade, os velhos
amigos não poderão se reunir mais amiúde? Quem sabe uma vez por mês se verão num
coreto, bar ou restaurante, para trocar idéias, trocar sugestões e impressões
de livros, filmes, peças teatrais, trocar conselhos, dores, preocupações, apoio e carinho?
Minha irmã Silvinha, seu marido José Codo, e alguns de seus melhores amigos se reúnem assim. Há entre eles até mesmo homens e mulheres que um dia foram casados entre si. Não o são mais, mas lá estão, como amigos, se vendo a cada quatro semanas, melhorando a qualidade de vida de quem já criou os filhos, viveu amores e desamores, teve uniões e separações, viu neto nascer e mãe morrer. É gente que sabe bem como que pouco nesse mundo se compara ao prazer da amizade alegre, carinhosa, divertida, descompromissada, profunda e sincera. Quem sabe não é essa uma das melhores barras de chocolate, saudável e saborosa?
Minha irmã Silvinha, seu marido José Codo, e alguns de seus melhores amigos se reúnem assim. Há entre eles até mesmo homens e mulheres que um dia foram casados entre si. Não o são mais, mas lá estão, como amigos, se vendo a cada quatro semanas, melhorando a qualidade de vida de quem já criou os filhos, viveu amores e desamores, teve uniões e separações, viu neto nascer e mãe morrer. É gente que sabe bem como que pouco nesse mundo se compara ao prazer da amizade alegre, carinhosa, divertida, descompromissada, profunda e sincera. Quem sabe não é essa uma das melhores barras de chocolate, saudável e saborosa?
23 comentários:
Meu querido Dário de sempre,
Você disse tudo o que passa diariamente por minha cabeça - e creio que de todos que estamos em situação semelhante: aqui e lá e em nenhum lugar.
Penso muito na morte, na morte próxima de minha mãe, que está com 93 anos e só, numa residência de idosos. Nessa morte que me espera, provavelmente igual: sem filhos, sem amigos por perto. Penso nesse grande cansaço em que a vida vai-se tornando.
É, meu querido, não estamos sós mesmo, se isso nos serve de consolo.
Beijão e até amanhã à tarde a viva voz,
R.
oi, dario.
ooosssa... super profunda a sua cronica. definiria como sublime. e Profundamente blue, mas tb profundamente alegre. mas vc definiria q esta infeliz aqui nos US? imagino q a cronica causara muitas repercussoes vindas do brasil e daqui. quem sabe nao vai ser material bom p/ os seus questionamentos.
obrigada pela barrinha de chocolate :o)
Uma das crônicas mais lindas que você já escreveu, Dario!
de! Parabens pela cronica!
Grande garoto de meia-idade! Parabens pela cronica!
Uma das mais lindas que eu ja' li das suas! Vc esta' ali, e' vc corpo e alma.
Espero continuar a saborear minha "barra" com você sempre por perto... Grande abraço
Darinho,
Recebi, li e gostei muito da sua crônica.
Não so pela crônica em si: curta, objetiva, reflexiva, séria... sem ser sisuda.
Mas, inclusive, por ver na nossa prática, uma forma saúdavel, uma volta ao sentido da existencia - prazer, alegria, inclusão, sem competição capitalista, bom humor -
Parabéns e adelante
Paulo
Obs. não deixe de ir ao encontro quando estiver no Brasil.
Linda crônica. Me "toca" especialmente na medida em que também não moro no Brasil...
Beijos.
Adorei! E nossos encontros estao a cada dia melhores e divertidos. Parabens Darinho! Estamos esperando você se juntar a nos. Abrs. Simone
E ai brother!
Boas e reflexivas palavras!
Gosto bem de chocolate meio amargo e escuro e vou degustar um agora pensando na vida!
Grande Abraco
Meu amigo
Partilho desse sentimento e adoro chocolate negro--essa angustia de nunca saber o que a nossa vida teria sido fora desse exílio que nos rouba o imaginário e a leveza de
simplesmente ser sem qualquer justificação.
Hoje entendo aquela expressão a "idade pesa", mas pesa mais ainda quando ao fim destes anos nos tornamos estrangeiros de nós mesmos. Mas deste lado do Tejo penso em ti e espero em breve estarmos juntos. Fico aliviada de saber que vais estar aí quando eu chegar e agradeço-te imenso a linda crónica.
Um abração
Darim--
I'm with you. Enjoyed the cronica. (How do you define OLD age?)
Rick
Compartilhei porque é impossível não dividir o que fala a cada um de nós, e chocolate meio amargo é o que mais gosto. Parabéns.
Amigo Darinho, simplesmente espetacular. Vi-me em muitos aspetos nesta tua cronica. Obrigado e um Abraco.
Espero continuar a saborear a minha "barra" com você sempre por perto, grande abraço.
Bom dia Darinho! Tudo ótimo! Como se diz: estamos em pé, comendo e bebendo, tá muito bom. Mais dia menos dia, as coisas sempre melhoram.Sou muito feliz, porque minhas filhas são realizadas, têm seu trabalho, bons filhos, bom marido, pra que mais? Li sua crônica em homenagem ao Jeferson e fiquei encantada. Só você mesmo com sua in teligência, seu carisma pra escrever tão legal. Que jesus continue te abençoando pra mandar sempre mensagens tão lindas. Bom fim de semana e o meu abraço.
Cada fase de nossa vida tem seus encantos e seus desafios, como meu irmão bem descreve. Aceitar com bom humor o inevitável e re-dimensionar os valores, eis um grande aprendizado.Meu irmão é das raras pessoas para quem o chocolate não vai ser muito amargo, tenho certeza!!!!!!!Bjo Nina
Oi mano, bacana sua crônica ... profunda, reflexível... Tenho pensado também muito na vida, novos rumos, nova realidade...mudar....como é difícil!!! Simone me mandou um artigo sobre a meia-idade. Vou encaminho-lo para vc. Acho que necessito le-la todo dia.
Beijos,
Di
Luís André Prado
Darin,
Engraçado que lendo sua crônica vi que algum amigo seu norte-americano te chamou assim, e me lembrou o Bobby Darin que ouvia nos bailes do Ideal Clube nos anos 60 (ele fazia dupla com Sandra Dee; coisa dos anos 50). Comecei a rir imaginando como Darinho deve ter sido adaptado por aí – e lembrando que Darim é uma corruptela meio mineirinha também... E creio que o Darin do Bobby (assim como o do Ricardo Darín, ator argentino) deve ter vindo do italiano, origem também de Dário e do seu Borim, tudo conectado. Muito bom esse nosso reencontro virtual na “meia idade”, quarenta anos depois (estou com 57, você deve ter seus 50 e poucos, certo?), porque não tinha notícias suas e estou vendo que temos muitas afinidades mais além da conterraneidade ou contemporaneidade. Saí de Paraguaçu com 14 anos e voltei poucas vezes; minha relação com a cidade é por meio de poucos parentes. Em tempo, parabéns também por sua carreira. Quero ter a oportunidade de ler seus livros; vi que você também traduz e fez a versão para o inglês da bela biografia do Jobim, da Helena Jobim – o que também não é pouco mérito. Como você diz em sua crônica, na meia idade temos consciência plena de que a vida nos impõe desafios permanentes, com “perdas e ganhos” – estejamos nós em Paraguaçu, São Paulo, Dartmouth, ou na Conchinchina – região que era símbolo de fim de mundo para os portugueses e agora a gente sabe que fica ali no Vietnam, onde aliás minha sogra foi passar férias este mês... O mundo está caminhando para ser uma coisa só, para o bem e para o mal... Mas este problema ainda não é nosso; temos outras emergências, como o fim dos preconceitos, a sustentabilidade, a preservação da história, que é conhecimento, é a humanidade no divã. Olhando para o passado podemos nos compreender melhor... Daí volto a Paraguaçu, o passado que nos une. Gostaria muito de poder fazer alguma coisa na área cultural pela cidade, apesar de não saber como nem se teria tempo suficiente. A cidade tem, por exemplo, um casario histórico de uma beleza que surpreende todos que levo lá, principalmente aquele entorno das duas praças – central e da Aparecida, a rua Ferreira Prado... Mas estou com medo que destruam. Soube que derrubaram o casarão da d. Noêmia na praça, uma pena. Vão acabar com o pouco de beleza que tem ali. Enfim, pensei também num espaço de formação literária, mas há tantas coisas que desejamos fazer na vida e, agora a gente já sabe, o tempo é tão curto. Quem sabe unindo forças não conseguimos? Parabéns mesmo por seu trabalho, vindo a SP venha me visitar. Abraços,
Luís André
Darinho,
É um deleite ler as suas crônicas, comentários...
Leio sempre na "Voz da Cidade" e, hoje encontrei o seu Blog.
Um grande abraço!
Muito sucesso!
Eliane
Darinho,
Maravilhosa a sua crônica.
Somente hoje encontrei o seu Blog.
Impressionante que, logo após ler a "ultima crônica" publicada, resolvi buscar outra para ler...
Qual o destino quis?
"Labuta ou Lazer?" (publicada em 2010)
Nessa última, você também faz referência ao Jefferson...
Incrivel coincidência.
Abraços
Eliane
Eliane, muitissimo obrigado por ler e comentar com tanto carinho as minhas cronicas. Elas coisas simples, mas vem do coracao! Tudo de bom para voce!
Parabéns Darinho pela crônica sobre a meia-idade.
Você conseguiu me emocionar, não só a mim como a muitas pessoas com as quais conversei.
Um abraço a vc. e continue nos presenteando com seus ótimos textos.
Beatriz.
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