quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Pelo telefone do século XXI



Dário Borim Jr.

dborim@umassd.edu

Em 1916 o telefone era uma tremenda novidade, uma espécie de “coisa do outro mundo”. Quase um século atrás, a maioria da população nem podia sonhar com tal luxo. Passavam-se os anos da Belle Époque e da chamada Era de Ouro de enormes invenções humanas: o Titanic, o automóvel, o avião, etc. O telefone tornou-se logo símbolo de status e, muito depois, uma imprescindível necessidade de todos—pobres ou ricos. Porém, até os anos 90, o serviço telefônico custou o olho da cara no Brasil. Lembro-me de que uma linha chegou a valer o equivalente a uns 4 mil reais. Em nossas peregrinações por múltiplas repúblicas em Belo Horizonte nos anos 70 e 80 sempre tivemos que alugar nossas linhas e ir ao centro da cidade todo mês para saldar as contas. Ainda por cima, era preciso contar com almas generosas, como a do saudoso Ti-Tom (Gladstone Prado), para servirem de avalistas.

O governo militar, como se sabe, controlava o acesso ao serviço restringindo a competitividade e assim mantendo os preços fora de lógica e fora de alcance à maioria dos brasileiros. Então João Figueiredo desceu do cavalo e… salve Fernando Henrique Cardoso, e afasta de mim aquele “cale-se” chamado Telebrás! Que coisa horrível, não? Mas é assim mesmo que a modernidade se instaurou no Brasil: lenta e injustamente e... cheia de disparates.

Hoje o telefone celular (o “telemóvel” para os portugueses e africanos) é um dos instrumentos eletro-eletrônicos mais usados em todo o mundo. Em nosso país deve haver mais telefones celulares do que bíblias católicas ou protestantes. São milhões e milhões deles, e por isso temos um sério motivo para pensar que, como os povos de outros países, também vivemos numa forma de pós-modernidade globalizada.

Antes de falar desses nossos dias de internet, i-phone, i-pod, e GPS, eu queria recordar um samba histórico e controvertido por natureza, composição e gravação: “Pelo telefone”. Para lembrar-lhes da canção, aqui estão dois de seus famosos versos: “O chefe da polícia pelo telefone manda me avisar / Que na Carioca tem uma roleta para se jogar”.

Em uma de suas passagens mais engraçadas a canção se auto denomina “samba”: “Porque este samba, sinhô sinhô / É de arrepiar, sinhô sinhô / Põe a perna bamba sinhô sinhô / Mas faz gozar”. A questão é que “Pelo telefone” foi escrito em 1916 e lançado em 1917, quando a tradição do samba ainda não tinha sido estabelecida. Apesar de muitos historiadores registrarem essa canção de Ernesto Joaquim Maria dos Santos (mais conhecido como Donga) e Mauro de Almeida como se tivesse sido o primeiro samba gravado, na verdade “Pelo telefone” não foi o tal, porque essa canção não é samba. É, sim, um maxixe que fez enorme sucesso no carnaval por várias décadas.

A controvérsia, de fato, é anterior a essa questão de gênero musical, que aliás, ficou mais ou menos resolvida ao se concordar que “O telefone” seja um samba-maxixe. Segundo alguns pesquisadores, Donga foi muito “espertinho” e registrou o “samba” como se fosse somente seu. A escrita teria sido coletiva, entretanto, numa roda de cerveja e cachaça na casa da Tia Ciata, famoso reduto de boêmios na primeira capital da República.

O telefone enquanto “personagem” na canção de Donga (e companheiros) proporciona acesso a informações estratégicas ao malandro sobre roletas (provavelmente ilegais) no centro da cidade. Curiosamente a dica vem de um chefe de polícia. No poema-canção o telefone também serve para uma conversa um pouco estranha entre o malandro que canta e um dos seus rivais, que ouve uma espécie de praga do cantor-poeta: “Tomara que tu apanhes / Não tornes a fazer isso, / Tirar amores dos outros / Depois fazer seu feitiço”.

O uso do telefone no Brasil ainda é uma questão às vezes associada à ilegalidade e marginalidade, como se percebe nas discussões da mídia sobre o controle dos celulares de traficantes em liberdade ou no cárcere. Porém, a sociologia desse instrumento de comunicação no Brasil tem muitos outros aspectos. Recentemente li uma entrevista do antropólogo Roberto DaMatta a minha colega de profissão, Luci Moreira, em que o carioca discutia os efeitos da pós-modernidade e da globalização. No Brasil, afirma DaMatta, o telefone celular é muito usado para falar com a família e amigos. Sua difusão, argumenta o professor, “tem a ver com a sua capacidade de ampliar um valor tradicional, no caso, as velhas relações familiares e de amizade da sociedade brasileira”.

Sem discordar do grande antropólogo, desconfio que algo mais esteja paulatinamente acontecendo no Brasil de modo semelhante ao que se vê com mais frequência aqui nos Estados Unidos. O telefone hoje é um computador. Como tal, ele nos oferece muito mais que essa comunicação familiar. O meu telefone LG, por exemplo, me auxilia a dirigir, literalmente dizendo onde estou, onde devo virar, onde há engarrafamentos, postos de gasolina, restaurantes, farmácias, hospitais, e tal—tudo pelo sistema GPS, via satélite.

O telefone do século XXI também afasta as pessoas, entretanto. Dão-lhe entretenimento privado, particular e exclusivo. Também oferecem amizades fictícias e amores levianos, alguns deles perigosos ou abusivos. Ademais, observa-se como que adolescentes se sentem mais independentes e agem com muito menos interferência dos pais. Antigamente, com apenas um telefone em casa, pai e mãe tinham uma idéia de quem telefonava para seus filhos. Sabia-se até mais que isso, por se ouvir parte da conversa na mesma sala ou copa onde se encontrava o aparelho. Hoje, os pais têm pouquíssima consciência de quem telefona aos jovens da casa. Estes conversam, fazem planos, e muitas vezes os pais são os últimos a saber do que os filhos e amigos já combinaram de fazer.

Esse enorme acesso à comunicação também permite que o jovem viajando com os pais se mantenha em contato com os amigos que deixou na sua cidade. Ele então não se desprende totalmente do que poderia estar fazendo se não estivesse acompanhando os pais, e lá vem conflito, um conflito muito maior do que o que se conhecia no passado. Gostariam de estar em vários lugares a um só instante, o que (ainda?) é impossível. Já são capazes, porém, de fazer mil coisas ao mesmo tempo: assistir a um filme, ouvir música, escrever e enviar mensagens eletrônicas, comer chips e ainda falar com um amigo ao telefone.

Este mundo pós-moderno tem muitas maravilhas, sim, mas causa muitos danos, também. É lamentável a noção de “direito” que muitas crianças e adolescentes vêm adquirindo. São jovens que crescem pensando que filmes, canções, jogos eletrônicos e conversas constantes com os amigos fazem parte de um mundo de privilégios com os quais nasceram e que tudo o mais nas suas vidas deverá ser assim: fácil, rápido, eletrizante, colorido e digital, como é a vida pelo telefone no século XXI. Não sei não, mas desconfio que muita decepção também virá em forma de correio eletrônico, por um i-phone, i-pod, ou coisa parecida. Um dia a ficha vai cair e muitos jovens vão saber que sem trabalho e sem luta não se chega a lugar algum, pois nada cai do céu. Apesar de todo o avanço da tecnologia, ainda mais importante são a fé em quem realmente somos e a determinação para se trabalhar e construir uma vida concreta, bem menos cintilante, mas bem mais firme, que a etérea e fantasiosa realidade virtual online, desse outro mundo de alta tecnologia—instantâneo e falsamente sem limites.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Enchentes, falências e batucadas

Enchentes, falências e batucadas

 

Dário Borim Jr. 

dborim@umassd.edu

Em um de seus mais engraçados e lendários sambas, “E o mundo não se acabou”, o irreverente Assis Valente (1911-1958) ironiza o medo do povo diante da suposta destruição do mundo. Carmen Miranda foi quem primeiro gravou essa canção em 1938, portanto há pouco mais de setenta anos. Nas mentes de milhões de pessoas, a aflição tinha surgido por conta da aproximação e possível colisão do cometa Halley com o planeta Terra. Assim escreve o cantor-compositor nascido sobre as areias quentes de uma praia baiana: “Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar / Por causa disto a minha gente lá em casa começou a rezar / Até disseram que o sol ia nascer antes da madrugada / Por causa disto nesta noite lá no morro não se fez batucada”.

Nesse quase incrível fim de ano, não tem havido muita batucada na Terra do Tio Sam. Uma nova desgraça em pleno mês de setembro começou a furar e queimar os tesouros dos cofres eletrônicos de Wall Street – exatamente sete anos depois dos covardes ataques terroristas matarem milhares de inocentes de muitas nacionalidades e etnias. Desta vez houve uma implosão de bombas globalizadas e pós-modernas que vêm atingindo as bolsas de valores do mundo inteiro. Dão término a empregos e à paz de trabalhadores que nada têm com o que está acontecendo, a não ser as funções de “operários alienados” e consumidores de bens manufaturados.

Na verdade, a melhor metáfora para uma das causas primordiais desse pandemônio transnacional talvez seja a da bolha. Antes de arrebentar a bolha do mercado imobiliário foi crescendo e fazendo crescer a especulação financeira em plena era do dinheiro virtual, dinheiro que não existe enquanto cédula e que não corresponde às antigas barras de ouro. É dinheiro que percorre milhões de quilômetros em forma de bits informáticos por meio de cabos, internet sem fio e telas de computador antes de fabricar poucos bilionários e muitos subempregados ou desempregados. É dinheiro embalado em forma de títulos financeiros de investimento em ações virtuais de compra e venda daquilo que não existe fora dos circuitos eletrônicos de comércio.

Sem ligação com os homens ricos e poderosos, a voz (provavelmente de mulher) inventada por Assis Valente narra sua própria história fictícia, dramatizando suas reações nem um pouco desatinadas àquele anúncio apocalíptico: ela quer se divertir como nunca antes. Ela, na verdade, não quer perder uma oportunidade sequer nesse planeta antes que ele se torne um gigante cemitério: “Acreditei nessa conversa mole / Pensei que o mundo ia se acabar / E fui tratando de me despedir / E sem demora fui tratando de aproveitar / Beijei a boca de quem não devia / Peguei na mão de quem não conhecia / Dancei um samba em traje de maiô / E o tal do mundo não se acabou”.

Quem bom seria que se por somente uns dias as pessoas pudessem pôr de lado seu medo e insatisfação diante desse mundo explosivo no Iraque; sangrento na Índia; nuclear no Paquistão; retirante, doente e esfomeado na África; alagado em Santa Catarina, e falido nos Estados Unidos! Por outro lado, vale também refletir sobre plausíveis reações diante de novos rumores apocalípticos. Seriam tantos os focos de apreensão no mundo atual que, de tão preponderantes, já não há nem mais espaço nas mentes para se temer o fim do mundo?

A personagem de Assis Valente não se abateu. Muito pelo contrário: “Peguei um gajo com quem não me dava / E perdoei a sua ingratidão / E festejando o acontecimento / Gastei com ele mais de quinhentão.” Isso foi antes de a persona saber do engano geral do povo, do falso final da vida na Terra. Era tarde. Já tinha jogado fora muito dinheiro e posto de lado qualquer inibição: “Agora soube que o gajo anda / Dizendo coisa que não se passou / Ih, vai ter barulho e vai ter confusão / Porque o mundo não se acabou”.

A questão é que mesmo diante dos barrancos caindo no sul do Brasil e do número de bancarrotas subindo a cada momento nos Estados Unidos, não se teme o fim do mundo. Há, porém, grande receio de não podermos nem honrar nossas contas nem oferecer a nossos queridos o conforto que merecem. Apesar disso, sou contra o que se tem feito neste país, os Estados Unidos: o cancelamento de milhares de festas e recepções de fim de ano. O mundo não vai se acabar (e ninguém fala disso por enquanto), mas, quem sabe, uma boa batucada (ou sessão jazzística, como queiram) não seja a saída para essa dor geral diante dos barrancos deslizantes e das bancarrotas avassaladoras? A vida tem que continuar, e deixem o povo falar o que quiser. O que importa é valorizar o que temos – fé na vida e potencial para nos adaptarmos a novas vidas, se possível, ao som de uma cuíca de chorar intenso ou de um saxofone cantador de galo. Como diz Manoel Bandeira, “A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.”


terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Esquiar ou nao esquiar?




Dário Borim Jr.


dborim@umassd.edu



A pergunta inscrita no título desta crônica é superficialmente filosófica, no que se parece vagamente com a dúvida cruel do personagem shakespeariano Hamlet: “Ser ou não ser, eis a questão”. Minha resposta hoje à noite, num quarto de hotel com decoração bem britânica, na cidadezinha de Woodstock, estado de New Hampshire, é: “Não esquiar”. Minha posição é menos filosófica do que pragmática. Poderia ser diferente, pois me encontro aqui junto à bela estação de esqui chamada Loon Mountain para acompanhar meu filho Zach, de 13 anos. Enquanto que ele é um esquiador nato (pois nasceu na gelada Minnesota), eu não me iludo: com quase 50 anos de idade e quase cem quilos de peso, para mim não é hora de brincar com fogo—ou com neve e gelo, pra ser mais preciso.

Minha necessidade de perder peso é evidente. Além disso, a chance de praticar um esporte tão gostoso em lugar tão esplendoroso nas Montanhas Brancas da Nova Inglaterra é tentadora. Entretanto, tenho medo de me machucar por estar distante dos esquis há muitos anos, por já não ser mais jovem e, principalmente, por estar tão acentuadamente fora de forma. Advertências em tom crítico por parte do meu médico agora me ecoam na mente: “Sr. Dário Borim, o senhor é um bem sucedido professor universitário que precisa ter disciplina em outras áreas além da literatura e da música: comer menos e exercitar mais.” Caramba, tem razão o Dr. Altschuller, um cardiologista russo formado em Harvard. Só que não vai ser hoje que vou me empenhar, o que poderia me ajudar perder uns quilinhos e, quem sabe, aumentar minhas chances de viver uma vida mais longa e mais saudável.

Quando morei no oeste montanhoso do país, no Wyoming, as estações de esqui de lá e do estado vizinho, o Colorado, me encantavam. Eu admirava o alto astral das pessoas—sempre a sorrir e sempre a mostrar sua satisfação em percorrer trilhas íngremes apesar do vento frio. Pra ser honesto, devo dizer que este esquiador tropical naquela época de vez em quando caía dos esquis e até daquelas cadeirinhas dos teleféricos que nos levavam aos picos dos morros. Entretanto, com entusiasmo e determinação cheguei de fato a atingir o nível intermediário de habilidade, o que me proporcionava oportunidades inesquecíveis de subir até pontos bastante altos das Montanhas Rochosas.

A vista do cume da montanha era memorável: incluía lagos azul-turquesa, pinheiros de um verde forte e coeso, rochas e chapadões em variados tons acinzentados, e o distinto contraste entre o branco da neve e o azul do céu. Contribuindo para esse festival de cores naturais ainda havia o efeito espetacular das roupas e gorros coloridos dos esquiadores, além do recorrente reflexo de luz solar que advinha dos próprios esquis e hastes de aço. Tudo valia a pena ver lá de cima, desde os momentos que antecediam à descida paulatina e cuidadosa, em curva e em ziguezague, até o fim da trilhas sobre a encosta do morro acobertado de neve fofa e reluzente.

Pois é, os esportes são importantíssimos em todas as fases da vida. Depois de certa idade, acredito eu, eles continuam importantes, mas têm que ser dosados e, acima de tudo, levados a sério como fatores de risco. Nossos corpos já não são mais os mesmos, e seria um erro sobre-estimar nossas capacidades físicas somente para que pudéssemos manter o orgulho intacto. Já perdi dois amigos brasileiros, na faixa dos quarenta e poucos anos de idade, que me fizeram pensar nessa questão. Ambos faleceram em função de certo abuso nos esportes: um deles teve um acidente fatal durante uma partida de futebol de salão, em Minneapolis; o outro partiu desse mundo após uma parada cardíaca causada por um extenuante passeio ciclístico em Belo Horizonte.

Amanhã, ao pé da serra, estarei dentro de uma sala aquecida e fechada, mas mesmo assim exposta, por meio de paredes de vidro, às cores estáticas e em movimento da concorrida estação de esqui Loon Mountain. Vai me acompanhar este computador portátil, e nele poderei trabalhar ou me comunicar com amigos via internet. Terei saudade dos velhos tempos e um pouco de vergonha por não poder encarar as corridas morro abaixo com meu filho. Por outro lado, vou desfrutar da paz de pensar que não correrei qualquer risco de quebrar uma perna ou sofrer um ataque cardíaco. Que esse gesto de precaução seja seguido de mais disciplina, como quer o meu médico, e assim, quem sabe, poderei encarar as trilhas de neve na próxima estação.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Perigosas passagens




Dário Borim Jr.
dborim@umassd.edu


Vem chegando mais um fim-de-ano: festas, mesmo em tempos de arrocho em Wall Street, e também viagens, apesar do desemprego rolando solto. São muitas as ofertas de passagens com descontos, principalmente online. Aos futuros passageiros que se destinam ao Brasil, aconselho dois portais: http://www.farechase.com/ e http://www.clickandfly.com/. O primeiro tem a vantagem de pesquisar e expor as ofertas de vários sites ao mesmo tempo. O segundo pertence a uma loja de passagens de muita experiência (a BACC, de Nova Iorque) e tem ofertas que parecem ser quase exclusivas, de tão boas. Mas cuidado com a compra de passagens nesses portais ou em quaisquer outros, exceto aqueles das próprias companhias aéreas.

Dois meses atrás comprei uma passagem da companhia TAM para viajar de Nova Iorque a Belo Horizonte. No Click and Fly Online achei uma oferta bem razoável: 696 dólares. Uau! Porém, meus problemas começaram cedo, quando fui obrigado a trocar a data da volta por motivos profissionais: multa de 250 dólares. Não tinha como evitar: paguei. Duas semanas depois, tentei mudar o itinerário da volta, que era BH-SP-NI. Era para facilitar minha volta, agora que tinha que fazer uma palestra em Niterói, RJ. A multa dessa alteração seria 500 dólares. Aí já não dava mais para o meu bolso. Deixei como estava, contando com a possibilidade de voltar de ônibus de Niterói para Belo Horizonte, em tempo de embarcar de BH para São Paulo. Grande erro: quando estava no Rio, quase saindo para Niterói (onde logo faria a palestra), o grande dilema começou, pois não havia nenhum ônibus para Belo Horizonte que saísse do Rio ou de Niterói entre as 17:30 e 22:30 horas!

Como é, então, que eu poderia embarcar em BH se não podia voltar pra lá? Uma passagem de avião de última hora eu nem procurei. Custaria uma fortuna. Bem, resolvi correr outro risco e me deslocar de Niterói para São Paulo e lá embarcar para Nova Iorque. Sabia que haveria problema, por isso telefonei para várias lojas da TAM no Rio e São Paulo. As respostas que obtive foram as mesmas: “Meu senhor, a sua passagem é de um tipo que nós, da TAM, não podemos fazer nada para alterar, nada. Talvez o senhor consiga fazer alguma modificação no guichê da TAM no aeroporto de Belo Horizonte ou de São Paulo.” Com a pulga atrás da orelha apanhei um ônibus noturno no Rio e, depois, um táxi da rodoviária de São Paulo, para chegar ao aeroporto de Guarulhos em plena madrugada.

Lá pelas 5 da manhã começou o novo capítulo do meu drama: a loja da TAM se abriu. A atendente pôs os meus dados no seu computador e logo me deu a má notícia: eu tinha que embarcar em Belo Horizonte no vôo que me traria a São Paulo. Pior ainda: “no sistema eletrônico vê-se que a companhia que lhe vendeu o bilhete não permite a emissão de uma passagem em papel. Essa passagem poderia substituir o seu e-ticket e o senhor poderia então embarcar em São Paulo para Nova Iorque.” Mantive a calma e o respeito nas conversas que tive com a funcionária da loja da TAM. Horas antes, ainda no Rio, eu falara com meu pai e lhe dizia que caso houvesse problema em São Paulo eu precisaria me controlar emocionalmente e procurar uma solução ou, pelo menos, não piorar a situação. Foi preciso fazer como havia dito, mas a situação era gravíssima. Meu filho de 15 anos, com vários compromissos esportivos e escolares, estaria sozinho até que eu chegasse de viagem, e eu mesmo precisava lecionar no dia seguinte, em Dartmouth.

A funcionária dizia que só a agência de viagem de Nova Iorque detinha o acesso online e o poder de alterar os dados da minha viagem no computador, e que sem essas mudanças eu não podia embarcar em São Paulo, a menos que comprasse outro bilhete, por uma bagatela de 2.200 dólares! Saí da loja com o coração na mão e me dirigi ao serviço de telefonia e internet do aeroporto. Mandei emails para a Click and Fly como se fosse mesmo possível achar algum vendedor acordado as 4 horas e pouco da manhã, horário do Leste. Depois tentei comprar uma nova passagem barata online, já que talvez fosse esse o pior dos males. Encontrei tickets SP-NI por 700 dólares, mas somente com saídas para dois dias depois!

Retornei a loja da TAM já bastante desiludido e deprimido. A funcionária continuava sendo muito prestativa, e chegou a telefonar para sua supervisora às 5 e meia da manhã querendo saber se ela lhe autorizava usar sua senha de chefe na tentativa de resolver o meu problema. A supervisora concordou com a “exceção,” mas o computador, não—não permitiu nenhuma operação de troca. Quando já eram mais que seis da manhã, horário do vôo entre BH e SP, e tudo parecia perdido, tive um idéia. Que tal alguém da TAM no aeroporto de BH fizesse o meu check-in, usando os dados que eu já tinha repassado à funcionária? Posteriormente, em São Paulo, faríamos um pedido de segunda-via do segundo cartão de embarque (aquele referente ao trecho SP-NI). Eu pagaria a multa que existisse para a emissão da tal segunda via. A funcionária concordou em falar com o chefe da seção de guichês, e esse indivíduo concordou em testar minha proposta. E não é que deu certo? Eu fiquei tão emocionado e tão agradecido que nem consegui falar mais do que um “obrigado” àquela funcionária, mas foi com um olhar carregado de brilho e lento de tanta gratidão. A lição fora penosa, mas aprendi que com essas baratas (e perigosas) passagens, não se brinca.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Histórias de viagem

Dário Borim Jr.
dborim@umassd.edu
[Foto de Silvia Borim Codo Dias]

Na última sexta-feira à uma da madrugada eu chegava à casa de minha irmã Silvinha depois de passar as 25 horas anteriores nas estradas, nos ares e nos aeroportos de Nova Iorque, São Paulo e Belo Horizonte. Por estranha coincidência, passara todo o meu aniversário em trânsito. Para comemorar a data, mesmo àquela esdrúxula hora, fui agraciado com um belo prato fundo de canjiquinha, daquelas ornamentadas com ultra-macias costelas de porco. Ah, não faltou um bom copo de vinho chileno no calar e no frescor da madrugada.

De imediato foram muitas as histórias que troquei com Silvinha e meu cunhado José Codo, amante inveterado da música brasileira, como eu. Também discutimos alguns detalhes do jantar que três dias mais tarde nós três ofereceríamos a uma distinta poeta, Helena Jobim, irmã do ícone-maior da bossa nova, Tom Jobim.

Na noite que se sucedeu, encontramo-nos os três num casarão do século 19, na cidade de Antônio Carlos, a poucos quilômetros de Barbacena. Sou fã de clima de montanha, mas muito melhores que o ar rarefeito de lá foram a hospitalidade e os “causos” das anfitriãs, d. Cleusa e d. Lígia. Da última, por exemplo, ouvi detalhes do grande feito de um de seus ancestrais, um padre inconfidente que fora preso e enviado a Portugal no século XVIII.

Naquele tempo de exílio o padre politizado recebeu um pedido de outro sacerdote: que escrevesse um texto sobre a rainha d. Maria para ser lido em missa oficial. Depois de ouvir a leitura do texto encomendado, a rainha se dirigiu a quem ela pensava que fosse o seu autor. O reverendo português, então, lhe informou que o autor daquele texto era um sacerdote brasileiro. A rainha foi visitá-lo, teve compaixão e mandou soltá-lo imediatamente.

O padre brasileiro pôde contar com mais que a própria liberdade sob os céus de Lisboa: ele havia guardado todo o dinheiro que seus irmãos tinham-lhe enviado, pouco a pouco, ao longo dos muitos meses de encarceramento. Decidiu partir em peregrinação pela Europa afora comprando centenas de mudas de flores e árvores frutíferas, as quais levou para a região de Barbacena. Nos anos seguintes o resultado foi uma bonança de produção agrícola, que tornou muito famosa aquela zona montanhosa de Minas Gerais. No casarão eu mesmo observei vários diplomas de honra ao mérito oferecidos às indústrias de doces e estabelecimentos comerciais da região. Vinham de agências oficiais de Londres e Filadélfia, entre outras cidades.

Bom seria se hoje eu tivesse tempo e espaço nesta coluna para recordar tantos “causos” que ouvi de d. Cleusa e d. Lígia. Prefiro terminar com a devida referência a um dos mais interessantes encontros que já tive nos últimos anos. Sem querer ser muito chato, vale-me dizer que já jantei ao lado de gente famosa, do naipe de um educador conhecido e respeitado em todo o mundo, o Paulo Freire, e de um escritor laureado com o Prêmio Nobel, José Saramago. Mas isso fora há treze e seis anos, respectivamente.

Desta vez duas pessoas simpaticíssimas tinham muitas histórias para contar sobre o irmão e cunhado Tom Jobim—as dos seus encontros com Vinicius de Moraes e Chico Buarque de Holanda, por exemplo. Se não fosse indelicado, é claro, queria ter gravado aquela conversa. Aí, sim, eu poderia agora reproduzir e fazer justiça à simpatia de Helena Jobim e seu marido, Manoel Malaguti.

Termino, então, evocando uma paráfrase de Manoel a cerca da frustração de Tom Jobim após suas viagens à Europa. Tom dizia que amigos o assediavam com perguntas, querendo saber tudo sobre todo o divertimento que tivera no Velho Continente. O maestro de Ipanema mal podia convencê-los que suas viagens eram extremamente cansativas, com muitos ensaios e espetáculos lhe exigindo concentração e coragem. No mais, sobrava algum (indesejado) tempo para discutir contratos e assinar documentos.

sábado, 13 de setembro de 2008

Milton & Muito Mais


Dário Borim Jr.
De repente o sul da Nova Inglaterra foi invadido por músicos e escritores luso-afro-brasileiros. Até parece conspiração das artes lusófonas na Terra do Tio Sam. Nem sei por onde começar. Talvez deva respeitar a ordem dos termos do título desta crônica, que, aliás, nasceu antes dela—coisa rara para mim, que gosto de explorar as possibilidades de um título até o último minuto antes da publicação.

Então, não é boato não: no dia 11 de outubro vai se apresentar no Zeiterion, o lindo teatro no centro de New Bedford, a 15 minutos de carro da minha casa, o grande Milton Nascimento, o Milton do Clube da Esquina, de Belo Horizonte, aquele lá da simpática cidade de Três Pontas, a 25 km em linha reta do hospital de Paraguaçu, onde nasci. E não vem sozinho. Estará com ele o Trio Jobim: Paulo, filho mais velho de Tom Jobim, no violão; Daniel, neto do maestro, no piano; e o grande Paulo Braga na batera. A rua em frente ao teatro vai ser fechada para trânsito de carros e, imaginem, a partir das 6 da tarde vai-se vender feijoada, salgadinho, e caipirinha ali, em pleno asfalto! Aí vem concerto do Milton & Trio Jobim, certamente trazendo lágrimas aos rostos dos mais sensíveis.

A noite, porém, não vai terminar com as cortinas do teatro dizendo adeus. Lá fora a festa vai continuar com mais música ao vivo e dançarinas contratadas para animar os mais tímidos. Este será apenas o começo de um ano cultural recheado de atrações, ano que o Zeiterion dedica ao Brasil a partir de outubro. Em 15 de novembro, por exemplo, apresenta-se uma companhia de dança chamada Nascimento & Nascimento Novo. Em 20 de fevereiro, o famoso grupo DanceBrazil, de Salvador, Bahia, faz um espetáculo de capoeira, no dia seguinte ao de um workshop dessa arte afro-brasileira, também oferecido pelo Zeiterion. A oficina será dada pelo mestre Vieira, a quem o Centro Cultural Brasileiro de Boston reconhece como pioneiro da capoeira neste país. A noite de 19 de fevereiro será longa, com um verdadeiro Carmaval no Café Funchal, em New Bedford.
Nos dias 13 e 14 de março será a vez da grande diva do fado, Mariza, se apresentar no Zeiterion. Ela também vai cantar no Centro de Artes Jorgensen, da Universidade de Connecticut, em Storrs, na noite de 21 de fevereiro.
Lá mesmo em Storrs, em 28 de outubro, haverá um espetáculo da Orquestra Filarmônica Brasileira, sob a batuta de Gil Jardim, interpretando peças de Heitor Villa-Lobos. Um terceiro grande evento no mesmo teatro Jorgensen será o dos irmãos brasileiros Sérgio e Odair Assad, exímios violonistas, em 16 de outubro.
Providence e Boston não poderiam ficar de fora dessa longa série de eventos. No dia 17 de setembro, na Universidade Brown, dois entre os mais renomados escritores lusófonos da atualidade, o português José Luís Peixoto e o angolano José Eduardo Agualusa, farão leituras de suas obras. Já na capital de Massachusetts, no dia 25 de setembro, António Lobo Antunes, excepcional romancista luso-africano, é o tema de um colóquio co-patrocinado pelo Centro de Estudos Portugueses da UMass Dartmouth.

Por falta de espaço, e por ser hora de concluir esta crônica, ficam aqui apenas mais dois convites. Em Boston, no auditório da Berklee, escola de jazz mais famosa do mundo, a afinadíssima cabo-verdiana Lura faz show em 12 de outubro. Antes dela, porém, se comemoram 50 anos de bossa nova no Berklee Café com o espetáculo do pianista César Camargo Mariano, acompanhado do violonista e arranjador Oscar Castro Neves. Na verdade já estou até tonto de tanta tentação. Aliás, gostei desta aliteração tripla de três Ts e quase quis (outra aliteração) trocar de título para esta crônica. Os TTT ficam, então, como um subtítulo quae sera tamen: Tonto de Tanta Tentação!

Mirem-se nas cenas de Atenas

                                                       A colina da Acrópole desde o Hostel Safestay (2025) Ei, senhor Chico Buarque de Holan...