O Peixe de um Cronista
Dário Borim Jr.
Qual é a diferença entre um cronista
e um fofoqueiro? Não sei não. Existe? Talvez se possa dizer que o que vale é o
intuito, e como funciona a coisa, e não como é a coisa em si. Por exemplo, a
crônica é arte que visa entreter, informar e provocar reflexão ao contar um
caso, seja ele alegre ou triste. A fofoca é vício, como birita, cigarro, chocolate,
FaceBook, ou telenovela. Na pior das hipóteses, a fofoca é maliciosa -- ou até
mesmo cruel. Sai da boca pelo prazer de espalhar notícias sobre acontecimentos
e comportamentos que quase sempre comprometem a imagem de uma pessoa conhecida.
Quase nunca positivos, esses casos são comumente mentirosos, frutos de um
espírito maldoso e mesquinho. Na melhor das hipóteses, a fofoca é apenas
leviana. Brota inocente de uma imaginação fértil e desocupada.
Quem sabe vocês já me
conhecem de outros carnavais. Afinal de contas, escrevo e publico crônicas há
mais de 30 anos. De outro modo, quem sabe, depois de ler os casos que pretendo
aqui relatar, talvez vocês concordem comigo: pelo menos enquanto cronista,
Dário Borim Jr. não é fofoqueiro. Talvez
o oposto dessa conclusão seja oposto a ela duas vezes: enquanto fofoqueiro, sou
cronista. Verdade? Adoro e capricho não apenas ao escrever mas também ao contar,
em viva-voz, um caso qualquer. Para aqueles que me conhecem pessoalmente, deixo
essa querela para vocês decidirem por si mesmos, baseados nas lembranças de
nossas conversas em festas, caminhadas e botequins.
De antemão, confesso:
tenho a consciência tranquila e ponho a mão no fogo. Julguem-me, bem ou mal,
entre uma crônica ou uma fofoca que ouvirem de mim, hahaha… mas falem de mim!
Ah, isso já está estando indo longe demais: chega de teoria e filosofia! Estou
(sem querer sonhar com tal honra) já soando como um Machado de Assis de
meia-tigela, o que seria uma (des)honra a um dos maiores cronistas (ou
fofoqueiros?) do Brasil.
O primeiro “causo” que
pretendo relatar (porque em Minas contamos “causos”) é o de um professor,
historiador e jornalista -- um grande amigo da Galícia. O segundo caso é o de
um casal de amigos de alguns amigos meus. O problema é que o espaço para a
crônica no jornal é menor que a paciência de quem espera uma boa fofoca. E eu
gastei muito espaço aqui com minhas teorias e filosofias. Meu irmão, o Tatau,
não por coincidência, engenheiro, detesta as partes teóricas das minhas
crônicas. Acha que é pura encheção de linguiça, falta de assunto… hahaha.
Desculpem, mas não sou um José Simão, da Folha
de São Paulo. Sou um acadêmico, das humanidade: sem teoria, sou degolado
pelo sistema.
Então, pronto: aqui vai o
“causo” de hoje. Vim a conhecer Alberto Pena Rodriguez (seu nome de batismo) na
Universidade de Massachusetts Dartmouth faz ano e meio. Seu avô criou quatros filhos trabalhando de
pescador, sem contar com mais que uma pequena barca de madeira. Vida penosa! O
pai de Alberto, por outro lado, saía pelos mares como pescador e marinheiro por
períodos de até um ano e meio. Depois regressava à Galícia, e o pequeno Alberto
às vezes nem o reconhecia. O pai passava um ou dois meses com a esposa e dois
filhos, antes de voltar novamente ao mar do Norte. Vida dura!
Alberto então começou a
trabalhar temporariamente aos 15 anos de idade. Assim foi economizando dinheiro,
ao frequentar o segundo grau, para poder estudar Jornalismo em Madri. Nos anos
de faculdade, trabalhava durante o verão limpando as praias de seu vilarejo,
Moanha, a 20 km de Vigo. Pouco tempo após se bacharelar, foi contratado pela
TVE (Televisão Pública Espanhola) como jornalista correspondente na Galícia,
com ótimo salário. Naquela parte do mundo e naquela época, início dos anos 90,
um rendimento mensal de 3.000 dólares não era nada ruim para um jovem de 24
anos.
Sucesso profissional e
dinheiro no bolso não lhe eram suficientes. Queria realizar outros sonhos, e um
deles era entrar para o mundo acadêmico e se tornar pesquisador. Depois de três
ou quarto anos trabalhando como jornalista, abandonou o emprego que lhe dava
boa remuneração e prestígio social (pois aparecia diariamente na TV). Solicitou
e recebeu uma bolsa de estudos para fazer doutorado em História do Jornalismo,
novamente em Madri. Alberto, pois, trocava o bom salário de jornalista pelos
baixos rendimentos de estudante-bolsista, mas com forte determinação ele buscava
os seus ideais.
Poucos meses após se
tornar doutor, passou em concurso para a Universidade de Vigo, onde logo foi
promovido a decano e, em pouco tempo, a diretor da faculdade. Casado com
Estela, uma advogada, e pai de Lina, de 9 anos, e Denís, de 2, Alberto
deixou-os penosamente na Galícia por um semestre (é muito afetivo o meu amigo),
período em que deu um seminário na Pós-Graduação em Estudos Luso-Afro-Brasileiros
e Teoria e pesquisou no Arquivo Mendes-Ferreira da UMD. Nesse mesmo período, não
apenas fez mais investigações, inclusive nas universidades de Harvard, UC
Berkeley e Brown, mas também concluiu um livro sobre toda a história do
jornalismo luso-americano.
Antes de regressar a sua
família e a seu país, Alberto deu-me o prazer de vir almoçar comigo. Fiz-lhe um
haddock fresco, apesar de saber que o
homem conhecia muito bem da arte de se preparar
um bom pescado. Contou-me sua história diante de um cozinheiro curioso, que não
se cansava de lhe fazer novas perguntas. Alberto disse que gostou do meu peixe,
mas quem ganhou o peixe fui eu, um cronista (ou fofoqueiro de boas intenções) muito
feliz ao ouvir tal bela história de um homem simples e generoso, uma pessoa
inteligente e competente, um conhecedor e realizador de sonhos.