Ai, Jesus!
(Uma crônica-sacrilégio)
A imagem icônica e majestosa de Jesus Cristo o Redentor
de braços abertos sobre a Baía da Guanabara anoiteceu vestindo um uniforme rubro-negro, menos de uma semana atrás. O reconhecimento celestial de uma glória assaz mundana não
foi por acaso. Por conta do que de mágico anda acontecendo em campos de futebol
do Brasil e Peru, aqui vai um “causo” sobre a questão, como dizemos em Minas. É
uma piada da vida real que nasceu inspirada pelo que ouvi ontem de um amigo português,
o Francis Mendes. Ele deve ser parente em algum braço da minha multiétnica árvore
genealógica! Seria ele um descendente de novos-cristãos? Quem sabe um ex-judeu,
supostamente como nós mesmos, netos do saudoso Adolpho Mendes?
O Francis me
disse que um canal de TV de Portugal estava colhendo alguns louros
nacionalistas por conta do gigantesco sucesso do técnico lusitano Jorge Jesus,
do Flamengo, equipe de futebol do Rio de Janeiro. O Mengo, apelido carinhoso do
time considerado o mais popular do Brasil, conseguiu a incrível e histórica façanha
de obter dois títulos extremamente prestigiosos em menos de 24 horas: campeão
da Taça Libertadores da América e da Série A do Campeonato Brasileiro. A
primeira conquista foi sacralizada em partida realizada em Lima, Peru, onde seu
artilheiro GabiGol marcou duas vezes em dois minutos de prorrogação, virando o placar
do jogo quando as esperanças flamenguistas sumiam morro abaixo. Meu amigo
Francis até perdeu a fé em Jesus e desligou a TV antes do apito final. Não pôde,
pois, vislumbrar o milagre em tempo real. Disse-me que Jesus era meio pé-frio;
já perdera muitas decisões de campeonato pela carreira afora. A segunda apoteose
aconteceu pela matemática dos pontos corridos do dito Brasileirão, certamente a
liga de futebol mais disputada do mundo, por conta de seu elevado número de participantes
com reais chances de terminar a competição em primeiro lugar: mais motivo para
o êxtase rubro-negro!
Não é pecado,
acho, dizer que o Jesus português é hoje venerado ao sul do equador. Disse o
próprio outro dia que ainda vai virar “uma lenda na história do futebol
canarinho”. Ele é a quem os torcedores cariocas chamam de Mister – será que é porque
o homem é um raro estrangeiro no comando de equipes futebolísticas brasileiras,
e por isso, um tipo “gringo”? Como se revela pelo seu sotaque, às vezes difícil
para o brasileiro entender (tanto que de vez em quando as emissoras brasileiras
usam legendas para ajudar os tupiniquins), Jesus é com certeza lá de além-mar, da
terra dos nossos patrícios. Curiosamente ele até foi técnico, por muito tempo,
do “Flamengo” de Portugal, o clube de maior número de “adeptos”, o também apaixonadamente
vermelho Benfica.
Muito bem:
vamos ao causo, o mote dessa falsa crônica-sacrilégio. Uma emissora de TV portuguesa,
disse-me Francis, estava transmitindo a festa histórica e homérica, com muito
samba e muita cachaça, que ocorria em plena segunda-feira nas praças e avenidas
do centro do Rio de Janeiro. Milhões, sim, milhões, de flamenguistas
homenageavam os jogadores e a comissão técnica da equipe campeã. Todos se viam,
de repente, simplesmente no céu. Aí um repórter lusitano se aproximou para
entrevistar um torcedor muito exaltado, provavelmente já meio bêbado, como
outros milhares de torcedores. Perguntou-lhe:
“Então,
pois, que achas do Jesus?”
O carioca
não pensou duas vezes:
“O Jesus? Jesus
é FODA”!
Imaginem aquela
situação, uma chula, mas falsa, blasfêmia de tal ordem – em transmissão ao vivo
para todo o país Ibérico! Coisa do carioca, ou coisa do futebol, diria o Nelson
Rodrigues!
Mesmo muitos
mineiros da gema, como eu, também puderam sentir um gostinho da vitória em Lima.
Afinal de contas, a partida que decidiu o título foi contra o River Plate, da
Argentina. Então, como os portugueses, eu também tiro aqui uma casquinha de
orgulho nacionalista, já que é extradoce e, muitas vezes, comovente vencer os rivais
portenhos no futebol. A richa é velha, mas não se esvai com o tempo. É como
vinho: só melhora!
Naquela hora
do jogo de “sapassado”, em bom mineirês, estávamos todos unidos na justa e
gloriosa missão de superar, em terras peruanas, os nossos “hermanos”, como
carinhosa e ironicamente chamamos os argentinos. Aliás, juntos estaremos outra
vez, mineiros e flamenguistas, logo em dezembro, quando o Flamengo, de Mister Jesus,
o Foda, poderá vencer a equipe inglesa do Liverpool, em Qatar. Quem sabe o clube carioca será, com alguma ajuda divina, o Campeão Mundial de
Interclubes de 2019? De fato, lá em Minas há muitos flamenguistas, uns até bem
chatos, de tão fanáticos. Tem problema não. Lá em Minas tem de tudo. Só não tem
mar. Mas pra quê mar – ai, Jesus – se temos tantas e tão belas montanhas que acariciam
os olhos e refrescam ainda mais a alma da gente?