Dário Borimm Jr
dborim@umassd.edu
Monumental, hilária, e reveladora – assim podemos definir o livro de Rodrigo Faour, História sexual da MPB: A evolução do amor e do sexo na canção brasileira (Rio de Janeiro: Record, 2006). Não há como se pensar de outro modo diante das suas dimensões físicas, tom e valor simbólico enquanto referência. São 586 fascinantes páginas em papel off-set acrescidas de 32 páginas coloridas com as sugestivas capas de inúmeros LPs e CDs. Para o bem geral da nação e seus estudiosos e simpatizantes, o jovem jornalista e pesquisador Rodrigo Faour vai muito além do que se poderia esperar de um bom livro inteiramente dedicado às questões amorosas e sexuais na música popular brasileira.
dborim@umassd.edu
Monumental, hilária, e reveladora – assim podemos definir o livro de Rodrigo Faour, História sexual da MPB: A evolução do amor e do sexo na canção brasileira (Rio de Janeiro: Record, 2006). Não há como se pensar de outro modo diante das suas dimensões físicas, tom e valor simbólico enquanto referência. São 586 fascinantes páginas em papel off-set acrescidas de 32 páginas coloridas com as sugestivas capas de inúmeros LPs e CDs. Para o bem geral da nação e seus estudiosos e simpatizantes, o jovem jornalista e pesquisador Rodrigo Faour vai muito além do que se poderia esperar de um bom livro inteiramente dedicado às questões amorosas e sexuais na música popular brasileira.
Conforme nos adianta o astuto especialista Jairo Severiano, ao recomendar entusiasticamente a obra à primeira aba da segunda edição,“Faour obrigou-se a realizar a exaustiva tarefa de levantar mais de quinze mil composições representativas de toda a existência de nossa música.” Dessas, Faour analisou 1.300 títulos para desenvolver e sustentar suas teorias. Nessa empreitada, são citados os versos mais pungentes de todas ou quase todas essas 1.300 canções, às quais o autor teve acesso nos acervos das principais gravadoras brasileiras.
Além de discernir e comentar incontáveis canções que confirmam os paradigmas principais da história da música popular, o autor não deixa de incluir as exceções às regras, passagens estas que muitas vezes enriquecem seu ensaio com humor inusitado. Ao discutir algumas belas mas soturnas e deprimentes modinhas, Faour cita uma parte da entrevista com José Ramos Tinhorão em que o renomado e polêmico historiador analisa “Perdão, Emília,” de autor desconhecido. Gravada em 1902 por Bahiano e Mário Pinheiro, seus versos contam, segundo Tinhorão, “a história de um cara que vai ao cemitério pedir perdão à mulher porque lhe tirou a virgindade e não se casou com ela. No meio da música vem a grande surpresa: a morta ganha fala e esculhamba o cara” (28-29).
Na versão original, a musa-morta desabafa: “Monstro tirano, pra que vens agora? / Lembrar-me as mágoas que por ti passei? / Lá nesse mundo em que vivi chorando, / Desde o instante em que te vi e amei” (29). Faour arremata, com ironia, que foi por “acaso que deram voz à mulher nesta música–mesmo que depois de morta. Em geral não era assim” (29). Em plena informalidade, o autor observa que canções desse tempo “causavam um amargor no estômago que nem uma tonelada de Sonrisal daria jeito” (29). Explica ele que aquelas imagens dramáticas se tornariam “um indicativo de bom gosto. A música tida como bonita em geral continha alguma tragédia ou um quê de melancolia embutido” (29).
Com uma linguagem despojada (ao mesmo tempo informal e jocosa, e muitas vezes, irônica), Faour discorre sobre uma das principais vocações da música popular brasileira: elaborar uma múltipla crônica de costumes. Entre tais costumes, destaca-se a acentuada tendência do compositor, músico e consumidor-cidadão ao culto e estetização da fossa, do amor frustrado, da tristeza e da solidão. Segundo as contas de Faour, até a década de 60 do século passado, 90% de todas as canções amorosas brasileiras abordavam o desencanto amoroso.
O pesquisador também apresenta, com inúmeros argumentos e detalhes, uma aparente forma de esquizofrenia brasileira. Por um lado, setores da sociedade reprimem a tematização da sexualidade na música, impondo-lhe censura e punindo severamente os transgressores. Por outro lado, escancaram-se, desde os primeiros sambas até as banais formas de “bunda music,” os princípios da castidade e do decoro. Popularizam-se assim as “safadanças”, termo do próprio autor, isto é, o maxixe, o forró, a lambada, e o funk, enquanto se celebra e se abusa do duplo sentido da linguagem, da dita sacanagem, e da escatologia.
Em conclusão, a obra de Rodrigo Faour é ambiciosa e atinge seus objetivos, constituindo um adicional de peso (literal e metaforicamente) a uma distinta lista de obras que retratam com rigor, minúcia e zelo a história tão picante quanto mirabolante da canção brasileira.
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