Ensaios e crônicas em português ou inglês sobre artes, literatura, viagens, e o cotidiano na Nova Inglaterra. // Personal essays and crônicas in Portuguese or English about art, literature, travel & day-to-day in New England.
sábado, 24 de outubro de 2015
Pra Frente, Sempre!
sexta-feira, 3 de julho de 2015
O Pé de Cabra em Marrakech
Dário Borim Jr.
Dizem que a maior ponte do mundo
é a que liga Fall River ao arquipélago português dos Açores, a tal de Ponte
Braga. Moro nas redondezas e por isso entendo a brincadeira. São tantos os
portugueses na costa sul de Massachusetts que essa ponte afetiva com a terra da
infância ou da ascendência familiar é mesmo fácil de se imaginar.
Bem, pelos Açores passei
rapidinho na rota que me trouxe a Casablanca, a mais rica cidade marroquina,
também às margens do Atlântico, como Fall River e a ilha Terceira, onde troquei
de aeronave e pude vislumbrar um pedaço do mar a um ponto muito distante de
qualquer continente. A sensação desde que cheguei ao norte da África é a de que
o mundo não passa mesmo de uma kitchenette, nas palavras de minha amiga Elizah
Rodrigues. Ainda no aeroporto de Boston tive a primeira experiência das muitas
coisas que nos unem, isto é, um certo gosto pela desordem, ou uma dose de
desprezo pela ordem, como queiram.
O embarque daquele voo
Boston-Terceira foi, digamos, um cômico caos! As pessoas se aglomeravam sem
esperar o seu devido momento de embarque. Fila era uma passageira ausente. Em
seu lugar, berros de brincadeira ou de frustração. Até mesma a agente da
aerolínea SATA, dos Acores, ria-se do comportamento geral dos passegeiros.
Disse-me assim: "ninguém sabe ler o número do assento no cartão de
embarque".
Ao chegar a Lisboa,
minha segunda troca de aviões, tive que lidar com o inconveniente cancelamento
de meu voo para Marrocos. Recebi uma notificação da vendedora da minha passagem
na noite anterior ao meu voo. Bem tarde, sim, mas a agente da aerolínea
portuguesa de meu próximo voo, a TAP, retrucou: "Sentimos muito, mas
avisamos a agência de viagens americana três semanas atrás". Sem outro voo
para Casablanca no mesmo dia, tive que pernoitar em Lisboa. Ainda bem que o
Tejo é tão lindo e os peixes, como diz uma canção do grupo Deolinda, não param
de sorrir. Deixei a chateação de lado e curti a noite lisboeta de uma nova
perspectiva, aquela de uma região moderna da cidade, onde nunca estivera, bem
perto da impressionante estação de metrô Oriente.
Em Casablanca, um abraço
apertado e emotivo de meu filho Ian me recebeu! Logo depois das nossas
primeiras conversas, passou-me uma advertência: "cuidado ao embarcar no
trem". As pessoas que aguardam não tem paciência nem educação para deixar
os que chegam sairem do comboio antes dos novos viajantes embarcarem. A
consequência é um perigoso caos. Dessa vez, nenhum acidente parece ter
ocorrido, e seguimos felizes rumo ao centro de Casablanca, uma espécie de São
Paulo de um país que tem a bela Rabat como sua "Brasília" política e
burocrática.
Logo ao desembarcarmos
do trem, recebo nova advertência: "cuidado, porque os motoristas
geralmente não respeitam nem os sinais, nem os pedestres". É claro que
esse comportamento ao volante não nos é estranho, a mim que morei 15 anos em
Belo Horizonte, quando lá havia muito menos respeito no trânsito do que há
hoje, ou ao meu filho, quem no ano passado se adaptou bem ao trânsito mais
caótico que já conheci na vida, o da cidade do Cairo, a poerenta capital
egípcia.
Em poucas horas os
sabores da comida marroquina e o charme da arquitetura colonial francesa de
Casablanca me fariam esquecer a desordem do trânsito. Primeiro, Ian me convidou
para um ensopado com carne de camelo. Delicioso! Depois me mostrou os prédios
brancos do centro colonial. A seguir fomos a um pub bem europeu, o Bar du
Titan, onde se tocavam belas canções de Edith Piaf. Uma cervejinha marroquina,
uma Flag bem gelada, desceu bem, mas logo Ian descobriu on-line um concerto de
rock marroquino na beira da praia, numa casa de shows alternativos chamada
Brock.
A banda Hoba Hoba Spirit
fez um sucesso tremendo naquela noite. Lotada de quase 20 homens para cada
mulher, Ian e eu nos sentimos em casa. Os presentes dançavam e cantavam juntos
numa harmonia e alegria que poucas vezes presenciei em eventos musicais
realizados no anonimato das grandes cidades. A simpatia dos músicos era tanta
que varias vezes os vocalistas aceitaram filmar, do palco onde se apresentavam,
a dança e o canto do público que os assistia, através dos smart phones que os
entusiasmados fãs lhes passavam.
Algumas novidades
"étnicas" eu teria que perceber, afinal estava (e ainda estou) em um
país muçulmano ao norte da África. Por exemplo, num ambiente roqueiro como
aquele, não vi ninguém beijar ninguém na boca. Muito menos qualquer
"atrevimento" maior. Ian – agora assentado aqui do lado – me diz que
uns beijinhos na boca bem rápidos e discretos são tolerados. Disse que deu uns
desses lá mesmo. Os vigias fazem vista grossa, talvez. Mas "malhar"
ou "ficar", nem pensar.
Beijinhos no rosto como
forma de cumprimento rolam entre pessoas do mesmo sexo ou do sexo oposto. Como
no Egito, ali vi muitos homens de braços dados com outros homens, sem qualquer
indício de que fossem necessariamente gays. Mulheres com mulheres, também. Bela
e pura liberdade de expressão de carinho, acho eu.
A noite traria surpresa
muito maior para mim. E também para meu filho. Meio tarde da noite, talvez
pelas duas da manhã, apanhamos um táxi . O motorista, logo que saímos,
perguntou em árabe marroquino se havíamos bebido. Ian respondeu em tom neutro
mas em palavras que provavelmente soaram ríspidas para o motorista muçulmano:
"sim, mas isso não é da sua conta". Erro estratégico de quem é sincero.
Aos berros, o homem começou a pregar. Dizia que depois de certa hora era ilegal
transportar bêbados, mulheres grávidas e não sei mais o quê.
Ian disse que
desconhecia tal lei e que queríamos descer do taxi. O marroquino não parou o
carro, mesmo quando Ian abriu a porta e lhe entregou algum dinheiro. O
motorista mudou de tom quando soube que éramos brasileiros. Começou a falar de
futebol, e os nomes de Neymar, Roberto Carlos, Pelé e Ronaldinho ajudaram a
suavizar o clima.
Mas a tensão voltou a
subir quando chegamos ao destino e o taxista cobrou quase o dobro do que era de
se esperar. Ian não deixou passar. Contestou a conta. O marroquino se enfureceu
novamente, até que com raiva saiu do carro e disse que não cobraria nada de
nós. Ian mesmo assim deixou moedas no banco do carro, que, segundo me disse,
provavelmente cobririam o valor do taxímetro, nunca ligado pelo esquentado
marroquino.
Os vários países desse
mundo afora têm de fato muito em comum, mas basta estar vivo para se vivenciar
o ultra-caótico ou o plenamente inusitado, aqui ou ali. E se pudermos viajar,
muito maior será a chance de encontrarmos o que parece absurdo entre humanos
fanáticos, ou simplesmente contraditórios, como um sujeito a pedir esmolas e ao
mesmo tempo falar ao celular. Até mesmo os animais podem nos chocar. Extremamente
disciplinadas, por exemplo, quinze cabras fazem um espetáculo ao ar livre entre
as cidades de Essaouira e Marrakech. Ficam horas e horas trepadas numa árvore,
comendo castanhas e quase sorrindo para os turistas que, ao vê-las da rodovia entre
folhas e galhos, a nove metros de altura, descem dos carros para apreciar de
perto aquela imagem surreal. Na verdade, surreal é apenas a nossa impressão de
inocentes turistas. Aquela cena faz parte de uma sofisticada e delicada estratégia
de produção industrial de uma espécie de azeite, que vem do fruto comido e
depois evacuado por aquelas alegres cabras, acreditem se quiserem.
sábado, 7 de março de 2015
Entre a Pera e a Maçã
segunda-feira, 26 de janeiro de 2015
O Olhar de Quem Voltou
Dário Borim Jr.
Em certa fase da vida até pensei em ser psicólogo, mas mesmo antes disso – e, claro, antes de deixar disso – eu já lia alguma coisa ou outra dos grandes nomes desse maravilhoso campo do saber. O suíço Carl Gustav Jung, discípulo favorito de Sigmund Freud, ficou famoso com sua teoria de arquétipos. Esse termo vem de duas palavras gregas: archein (original, antigo) e typos (modelo, tipo). Para Jung, o ser humano age dentro do esquema de adaptação constante da sua consciência a esses arquétipos, facetas de um inconsciente coletivo que a humanidade traz desde milhares de anos atrás, desde seu passado mais remoto.
Bem, chega de ciência. O fato é que para Jung um desses arquétipos
é nossa ligação muito forte com a terra onde nascemos. Para mim e outras
milhares de pessoas, essa terra é Paraguaçu, para onde volto sempre que posso,
apesar de morar no exterior há 25 anos, o que significa quase a metade de minha
vida. Não sou o único paraguaçuense expatriado, é claro, e gostaria de saber o
que pensam os demais, mas sei que pelo menos três, seres também expatriados há
mais de 20 anos, já expressaram algo parecido ao que hoje tenho a dizer. São
Maristela Dunn, que mora e sempre roleta de bicicleta na Califórnia
(portanto, a pouco mais de 5 mil km de mim, que moro em Massachusetts), Rosa
Mignacca (uma talentosa artista morando em Londres há décadas), e Tânia Marques
(uma bela representante romana da Terra do Marolo na Terra do Macarrão). O que
acontece é que sempre que voltamos a Paraguaçu, ficamos bobos ao ver tanta
beleza natural na nossa região, o que muita gente nem percebe porque a vê todos
os dias, mas sem realmente conseguir ver como a vê quem volta à terra, quem não
mais está acostumado às tais belezas.
É claro que pode parecer exagero esse entusiasmo de paraguaçuense
do estrangeiro. Pode até parecer piada. Aliás, pode virar piada. Num de meus
passeios pela nossa região, não faltou quem fizesse pilhéria do deslumbramento
dos ilustres visitantes de além-mar ali dentro do carro, isto é, o queixo caído
dos expatriados temporariamente retornados. A gozação veio de um nativo, Adélio
Mignacca Filho, irmão de Rosa e de Juliano Leite Mignacca, um “paraguaçuense
ausente” residindo em São Paulo há muitos anos.
“Ah, Darinho, você com essa câmera que não para de clicar, e essa
minha irmã que não para de ‘gemer’ aqui do lado… que esse verde ali é lindo
demais, que aquela árvore lá é simplesmente fascinante. Qual é? Daqui a pouco
vocês vão começar a tirar fotos de estrume de vaca e postar no FaceBook. Tô
cansado de ver isso gente. Bobeira!”
No carro, não vi o semblante do Rodrigo Morais Leite, primo desses
irmãos com quem eu revisitava o distrito de Guaipava depois de pelo menos 45
anos, mas imagino que ele, mesmo não sendo um expatriado, é um urbanóide, como
Juliano, que também achava aquilo tudo maravilhoso.
O visual que juntos curtimos naquele passeio foi de fato
fantástico. Quem duvidar é só procurar meus albunzinhos de fotografias no
FaceBook. No fundo, o próprio Adelinho se contagiou pelo entusiasmo de quem se
encantava com as curvas harmoniosas de tantas colinas que se desdobravam em
enorme área visível a cada subida da estrada de terra batida, linda, soberana,
por onde passávamos. Por ali nos víamos embasbacados diante da variedade de
tons verdes do pasto, do café, do milho, da banana, do bambu e do feijão, entre
muitos outros. Variedade dos tons de azul, branco e cinza do céu, que ameaçava
fazer chover. Variedade do marrom-pastel das casas de tijolos expostos, dos
cupins, ou das fornalhas de carvão vegetal.
Na verdade, minha mais recente viagem a Paraguaçu nessa última
passagem de ano me trouxe o maior prazer que já tive até hoje em termos de
redescoberta das belezas de nossa região -- da própria cidade e de suas
vizinhanças, como o distrito do Pontalete. É uma vergonha, mas acredito que eu
não tivesse ido, uma vez sequer, ali ao outro lado da represa de Furnas, desde
que ela fora criada. Mas em duas semanas para o Pontalete eu me dirigi nada
menos que três vezes – e que posso dizer? O caminho, que tem na sua rota o
excepcional Restaurante do Diógenes, com sua vasta vista de 250 graus da
região, é simplesmente imperdível, incomparável e inesquecível.
De fato, o trajeto agora é um tanto exótico, quase surreal, por conta
da seca que não apenas fez ressurgir duas pontes que ficaram submersas ao longo
de meio século, como também as tornou novamente úteis e necessárias para se passar sobre
os rios Sapucaí e Verde, os leitos que formaram a desaparecida represa. Muitos
foram meus passeios a pé pela cidade e arredores, pelas suas estradas de terra
vermelha ou marrom, pela paisagem cartão postal deslumbrante para nenhum
europeu, hispano-americano, norte-americano, asiático ou africano menosprezar.
Para mim, fica, então, a lição: não deixemos de desfrutar do local onde
vivemos, ou nascemos! E viva o arquétipo jungiano, porque de amor e consciência
do que é de fato belo, não deixemos de ver nossa terra na sua maior aura de
luz, cor e formosura.
sábado, 13 de dezembro de 2014
Camaleão
Dário Borim Jr.
“Você consegue se safar
da lei, apesar de cometer tantos assassinatos”, diz-me a Rosa Mignacca, uma
querida amiga de infância que, em Londres, terra de Sherlock Homes, não passa
de uma viciada em filmes policiais. Estou exagerando, sim, mas ela também. O
negócio é o seguinte: aquilo é simplesmente uma expressão inglesa muito comum.
Traduzi a frase meio que literalmente, por desconhecer uma boa versão em
português para a acusação: “Darinho, you get away with murder!” Qual seria o
meu crime, vocês devem estar matutando. Eu diria, não sei, são tantos.
Brincadeira à parte, minha vítima da vez é sempre a mesma: a literatura! Como
assim? E por quê? Bem, vamos dizer, é um crime de paixão e traição.
Aparentemente, dizem, amo muito mais a música do que a literatura, a despeito
do fato de que tenho um Ph.D. em Literatura Hispana e Luso-Brasileira, e de que
ganho a vida como estudante de pós-graduação ou professor universitário nessa
área do conhecimento há quase 30 anos.
Valéria Souza, minha ex-aluna desta região onde moro nos Estados Unidos, vira e mexe não resiste e me pergunta: o que você tem mais, livros ou CDs? Honestamente, não sei a resposta. Essa pergunta eu também faria a meu cunhado, Dr. José Codo, que possui milhares de discos e livros em casa. Só que ele, apesar de ser um médico famoso, não suja as mãos de sangue. Sujo eu, dizem as más línguas, ao ganhar a vida com uma coisa e amar e me ocupar da outra.
Recentemente recebi a visita de Jill Gallegos, uma queridíssima amiga do Wyoming. Sou bastante intuitivo e percebi que ela sentia uma certa tentação. Parecia que ela também queria me fazer aquela mesma pergunta. No espaço em que me ajeito para trabalhar, entre as duas longas paredes do meu escritório (que mais parece um estreito minicorredor das artes literárias e musicais), tenho um bom número de livros e outro um pouco menor de CDs – ou seria o contrário? Seja lá o que for, isso não quer dizer que o mesmo ocorra em minha casa, que aqui haja mais livros que CDs – mas, talvez…
Não importa: o que vale mesmo é a verdade, apesar dessas acusações e especulações – essa… conspiração da esquerda. E qual é a verdade? É que para mim a música está bem mais presente no dia a dia do que a literatura. Outra verdade é que quando iniciei minha carreira como professor universitário, em Minnesota, dei um curso que mesclava as duas coisas. Era sobre a música de Caetano Veloso e a literatura de seu tempo. Então, desde o começo amo, convivo e mesclo essas duas formas de arte. De qual mais gosto varia com o tempo, quem sabe, mas, honestamente, já faz bem tempo que vence a música, com a qual me ocupo, me realizo, e, modestamente, me sobressaio como pessoa e como profissional.
Nessas últimas semanas,
por exemplo, me deliciei ao fazer palestras em algumas universidades onde meu
assunto foi sempre… música. A satisfação foi enorme ao conseguir que a
entusiasta plateia no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o famoso
M.I.T., cantasse “O Samba da Minha Terra” – aquela composição sobre o
samba da minha terra que deixa a gente mole, e tal – junto comigo e com Dorival
Caymmi, também presente à tela, junto à letra da canção. Imaginem que na chique
Universidade de Harvard fui falar sobre música… brega! Sim, brega, meus caros!
E que noite divertida foi aquela, por conta das revelações pessoais e sexuais
dos entrevistados pela carioca Ana Reaper, a diretora de um documentário
imperdível, Vou rifar meu coração.
Na sequência de muitos eventos musicais ou acadêmico-musicais, estou fechando a semana com chave de ouro. Há poucos dias assisti a um concerto de música asiática. A ilha de Java está muito bem representada na Universidade de Massachusetts Dartmouth por um grupo de uns vinte aprendizes. Elise Lindo e Casey Snook, duas de minhas melhores alunas de Português, fazem parte da banda que semana passada nos trouxe aquela música serena, quase nos levando a um nirvana entre paredes de concreto.
Anteontem, após produzir e apresentar uma edição especial do Brazilliance, meu programa de rádio e internet, em que toquei três horas de Tom Jobim, fui prestigiar os dois curtas de Don Burton, um amigo cineasta, e lá recebi um convite irrecusável: ir assistir a um concerto de rock progressivo de Adrian Belew, um dos maiores nomes do gênero, o principal guitarrista do lendário grupo King Crimson. Após compartilhar tantas frases melódicas simplesmente maravilhosas de Jobim com meus ouvintes, eu agora ouvia e dançava assentado aos fantásticos sons de um virtuoso da música pop. Aos cinquenta e cinco anos de idade eu curtia um dos shows de rock mais fascinantes e divertidos de toda a minha vida. Acompanhado de Julie Slick, uma atenta e competente mulher de óculos escuros no baixo, e de Tobias Ralph, um puro e virtuoso capeta na bateria, Belew foi o roqueiro cantor-instrumentista mais alegre, brincalhão, criativo e simpático que já vi até hoje.
Ontem, a noite não foi nada menos impressionante e memorável. Fui a um concerto de final de ano, com duas sessões de dois corais diferentes: um fez-se acompanhar pelos solos de um pianista e um violinista; o outro se uniu a uma pequena banda de música africana. No mesmo evento, curtimos uma sessão de canções de Natal sob uma linguagem de jazz. Para concluir, subiu ao palco uma enorme banda de alunos do Departamento de Música que apresentou, entre outras composições, uma bela – e, para mim, brasileiro, também divertidíssima – versão de “Noite Feliz” (“Silent Night” em inglês), ao ritmo de samba, um clássico apropriadamente redenominado “Silent Samba.” Até cuíca e agogô estavam a roncar nas mãos dos gringos.
O evento não parou por ali. Ao som de mais música ao vivo, por parte de um coral de alunos e ex-alunos, serviu-se um elegante jantar (tinha até lagostas) aos presentes, que se deslocaram do teatro para a nossa linda biblioteca central. Agora embalados pelo vinho, outras pessoas me questionaram sobre minha verdadeira vocação. Uma delas, Adrian Tió, o decano da Faculdade de Artes Performáticas e Visuais, me perguntou, brincando, se eu não estaria disposto a oferecer cursos no Departamento de Música. Ainda mais gratificantes foram duas observações da própria reitora da Universidade, Divina Grossman. Ela não apenas me solicitou novas cópias dos CDs do Brazilliance, pois os que eu lhe dera meses atrás estavam cansados de tocar. Fã de minhas imagens postadas no FaceBook, ela também me perguntou quando seria minha primeira exposição fotográfica no campus.
Bem, naquele momento a minha chefe acariciou o meu ego, claro, mas aumentou minhas dúvidas sobre quem sou eu. Entrou na complicada equação de minha identidade e vocação uma terceira incógnita: sou de fato um fotógrafo? Não tem problema não. Aliás, tem mais complicação. Além de radialista, sou cronista, uai. E quem sabe ainda não descubro mais outras deliciosas máscaras – “getting away with murder” e vivendo feliz como camaleão?
sábado, 1 de novembro de 2014
Saravá, Meu Pai!
Saravá, Meu Pai!
Esses grandes congressos acadêmicos internacionais são eventos que também marcam os limites de outros ciclos na vida do professor acadêmico. Quando vamos a um encontro desses, quase sempre encontramos alguns colegas de quem muito gostamos, mas quem não vemos ao longo de um ciclo de quatro, seis, oito, ou às vezes até mesmo 10 anos. Há ocasiões em que esse hiato é de se perder no tempo da memória ocupada com tantas outras datas e prazos a vencer. Foi mais que isso, para mim, quando vi mas não reconheci meu primeiro professor de pós-graduação, o mineiro Wander Miranda, com quem fiz na UFMG um seminário sobre a escrita autobiográfica de Graciliano Ramos, em 1987. Na segunda oportunidade que tive de vê-lo em Albuquerque, a ficha caiu. Reconheci-o. Que prazer, então!
sábado, 23 de agosto de 2014
Arte e Missão: A Fotografia de Maier e Salgado
Arte e Missão:
Arte e Missão:
A Fotografia de Maier e
Salgado
Que atributo melhor nos
destaca dentro do mundo animal? Será que somos mesmo os ditos “animais
racionais” do universo? Diógenes, aquele filósofo grego, estava
certo? Não passamos de frangos depenados? O raciocínio, os sentimentos, e
muitas outras características fazem parte tanto da vida dos cães, elefantes e
pererecas, quanto da existência de lutadores de boxe, políticos e garis.
Um dos atributos que
melhor nos separam dos outros tipos de animais acredito que seja a nossa
relação com a arte: a capacidade para criar, evocar, representar e/ou
transformar o mundo ou novos mundos que brotam de nossa imaginação, nossa
necessidade de ir muito além das experiências banais, mas necessárias, como
escovar os dentes e pentear os cabelos (quando ainda os temos), nos vestir ou
despir pelo menos 730 vezes por ano, comer todo santo dia e quase todo santo
dia ver que boa parte daquela comida gostosa estava apenas de passagem. Virou
massa abominável. Invadiu os rios e oceanos.
Algum tempo atrás os
tais animais racionais passaram a considerar a fotografia como forma de arte.
Mais que justo, só que ela pode ser mais que isso! Recentemente mergulhei nas
fascinantes histórias de dois fotógrafos cuja existência não seria a mesma se
por acaso não tivessem descoberto e alimentado suas paixões e obsessões
(desculpem a redundância) pela sua arte. Não há espaço aqui para ir fundo no
que vejo de complexo e absolutamente fantástico na mente e no roteiro de vida
de cada um. Tentarei apenas esboçar alguns contrastes e semelhanças.
Sebastião Salgado nasceu
na pequena cidade de Aimorés, Minas Gerais, em 8 de fevereiro de 1944. Aos
setenta anos de idade, é um dos fotógrafos vivos mais famosos de todo o mundo.
Vivian Maier veio ao mundo no mesmo dia, mês e ano que minha mãe: 1o. de
fevereiro de 1926. Era natural de Nova Iorque, filha de uma imigrante francesa
nascida num pequenino vilarejo situado num vale dos Alpes. Maier jamais
conheceu a fama em vida. Muito pelo contrário. Basicamente ninguém viu suas
fotos. Nem ela, exceto as poucas que revelou! Logo após sua morte, em 21 de
abril de 2009, seu enorme legado foi descoberto. Hoje ela é uma das mais
celebradas fotógrafas de todos os tempos.
A vasta maioria da
produção de Maier e Salgado é em branco e preto. Também há semelhanças
temáticas. Embora retratem de tudo que existe na Terra, dedicam mais tempo a
fotografar seres humanos, bem mais do que animais, plantas, e paisagens urbanas
ou rurais. Em particular, compõem imagens de pessoas que vivem às margens do
conforto material e da sensação de segurança de um lar.
Ao trabalhar por mais de
40 anos como babá para famílias de classe média alta entre Chicago e Nova
Iorque, Vivian Maier levava as crianças para passear nas periferias
empobrecidas daquelas cidades. Extremamente discreta e solitária, era
estranhamente viciada em coletar jornais e revistas nos seus aposentos, que
sempre mantinha trancados. Sozinha ou acompanhada nas suas andanças, Maier
capturava, com sua Rolleiflex, as ações e emoções de anônimos sem-tetos,
desempregados, bêbados, loucos, trabalhadores braçais em inóspitas condições,
crianças chorando, casais brigando, a imundice e a pobreza gritando calada que
só quem gosta de pobreza é intelectual de esquerda.
Uma obscura missão
levava Maier a fotografar freneticamente esse mundo, mesmo que ela mesma não
pudesse vê-lo além do visor de sua câmera. Maier não revelou quase nada dos
mais de 150 mil retratos que tirou. Talvez sua obsessão com o fotografar
sugasse quase todo o seu salário na compra de novos rolos. Talvez não sobrasse
dinheiro para o processamento dos seus milhares de cartuchos selados, um dia
descobertos num depósito de aluguel. Em função do extraordinário talento e
atual reconhecimento da obra de Vivian Maier, qualquer de seus retratos
revelados em vida, do tamanho de um cartão postal, ou menor, não vale menos que
4 mil reais.
O enredo do outro
protagonista desta crônica também nos surpreende. Há mais de 40 anos residindo
em Paris, Sebastião Salgado foi criado por fazendeiros abastados do Vale do Rio
Doce. Não seguiu o destino que talvez lhe fosse mais fácil: cuidar e expandir
as posses de seus pais. Sensível aos disparates econômicos e políticos do
Brasil dos anos 60, rebelou-se. Enquanto estudava economia na USP, foi membro
de um grupo de resistência à ditadura, a Juventude Universitária Católica.
Perseguido pelos militares, exilou-se em Paris, onde continuou a trabalhar para
seu grupo e cursou doutorado na prestigiada Sorbonne.
Em 1970, aos 26 anos, Salgado
comprou uma Pentax Spotmatic II, para ajudar Lélia, sua esposa, em seus
trabalhos de estudante de arquitetura. Não entendiam nada de fotografia. Foi
paixão instantânea. Sebastião e Lélia logo tecem um novo sonho: largar tudo,
comprar uma velha Kombi, montar um laboratório fotográfico nela mesma, e sair
trabalhando por toda a África. Antes de terminar sua tese, ele obteve um
excelente emprego junto à Organização Mundial do Café. Transferiu-se para
Londres, comprou um esplêndido carro, alugou um belo apartamento ao lado do
Hyde Park, e passou a viajar de graça por todo o mundo. Não podia esperar algo
melhor de um emprego, mas isso veio. Realizou gratificantes projetos
comunitários de enorme desenvolvimento econômico e social em Ruanda, Burundi,
Congo, Uganda e Quênia.
Salgado descobriu que de
fato queria fazer muito mais pela humanidade, e que queria muito mais da vida,
do que conforto e prestígio próprios. Seu trabalho independente como
foto-jornalista já lhe dava confiança e lhe aguçava a imaginação. Resultado:
largou tudo para trás para se tornar fotógrafo do mundo. Vendeu o que possuía e
investiu em equipamento fotográfico de peso. O sucesso veio rápido, ao receber
inúmeros prêmios e ser muito bem pago por agências de publicidade, organizações
variadas, além de grandes revistas e jornais europeus. Já retratou mais de 120
países. Seus projetos são longos e sempre de muita relevância social. A cada um
deles dedica entre seis e oito anos! Vai e vive com as pessoas que fotografa
nos rincões mais remotos do planeta. Mundo afora, já fotografou, por exemplo,
os trabalhadores que atuam em tarefas em extinção, por conta dos avanços da
mecanização e da tecnologia (Trabalhadores); os milhões pessoas em fuga
massiva ou morrendo de fome (Êxodos); e os habitantes desse planeta
ainda a viver como se fazia a milênios atrás, como os nômades de Mali (Gênesis, atualmente
em exposição em Belo Horizonte).
Para nós, os
interessados nesses fenomenais artistas, não falta informação. Recentemente foi
lançado um excelente documentário, Finding Vivian Maier, certamente
disponível no Brasil em breve. Também recente é o maravilhoso livro de
Sebastião Salgado, Da minha terra à Terra. A custo bem baixo, foi
lançado em brochura pela ed. Paralela. Tudo isso é, para mim, uma profunda fonte
de inspiração sobre como ver, viver, fotografar, ensinar e aprender.
Mirem-se nas cenas de Atenas
A colina da Acrópole desde o Hostel Safestay (2025) Ei, senhor Chico Buarque de Holan...

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Dário Borim Jr. dborim@umassd.edu Batista, Alex, Geraldo, Henrique, DB, Tatau e Delson -- Turma da Eterna Saideira Hoje não tem papo de Clar...
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Uma casa assassinada Dário Borim Jr dborim@umassd.edu Rua Presidente Getúlio Vargas, número 11. Foi ali que mataram um ...