segunda-feira, 14 de outubro de 2013

A Descontração da Noite e a Magia das Artes


Café-Teatro Sagarana, em Mariana, MG


A descontração da noite e a magia das artes

Dário Borim Jr.

dborim@umassd.edu

 

Dentro do universo das redes que existem entre artistas e amantes da arte, no sentido mais amplo da palavra, incluindo as artes plásticas, performáticas e literárias, os eventos culturais programados para acontecer regularmente nos jogam sementes de um promissor porvir. Eles nos inspiram, fomentam pontes no tempo e no espaço que transformam as vidas das pessoas, ou pelo menos nos ofecerem entretenimento estético e razão para repensar nossa existência além da rotina, conforto e banalidade do dia-a-dia.

Não moro em Nova York, Paris, Londres ou Rio de Janeiro, mas a 10 minutos de carro da minha casa se encontra o centro histórico de uma cidade que nem é exatamente a cidade em que resido: New Bedford, Massachusetts. E a comunidade artística de New Bedford, que já foi uma das cidades mais ricas do mundo por conta da caça às baleias, no século XIX, conseguiu uma belíssima façanha: a Aha Night, ou Noite do Auê, que se realiza na segunda quinta-feira de cada mês. Os bares e restaurantes oferecem música ao vivo e cardápios especiais, e as galerias de arte (que são muitas) abrem novas exibições. Música, dança, brincadeiras para as crianças, e oficinas de arte e artesanato ocupam as ruas de pedra rodeadas de lanternas coloniais e arquitetura charmosa de um tempo em que o dinheiro abundante fazia muita diferença naquela paisagem urbana.

Na última quinta-feira, na Aha Night deste mês de outubro, encontrava-me com dois amigos que conheci quase que exatamente um ano atrás. Em outra edição da Aha Night, em noite memorável, eu fizera minha estreia como fotógrafo em uma exposição coletiva denominada Postcards from New Bedford. Entre os visitantes, lá estavam Don Burton e Leila Kaas – ele, artista-cineasta americano, ela, professora-jornalista carioca. Apresentaram-se a mim e em pouco tempo nos sentíamos amigos. É que além da empatia e simpatia instantâneas que cada um parecida notar no outro, eles chegavam da Califórnia (onde moraram vários anos) com um recado de um amigo brasileiro que tínhamos em comum em Los Angeles, Sérgio Mielniczenko, o famoso radialista e attaché cultural do Consulado do Brasil naquela Meca do cinema. Uma nova cadeia de afeições e interesses artísticos em comum se criava rapidamente entre nós três.

Um ano mais tarde, Don, Leila e eu desfrutamos de mais uma noite artística pelas ruas de New Bedford. Vimos belíssimas exposições no Museu de New Bedford e ouvimos música clássica de violino e violão tocada por um trio assentado em um sofá cercado de dois abajures, tudo posicionado no meio da rua. Chegou a hora em que apenas Don e eu nos dirigimos a um pub onde uma banda de seis músicos tocava uns velhos blues e alguns rocks de arrepiar. Conversamos por mais de três horas, Don e eu, e não faltou assunto relacionado às artes e às emoções da vida noturna, onde se encontram pessoas criativas e abertas para a troca de histórias e ideias.

Papo vai, papo vem, falamos de literatura, e dali vieram lembranças de outras noites culturais programadas que marcaram a minha vida. O palco dessas memórias foi o Café-Teatro Sagarana, de Mariana, Minas Gerais. Hoje ele é gerenciado por Ana Lana Gastelois, mas, naquela época, nos meus bons tempos de professor da Universidade Federal de Ouro Preto, quem administrava a casa era sua mãe, Magdalena Gastelois, professora de francês, escritora de vários livros infantis, e mestre fundadora da famosa escola-piloto Picapau Amarelo (1969), de Belo Horizonte.

Minha amiga do peito, Magdalena era uma figura inesquecível pelo seu despojamento, sua coragem como inovadora do ensino de línguas estrangeiras através do teatro. Ela se apaixonara por uma esplendorosa casa edificada em uma fazenda da distante cidade de Campina (localizada no sudeste mineiro), e resolveu comprá-la – sim, apenas a casa. Ocupou-se então de transplantá-la em dezenas de viagens de caminhão, telha por telha, tijolo por tijolo, para um lote que havia comprado na cidade de Mariana. Conseguiu. A charmosa casa já foi material de reportagens em revistas de arquitetura. A parte onde funcionava o estábulo da construção original Magdalena transformou em café-teatro, o Sagarana, inaugurado em 1998 com mesas e cadeiras também num belo jardim em frente. Entre outros eventos inesquecíveis, disse eu a Don, Magdalena e outros professores ali realizavam semestralmente o Festival das Línguas, com peças de teatro encenadas pelos alunos da UFOP em francês, grego, inglês, espanhol e italiano.  

Também contei a meu amigo Don – nessa mais recente noite de Aha – que no período em que trabalhei na UFOP, entre 1997 e 2000, havia sempre uma programação cultural intensa programada para cada semana do ano letivo. Na quarta-feira, uma noite de debates, com professores, alunos e representantes da comunidade de Mariana e Ouro Preto. Na quinta, forró com diferentes bandas da região. E, na sexta, dança livre.

Naqueles anos eu vivia uma certa esquizofrenia histórica ao ter um pé assentado no fim do século XX, em Belo Horizonte, onde morava com minha família, e outro pé no fim do século XVIII, naquela cidade barroca, onde as “noites” às vezes duravam quase duas vezes mais tempo que os dias. Sob o luar e a luz das estrelas, rodeado de prédios coloniais, flores e coqueiros, a diversão e a troca de ideias eram intensas. Só mesmo acabavam no meio da madrugada. Eu não queria perder nada daquilo. Por isso ocasionalmente eu ficava até o fim do expediente. As consequências eram radicais para o corpo, mas fenomenais para a mente. Certas vezes deixei o café-teatro pelas três e tanto da madrugada para ir dormir num hotel onde eu residia por três dias a cada semana. Antes das sete horas já tinha que estar de pé de novo. Tomava duas ou três xícaras de café e saía cantando ou assobiando, quase que marchando, de tanta disposição para trabalhar. Ainda, é claro, sob efeito da magia da noite, logo estaria em sala de aula, onde possivelmente ministrava algumas de minhas melhores e mais inspiradoras aulas ao discutir as obras de Blake, Dickinson, Hardy ou Shakespeare.

Não se pode subestimar o prazer estético e o poder espiritual dos eventos culturais do Café-Teatro Sagarana e do Aha Night, na barroca Mariana ou na velha New Bedford, duas cidades históricas da minha própria história de vida, assim como todos os outros eventos programados e incentivados pelas comunidades dentro e fora das universidades. Se duvidarem, perguntem a meus ex-alunos da UFOP, ou visitem New Bedford na segunda quinta-feira de cada mês. Como dizia Hamlet a Horácio, “há mais coisas entre o céu e a terra do que podes sonhar na tua vã filosofia”. Muitas dessas coisas podemos descobrir ao desligar a TV e o computador para ir conviver um pouco mais sob a descontração da noite e a magia das artes.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

O Poeta da Paixão em Oxford



O Poeta da Paixão em Oxford

Dário Borim Jr.
dborim@umassd.edu 


Acabo de passar um fim de semana extraordinário. Afinal de contas, não é a qualquer momento da vida que podemos visitar uma das universidades mais famosas do mundo que, por coincidência (brincadeira, é claro), se situa numa das mais belas cidades pequenas do planeta, ambas, de mesmo nome: Oxford. Para mim, e para muitos de nós brasileiros, Oxford nos lembra Vinicius de Moraes, que lá viveu e estudou entre 1938 e 1940. Também por coincidência (mais outra brincadeira?) para lá fui com a missão de discutir a natureza da paixão na vida do poeta e músico carioca. O assunto é longo. Quem sabe escrevo um livro sobre ele. Enquanto o desejo permanece apenas em forma de miragem, aqui segue uma amostra, e não um resumo, do que falei a outros pesquisadores neste último sábado, exatamente (mais uma coincidência)  75 anos depois de Vinicius partir de navio para a Inglaterra, a 7 de setembro de 1938.
A paixão de Vinicius de Moraes pela vida, isto é, por certos elementos que dela mais valorizava, como a aventura romântica, a amizade, e a sexualidade, se via frustrada sob o sentimento de solidão, as restrições disciplinares, e o marasmo social, aspectos de seus anos em Oxford. Em carta a um ex-colega da faculdade direito no Rio, San Thiago Dantas, publicada em obra organizada por Ruy Castro, Querido Poeta: Correspondência de Vinicius de Moraes (Cia. dads Letras 2003), o jovem Vinicius tece metáforas para descrever aquela “vida sagrada, vagamente misteriosa e envolta em mantos de realeza” (68). “Tenho que essas são coisas íntimas,” admite,  e “vivê-las é como se despojar delas” (68). O que chama de tempo da inocência ele deixou para trás. Já teve muitas experiências que o impedem de “fantasiar mais minha vida em cap and gown e me ordenar sob outra lei que não seja a da minha liberdade instantânea” (68).
Oxford parece se constituir para ele numa Victorian lady, muito bela e muito casta. “A vontade que me dá,” arrisca-se a dizer, "é traí-la, fazer molecagem como um bom brasileiro e representar personagem de aventura, mas já estou bem-educado demais para isso, e mesmo creio que não se deva ferir uma coisa tão exatamente bem-proporcionada como Oxford” (Querido Poeta 68).
Desenvolvendo uma colcha de metáforas e símiles,Vinicius argumenta que “Oxford é a carne inglesa” ou qualquer coisa “de monástico, de subterrâneo e submarino. Pode te dar tanto a impressão de um campo minado, como o de um convento, como o de uma mina de minério, como o de um aquário de belos peixes, essas coisas enfim que não querem dizer nada e cuja vida íntima não se sabe que razão têm, nem a que leis obedecem para se manter” (Querido Poeta 68). Outras imagens reforçam a mesma impressão do estéril e do anódino na famosa universidade: “Uma peça, um cisma, toda uma religião, mas nada de vivo: de lawrenciano, de rimbaudiano, de dostoievskiano, de shakespeariano ou quem mais você queira de fundamentalmente humano em si” (68).
Aos quase 25 anos o poeta pensa que a experiência de vida em Oxford o vá fazer envelhecer, “e é pena, mas por outro lado pode me fazer muito bem. Vejamos. Tenho medo dessa beleza fria, que mata em vez de fecundar. Tenho medo dessa arte de anjos, dessa arquitetura celeste, ao mesmo tempo eterna e impalpável. É tudo alto demais, inacessível” (Querido Poeta 69).
Em carta de janeiro de 1939 a um casal de amigos, o olhar poético de Vinicius não ignora, porém, a formosura do ambiente quando neva em Oxford: “É bonito de ver todas essas torres, todos esses edifícios de velhice escura, subitamente ficarem de cabeça branca” (Querido Poeta 83). Porém, em face à saudade e à sensação de displacement, exacerbada, é claro, pelos céus cinzentos e ares frios e úmidos da Inglaterra, o jovem carioca Vinicius de Moraes provavelmente ali embarcou numa viagem de paixão que, em termos práticos, o matou quatro décadas depois. Aquele quem desabafa “Ah, toda a minha poesia por um raio de sol, por um banho de mar em Copacabana!” (Querido Poeta 83), também se reposiciona: “vou vivendo aqui nessa velha cidade de gênios e de bêbados, me sentindo melhor com o contato dos segundos” (82). A solução para seus problemas em Oxford é aquela de natureza etílica: “Hoje à noite tem pileque, amanhã também. Santo estado alcoólico, tão ‘falsamente’ poético, mas tão camarada para o espírito da gente...” (84).
Evidentemente, pode-se dizer que Vinicius de Moraes viveu de paixão. Na verdade, de paixão também ele morreu, mas não foi de amores. Nesse ínterim, sua história serve para ilustrar a relação entre paixão e doença, de que trata Michel Foucault em História da Loucura na Idade Clássica (Perspectiva 1978) ao destacar a transformação pela qual passou a percepção da paixão, não mais como um fenômeno estético do ethos, como na Grécia antiga; ou moral, como nos tempos dos estóicos romanos; ou de pecado, como na Idade Média de São Tomás e Santo Agostinho; ou de insensatez animalesca, como na era do Iluminismo. Desde os meados do século XIX estuda-se diferentemente, então, aquele velho problema da paixão a partir dos anos do Positivismo e da gradativa superação das garras punitivas do poder religioso pelos bisturis higiênicos da medicina.
Vinicius era essencialmente um homem triste. Com medo da morte e com esperança de viver livre sob os auspícios do álcool, ele, durante muitos anos frequentou a Clínica São Vicente, no Rio de Janeiro, para se recuperar dos danos daquela dependência servil, compulsiva, sem, porém, jamais querer perdê-la. Bebia consciente de que o álcool o mantinha dinâmico, alegre, produtivo, e ao mesmo tempo o matava lentamente, trazendo-lhe o diabetes e a hidrocefalia. Bebia para que em torno dos amigos, dos amores e do uísque (o melhor amigo do homem, um cachorro engarrafado), não morresse de medo da solidão. Bebia para que ele pudesse afastar a solidão, que o torturava quase que diariamente. Bebia para camuflar o medo da morte, a única forma de solidão extrema, irredutível e totalizante, definida, em seu “Soneto da Fidelidade,” tão simples e tão pertinente a si mesmo, como “o fim de quem ama.”


quarta-feira, 24 de julho de 2013

Mundo bipolar

 
James Cotton, figura lendária do blues, em Newport, Rhode Island



Mundo bipolar

Que esse mundaréu velho sem porteira é bipolar, todos sabem. Não é preciso diploma de psiquiatra não. Mas que a sua esquizofrenia às vezes assusta, isso assusta sim. Vê se pode um negócio desses: minha amiga Rosa diz que em Londres o bicho tá pegando… pegando fogo! O mercúrio subiu até os 35 graus. Parece que os 35 graus na terra do novo príncipe esquentam mais que os 35 no Guaipava.  Deve ser a umidade, o ar abafado da capital londrina – sei lá!
Aliás, vocês sabiam que Guaipava tem uma comunidade na rede social Orkut? Ela se anuncia assim: “Você esta [sic] nesse momento na única comunidade destinada ao distrito de Guaipava em Paraguaçu/MG. Esta comunidade destina-se a todos que nasceram, moraram, passaram ou se sentem envolvidos com essa verdadeira comunidade”. Depois da expansão avassaladora do FaceBook, esse tal de Orkut ainda existe? Não importa. Não vim aqui pra especular sobre a vida ou a morte de nenhuma comunidade real ou virtual, mas, sim, comentar a esquizofrenia do planeta, principalmente nesses tempos de verão, no Hemisfério Norte, e de inverno, no Hemisfério Sul.  
O negócio é o seguinte: vive-se agora, aqui onde estou, a energia do sol, que traz tanta coisa boa para onde ele esquenta o baião. E por falar em baião, já faço meu tributo à arte maior do Nordeste e envio meu abraço especial para a família do fabuloso sanfoneiro, cantor e compositor José Domingos de Morais, a.k.a. Dominguinhos, que nasceu em Garanhuns, na região agreste de Pernambuco.  Aos 72 anos, Dominguinhos, o segundo Rei do Baião, faleceu hoje em São Paulo. Segundo ouvi da sua própria voz em videotape essa noite na TV, ele fora eleito e declarado “sucessor” do trono de Rei do Baião pelo próprio rei, Luiz Gonzaga. Nesta quinta-feira, o Brazilliance, meu programa de rádio e internet, fará homenagem ao músico que influenciou a milhares e encantou a milhões pessoas.
E é de música mesmo que vou encher o balaio dessa crônica veronil. Mas antes tenho que lembrar que enquanto o bicho pega em Londres, o frio fascina um monte de brasileiros que nunca viram neve. Em mais de 60 cidades, só em Santa Catarina, viram a coisa branca cair hoje. E o frio vem mesmo maltratando a muitos mais, do Rio Grande do Sul a Goiás, estado normalmente tão quente, mas onde vai gear essa noite.
Sim, gente: vai gear em Goiás! Esse mundo está muito louco – ou sou eu que perdi a estribeira do real? Então chegou o bendito frio civilizatório aos trópicos tupiniquins? Curiosamente, é neste inverno que os brasileiros estão pondo as manguinhas de fora e fazendo muita arruaça social e política, um inverno marcado pela ostensiva adesão do cidadão comum ao protesto coletivo por causas mais que justas, apesar de hípercaducas, tão antigas que se perdem de vista. Acorda, gigante, muitos dizem! É também o inverno em que surgiu com enorme força nefasta e destrutiva a categoria de “vândalo” – figura encapuçada e aparentemente paga para destruir e aterrorizar. 
Mas chega de papo de política, porque no momento quero enfatizar o efeito positivo do sol sobre a sociedade, o calor que permite e convida as pessoas a fazer e acontecer, principalmente no campo da música. Vocês devem saber ou imaginar que quando o inverno bravo assola as terras aqui mais próximas ao polo norte, pouco acontece em termos de eventos grandiosos. Porém, quando o sol começa a esquentar os ares em fins de maio, promovem-se, dia após dia, concertos memoráveis e grandes festivais de inúmeros gêneros musicais. Parece que toda a energia e todo o dinheiro ficam estocados no inverno para sair dos casulos e dos cofres nesses meses de se suar bicas e se beber cerveja aos baldes.
É fato que neste verão já vi e ouvi tanta gente boa tocar e cantar à minha frente que às vezes  até me esqueço de um ou de outro nome. Para mim a sequência de shows até agora (e ainda virão mais eventos, antes de acabar o oba-oba do calor no Hemisfério Norte) já incluiu Ana Carolina, Joan Baez, Bob Dylan, Claudia Smith, John Gorka, The Morning Jacket, Richard Thompson, Southside Johnny, e James Cotton, além das dezenas de bandas e cantores solos folk oriundos da Austrália, Canadá, Inglaterra, Irlanda, Escócia e Itália, músicos que estrelaram num belíssimo festival ali mesmo em New Bedford, a 10 minutos da casa onde moro em Dartmouth, ao sul de Massachusetts, na Nova Inglaterra.
O frenesi musical desta época do ano não é restrito a este país extremamente musical, os Estados Unidos. Na Europa os espetáculos estão rolando a rodo, e entre eles, imaginem, vem acontecendo os primeiros shows de uma banda de rock do Sul de Minas, The Dogs and the Fields, com dois rapazes de Três Pontas (Gabriel e Luis) nos teclados, guitarras e bateria, e  também um paraguaçuense, no baixo, Marco Antônio, neto de d. Walderez Prado Leite Mignacca. 
Às vezes penso no raro privilégio que é poder driblar a esquizofrenia do planeta e passar dois verões num mesmo ano. Para mim, este ano tem sido assim. Por conta de um semestre sabático, em que recebi vencimentos integrais para pesquisar, mas sem precisar ministrar qualquer curso, o professor universitário que escreve essas mal traçadas linhas pôde desfrutar do sol de dezembro, janeiro e fevereiro ao sul do Equador, e agora se deleita sob o calor efêmero, mas real, dessas praias do Hemisfério Norte. Porém, confesso: fico pensando nos brasileiros e fico com pena de quem sofre por não estar habituado ao frio intenso, frio que corta os lábios e os cantos dos dedos, e que, com a neve, pode estragar o humor geral. Seria essa a causa de tanto mau humor que vejo e às vezes sinto eu mesmo nos Estados Unidos? O inverno rigoroso também pode causar muitos transtornos e acidentes à gente a pé ou no volante. À distância, estou solidário, mas só posso desejar aos brasileiros um bom cobertor de orelha. Isso não tem preço, tanto ao sul como ao norte do Equador.


segunda-feira, 3 de junho de 2013

Deus é Brasileiro e... Atleticano!


Deus é Brasileiro… e Atleticano!

Muitas agências de notícia exploraram o mesmo tema. A BBC de Londres, por exemplo, deu, no dia 20 de março, que a presidente Dilma Rousseff “reagiu com bom humor” a uma pergunta de um jornalista argentino, quando ele questionara a opinião dela sobre o fato de o novo papa ter nascido em Buenos Aires. "Vocês, argentinos, têm muita sorte… o papa é argentino, mas Deus é brasileiro", assim argumentou Rousseff em visita oficial ao Vaticano.


Outras notícias vindas mais recentemente de Belo Horizonte vão além. Deus não é apenas brasileiro: Deus é atleticano.  Na pequena paróquia de Nossa Senhora da Piedade, da comunidade de Piedade do Paraopeba, pertencente ao município de Brumadinho, o carismático  e genoroso padre Paulo Eustáquio Cerceau Ibrahim incorporou uma trilha sonora bem especial aos ritos sagrados da Festa do Divino: o hino do Galo! Sim, aquele mesmo, “Nós somos do Clube Atlético Mineiro/ Jogamos com muita raça e amorVibramos com alegria nas vitóriasClube Atlético MineiroGalo Forte Vingador”.

 Bem, convenhamos, aquele é um hino muito especial. Segundo o site oficial do clube belorizontino, www.atletico.com.br, o primeiro hino da associação vigorou entre os anos de 1928 e 1968, mas em 1969 a diretoria atleticana encomendou ao compositor Vicente Motta o "Hino ao Clube Atlético Mineiro". Segundo a mesma fonte de informação, este hino é idolatrado pela torcida de tal modo que  se tornou o “mais cantado em estádios no Brasil”. Ainda de acordo com aquele portal, em 1976, em Nápolis, na Itália, houve um concurso mundial de hinos de clubes de futebol, e o do Galo foi o vencedor. Passou a ser considerado o mais belo entre todos os hinos de clubes de futebol do mundo.

 Não sei se padre Paulo tem paixão especial pelo Hino do Galo, ou mesmo se outras vezes já pediu que a banda da paróquia o tocasse em pleno rito religioso.  O fato é que, João Batista Vaz Xavier, um grande amigo meu, estava presente à procissão. Filmou o “fenômeno religioso-esportivo” e postou o vídeo em uma das maiores redes sociais electrônicas do planeta, o FaceBook. É também curioso que naquele mesmo domingo da Festa do Divino algo muito importante aconteceria no estádio do Mineirão, logo após a procissão:  a partida decisiva a consagrar o campeão do estado de Minas Gerais de 2013.

Antes, um verdadeiro banquete popular -- com arroz, feijão, frango assado, e muito mais -- foi servido aos fiéis. Conforme explica Batista, o padre é uma espécie de Robin Hood por conseguir doações junto aos ricos e oferecer comida e outras dádivas materiais aos pobres daquela região montanhosa de Minas. Após a comilança, todos regressaram à igreja e assistiram à missa que, coincidentemente, ocorreu enquanto jogavam Atlético e Cruzeiro em Belo Horizonte.  Acabada a missa, disse-me Batista, o padre, ainda do púlpito, se despedia dos fiéis quando recebeu um sinal do sacristão: um gesto muito conhecido, o polegar dizendo, “positivo”! Então padre Paulo não se acanhou, “Meus caros, por último uma notícia que acabo de receber: a taça é nossa!”

 Esse “causo” mineiro eu ouvi, via Skype, na quarta-feira, dia 22 de maio, 2023, véspera de uma palestra que eu daria no Dartmouth College, uma bela e rica faculdade aqui nos Estados Unidos (do mesmo grupo da Harvard, chamado ivy league). O “causo” me levou a pensar nas teorias do famoso antropólogo carioca Roberto DaMatta. Acabei iniciando minha comunicação naquela escola aludindo ao tal “fenômeno” de mistura entre religião e futebol. Todos nós rimos muito. O professor paulistano Rofolfo Franconi, presente a minha palestra, me perguntou: “e os cruzeirenses, como se sentiram na procissão, e ainda ‘pior’, na igreja?”

Nos seus trabalhos acadêmicos DaMatta enfatiza vários aspectos que apontam para as particularidades do povo brasileiro. Como explica o antropólogo no seu livro O que faz o brasil, Brasil?, o brasileiro vive em um mundo de misturas de todo tipo, inclusive a mescla daquilo que é individual com o institucional, religião com esporte, o publico com o privado, o sério com o  cômico, etc.

A dúvida do meu colega Franconi tem fundamento. As estatísticas poderiam confirmar, mas era mesmo muito provável que boa parte dos fãs do padre Paulo não torcesse para o Alvinegro. Eram fãs do Cruzeiro e, outros, do América ou de nenhuma equipe. A ética profissional -- ou clerical, como queiram -- foi para onde, nesse caso? Esse “sutil” desrespeito à diferença, às margens do mundo atleticano,  teria alguma importância? Seria outra pitada de humor, como a da presidente no Vaticano? Seria apenas uma pequena e inefável loucura de um padre fanático? Ou seria um exemplo da enorme tolerância de quem não foi incluído na reza -- aliás, daqueles contra quem se fez a reza oficial?

Pois, assim, a paixão individual do padre de Piedade do Paraopeba não se separou do seu poder eclesiástico. Ela se incorporou no rito institucional que ele administrava, com fé e formalidade, e se fez valer, a revelia da anti-paixão de cruzeirenses e americanos. De modo semelhante, a presidente do Brasil fez galhofa da superioridade do povo brasileiro sobre o argentino. Afinal de contas, em termos de poder, a figura do papa está bem abaixo daquela de um Deus, mesmo que brasileiro –principalmente quando temos um tipo de papa que já disse que pecou muitas vezes e que os ateus também podem ascender aos céus. 

Como vimos, para o deleite de muitos mineiros, tal Deus também é atleticano de carteirinha. Será que foi com ajuda divina que o goleiro atleticano Vítor Leandro Bagy defendeu um pênalti decisivo, nos últimos segundos de um jogo tão importante como o da Copa Libertores da América na quarta-feira passada? Apenas na manhã seguinte o heroi recebeu mais de 20 solicitações de entrevistas. “O Atlético não poderia ter saído da competição daquela forma. Foi também uma justiça de Deus pelo trabalho que estamos fazendo, por nossa postura”, disse o jogador ao jornal Estado de Minas.

Confirmando a tendência do brasileiro a mesclar o divino com o prosaico -- mundos da mesma moeda que, segundo DaMatta, “se relacionam de modo complexo e simultâneo” – o goleiro ainda declarou ao mesmo jornal que após o jogo, ao chegar ao condomínio em que mora, viu uma faixa no portão, que, apesar de bem simples, o tocou forte no coração: “Muito obrigado, São Victor”. Amém!


domingo, 19 de maio de 2013

A Crônica no Século XXI



Profs. Perrone, Bianconi & Borim  -  Foto de Marcelo Bianconi
 
A convite de Charles Perrone e Célia Bianconi, os dois professores universitários com quem tenho trabalhado na elaboração de um livro didático para alunos de português avançado (a sair em 2014 pela University Press of Florida), reflito aqui sobre a crônica nos dias de hoje.
Vinte anos passados, o mundo é consideravelmente outro, por conta da internet. A crônica não é exceção. Na maioria dos casos ainda publicada em folhas de jornais, a crônica hoje também chega a seus leitores por outros meios associados a internet.
A maioria dos jornais e muitas revistas do país regularmente oferecem uma versão on-line das suas publicações. Nas suas páginas virtuais a crônica mantém sua força, seu apelo enquanto leitura favorita dos brasileiros: curta, leve, informativa, instigante, e prazerosa. São vários os outros meios eletrônicos disponíveis para a disseminação da crônica, é claro. Escritores mantêm seus próprios portais, rotulados ou não de "oficiais." Seus escritos, porém, podem aparecer emprestados (ou mesmo desautorizados) em outros blogs, assinados ou anônimos.
O que se percebe como fundamental diferença entre essa prática contemporânea e a do passado anterior aos anos 90 é a facilidade e a rapidez com que hoje em dia os leitores podem ler as crônicas e publicar suas próprias opiniões e outras reações sobre elas. O cronista então se vale desse precioso meio de comunicação direta e potencialmente instantânea com os leitores, cujas origens podem ser discernidas e apresentadas automaticamente, a um canto das páginas do blog, por aplicativos eletrônicos gratuitos, como o Feedjit.
Como cronista, eu também dissemino meus escritos por meios tradicionais (revistas e jornais impressos), mas nada se compara ao imediatismo do contato com o leitor através de meu blog, Ponteio Cultural. Seguidores registrados de um blog podem receber emails anunciando cada nova postagem. Já houve casos em que recebi comentários sobre uma dada crônica, como "Uma Casa Assassinada," em menos de 10 minutos após tê-la concluído e publicado. Era o tempo mínimo para a leitura do texto.
O alcance que a literatura pode ter eletronicamente é de fato um dos aspectos mais marcantes dessa nova era de comunicações. Ao pesquisar materiais para uma seção de crônicas, do qual sou o atual editor para um periódico de referência publicado pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, o Handbook of Latin American Studies, informei-me de que o blog oficial do escritor gaúcho Fabrício Carpinejar já tinha recebido mais de um milhão visitas até 2010. Outro exemplo de enorme sucesso com o público é o de Martha Medeiros, cronista também gaúcha, colunista dos jornais Zero Hora, de Porto Alegre, e O Globo, do Rio de Janeiro.
Devido ao intenso e fácil acesso a seus textos por meios eletrônicos, Medeiros já se tornou uma autora best-seller e uma celebridade nacional. Entre os temas favoritos tanto dela como de Carpinejar encontram-se a sexualidade, o romance, e o divórcio, o que se de certo modo perfila uma nova função da crônica, a ajuda pessoal, a preocupação com os efeitos da alienação, individualismo e solidão da sociedade pós-moderna.
Outro cronista de enorme sucesso junto ao público leitor brasileiro é Contardo Calligaris, psicanalista italiano com fortes credenciais acadêmicas. Com maestria ele entrelaça, por exemplo, um pequeno incidente do seu cotidiano relevante ao público contemporâneo a certos fragmentos icônicos de seu passado. Na tela de uma mesma crônica, que se publica semanalmente na Folha de São Paulo impressa ou on-line, o autor com vasto background em antropologia médica insere comentários rápidos e incisivos sobre um quadro, um filme ou uma peça teatral relacionados àquele tema inspirado por um pequeno incidente do dia-a-dia.
Vale dizer que as oportunidades de acesso à crônica via internet também ocorrem junto a sites de vídeos e clipes sonoros, como o YouTube. Ali, crônicas de Nelson Rodrigues, como "Mártir em Casa e na Rua," hoje têm versões cinemáticas. Postam-se leituras dramáticas na voz de um grande ator (como Juca de Oliveira) de textos aclamados, como "O Padeiro," crônica do grande mestre Rubem Braga sendo reeditada no nosso livro.
De fato, dos anos 90 para cá observa-se um maior interesse pela crônica enquanto texto didático e tema para estudos acadêmicos, apesar de permanecerem vivos alguns resquícios do antigo preconceito que a relegava a um status de gênero inferior. Enquanto que nesses anos a crônica passou a ser utilizada com maior assiduidade nas escolas de ensino fundamental e médio no Brasil, hoje cursos de pós-graduação a adotam como tema central. Têm surgido nessas duas décadas muitas antologias, como a de Joaquim Ferreira dos Santos, As Cem Melhores Crônicas Brasileiras, e outras que oferecem os melhores textos de um mesmo autor, como os do carioca Lima Barreto ou da cronista cearense Rachel de Queiroz.
A crônica enquanto texto curto e sem muitos rodeios metafóricos ou estilísticos se enquadra muito bem nesse novo mundo regido pela eletrônica, em geral, e pela internet, em particular. Em primeiro lugar penso que as pessoas estão se tornando cada dia menos capazes de manter a concentração por longos períodos de tempo, o que se faz necessário para o prazer da leitura de um romance, por exemplo. Ademais, a comunicação interpessoal através da mídia social, como o Facebook, é rápida e direta, de contínuo e livre acesso ao que disse alguém que nem conhecemos. A crônica, por ser breve e por aparecer na mídia eletrônica oferecendo espaço para a conversação entre autor e leitor, exerce um poder de atração e de intimidade jamais vivenciado entre essas partes.
Por último, recordemos que o imediatismo da circulação de notícias e o envolvimento das pessoas em tempo real com o que se passa no mundo as tornam mais inclinadas a ler uma forma de literatura não apenas centrada na realidade, mas também calcada na contemporaneidade, simultaneidade e transitoriedade de como se vive, se escreve e se lê. Se a crônica é a própria vida como ela é, ela, a crônica, está viva e plugada a um dia-a-dia que a torna mais forte, mais necessária, e mais susceptível a transformação.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Esse Chocolate Meio-Amargo da Meia-Idade





Esse Chocolate Meio-Amargo da Meia-Idade

Dedicado a Jeferson Ribeiro de Andrade

Dário Borim Jr.

É na meia-idade que muitos se tornam avós. E perdem seus pais. Filhos se formam da faculdade, têm filhos, e filhos morrem de acidente. Filhos assumem um grande emprego, e filhos se movem, quando se movem, à deriva. Nossos pais comemoram com alguma festa os seus 70, 80 ou 90, mas envelhecem rapidamente, perdem a memória, perdem a capacidade de se locomover, ou perdem a consciência, isso quando ainda não se despediram de nós, é claro.

 Amigos se redescobrem também, estejam onde estiverem. O FaceBook ajuda. Ficamos sabendo melhor o que é a alegria e o drama de se passar por esses anos da meia-idade.  A morte, a solidão, e o desencanto com a vida assolam a paz de muitos de nós. Olhamos para trás. Olhamos para frente. Para cima e para baixo também. Para o que temos, o que tivemos, e nunca tivemos. Para o que nos incomoda e para o que ainda podemos sonhar em fazer. Há tempo ainda. Há disposição ainda. Temos coragem, mas temos consciência de que em todos os cantos onde podemos, desejamos ou não desejamos morar (bairros, cidades, estados, ou países diferentes), haverá desafios, com suas perdas e ganhos.

Nesse sentido, como dizia o existencialista Jean-Paul Sartre, a vida é Sem Saída, título de uma de suas peças. Não adianta. E esqueçamos por ora o significado da vida. Ferreira Gullar fala bem ao ironizar os existencialistas. A vida não tem nenhum significado sem você. Você é quem dá significado à vida. Se quiser olhar só para baixo e pensar que a vida é só baixaria, ignorância, tristeza e violência, não falta argumento, não falta exemplo concreto de que é isso mesmo. E vem lá desgraça: desemprego, desamor, dívida, desespero, desentendimento, desunião, doença... Só com a letra "d" eu conseguiria encher essa crônica de desencanto, depressão, demência, debilidade, desconserto, etc, etc.

Não vale pena a manter o queixo somente inclinado para trás, não, e assim se sentir de alma lavada ao proclamar as tristezas da vida. Eu prefiro não me esquecer delas exatamente para ser razoavelmente realista, mas, também, para saber valorizar melhor e comemorar com mais zelo o outro lado da moeda. As oportunidades. O carinho.  A saúde. O amor. A amizade. A coragem. A alegria de viver! Vejo, porém, que olhando para os dois lados, expondo-me à dor e ao sabor da vida intensamente, pago um preço e me vejo questionando meu olhar, minha sensibilidade e, com ela, minha vulnerabilidade aos altos e baixos.

Quando questiono (sim, questiono até hoje) a minha opção de morar no exterior, e já foram três vezes em que optei por morar nos Estados Unidos, saio desse questionamento com mais perguntas e algumas conclusões. Que teria sido de mim se eu tivesse dito NÃO em alguns daqueles momentos de dúvida: mudar ou não mudar do Brasil? São muitas as indagações, mas uma é meio curiosa e me traz um sorriso como ao comer um chocolate escuro, gostoso e meio-amargo. Conclui que tenho uma veia quase masoquista (uma só entre tantas veias?). Lembro-me que, um dia desses, eu disse assim para mim mesmo: se você for infeliz no exterior, você pelo menos terá assunto para escrever suas crônicas e seus livros. Grande recompensa, eu ironizo hoje.

Então tomem essa crônica como uma barrinha de chocolate escuro, gostoso e amargo. Na verdade não era isso não que eu queria fazer, oferecer-lhes essa barrinha. Mas é que a meia-idade é barra mesmo, gente. Já temos nossos laços emocionais, profissionais e sociais atados ao lugar onde vivemos, mas não estamos felizes. Temos o conforto da estabilidade que vem do que criamos, mas já estamos cansados de viver destituídos de valores que renegamos para vir e ficar onde estamos. Temos ânsia de mudar, e medo de perder o que temos. Temos décadas e décadas de vivência, de muitas lembranças, mas temos a certeza cada vez mais forte de que não nos restam muitas décadas de vida, talvez nenhuma, talvez nem mais um ano.

Aquela certeza cresce enquanto crescem nossas dúvidas sobre o que fazer nessa tarde, antes do sol se pôr. Se passarmos da última hora do Ângelus, o que a noite nos trará? Ao assistir a uma entrevista com o poeta e músico Leonard Cohen, ouvi dele, aos 70 e poucos anos de idade, a seguinte observação: não me importo quase nada com a morte, mas sim com os preliminares dela, as condições em que estarei ao me aproximar dela. Então vejo que para muita gente a reaproximação aos velhos amigos é uma opção. A humanidade está vendo sobreviver uma multidão de idosos. Comparado com outras eras, o mundo de hoje é de muitas pessoas chegando aos 80, 90 e até mesmo aos 100 anos de idade. Por causa disso até a definição de meia-idade já mudou, mesmo que, segundo o Dicionário Aurélio, essa idade ainda seja aquela entre 30 e 50. Então já estou na terceira-idade há quase quatro anos. Quem, eu?

Mas como viver até o fim daquela idade avançada, a dita terceira-idade? E quem cuidará de nós, se nessa idade estivermos incapacitados, seja física, emocional ou financeiramente? Será que mais e mais amigos idosos tentarão morar juntos até que a morte separe cada um deles dos demais? Será que mesmo antes desses anos, mas já em plena meia-idade, os velhos amigos não poderão se reunir mais amiúde? Quem sabe uma vez por mês se verão num coreto, bar ou restaurante, para trocar idéias, trocar sugestões e impressões de livros, filmes, peças teatrais, trocar conselhos, dores,  preocupações, apoio e carinho? 

Minha irmã Silvinha, seu marido José Codo, e alguns de seus melhores amigos se reúnem assim. Há entre eles até mesmo homens e mulheres que um dia foram casados entre si. Não o são mais, mas lá estão, como amigos, se vendo a cada quatro semanas, melhorando a qualidade de vida de quem já criou os filhos, viveu amores e desamores, teve uniões e separações, viu neto nascer e mãe morrer. É gente que sabe bem como que pouco nesse mundo se compara ao prazer da amizade alegre, carinhosa, divertida, descompromissada, profunda e sincera. Quem sabe não é essa uma das melhores barras de chocolate, saudável e saborosa?



Mirem-se nas cenas de Atenas

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