domingo, 3 de maio de 2009

Ondas





Dário Borim Jr.

dborim@umassd.edu

A vida flue em variadas ondas: as de momentos difíceis, tais como aqueles criados por doenças, saudades e falecimentos; e as de momentos bons, como os de nascimentos, reencontros e casamentos. Essa última onda foi a que me levou ao Brasil no fim-de-semana passado. Meu sobrinho Alexandre e sua noiva, Bruna, se empenharam ao máximo e produziram um casamento-espetáculo dos mais memoráveis. O único expatriado da família não podia perder esse evento, e por isso organizou seus afazeres e conta bancária de modo a acomodar a extravagância de uma viagem-relâmpago ao outro lado do globo.

No caminho de ida, na quinta-feira, eu tive que lidar com o enorme estresse de chegar tarde ao aeroporto para embarcar. Não foi bem culpa minha. Os estacionamentos estavam lotados e a companhia aérea antecipou o horário de partida sem me avisar. Por um triz não me dei mal. Mesmo que tenha sido quase no último minuto, ainda consegui sair de viagem como era necessário para não perder as próximas conexões.

Em Belo Horizonte, tudo conspirava a favor de um casamento maravilhoso: tempo bom, a família toda bem disposta, e o reencontro com velhos amigos. Numa capela do condomínio Retiro das Pedras, Alexandre e Bruna foram unidos em matrimônio religioso sob os raios multicoloridos de um belíssimo pôr-do-sol iluminando a enorme parede de vidro atrás do altar. Os pombinhos programaram várias surpresas: homem vestido de anjo, palhaço, malabarista e sanfoneiro. O melhor da festa ficou por conta dos noivos sapecando uma dança bem coreografada ao som de “Sweetheart of Mine”, uma valsa cujo arranjo combinava linguagens e artistas do chorinho carioca e do jazz de Nova Orleãs.

Depois de múltiplas conversas com parentes e amigos, repetidas doses de uísque, e incansáveis danças, o casamento virou lembrança. Antes que meu fim-de-semana internacional se acabasse por completo, porém, outras ondas chegariam. No vôo de domingo à noite entre o Rio de Janeiro e Nova Iorque pude ajudar uma mocinha a não desmaiar. Karina, sentada na janela ao meu lado, era lutadora de Jiu-Jitso, uma carioca de uns 18 anos. Estava com o joelho esquerdo contundido e enfaixado. Tinha uma cachorrinha vira-lata pretinha e peluda, a tal de Sininho, resguardada embaixo do banco da frente. Sininho recebeu longos cafunés da sua dona, durante quase toda a viagem, e não a ouvi latir uma só vez.

Conversamos muito pouco. Eu curtia a leitura de um belo e estranho romance, Coiote, de Roberto Freire, quando, a certo momento, Karina pediu que chamasse os comissários. Estava passando mal e suando frio. Pus a mão na sua testa e suspeitei que estivesse mesmo com pressão baixa. Os comissários vieram e comecei a abanar seu rosto enquanto um deles passava um paninho gelado no pescoço e no tórax. Fiz-lhe umas perguntas e ela disse que aquilo era hipoglicemia, mas que não era diabética. Fui atrás de um copo de coca-cola. Ela foi melhorando aos poucos. Karina agradeceu minha ajuda, e eu lhe disse, com convicção, para acalmá-la: "Estou aqui pra te ajudar". Reagiu bem ao açúcar. Fiquei pensando como não deveria ser fácil depender da ajuda de estranhos, uma observação que certa vez ouvi de Janis Joplin.

Por coincidência, outro sério problema de joelho me esperava em casa. Meu filho mais velho, Ian, sofrera uma colisão traumática numa partida de futebol e corria risco de ter que fazer cirurgia e ficar fora dos gramados por quase seis meses, o que seria uma mini-tragédia para esse aficionado do esporte das multidões. Ele tinha acabado de chegar de uma fascinante viagem de ônibus a Nova Orleãs, com mais 44 jovens, onde trabalhara na construção de casas para os menos favorecidos. Naquela viagem de 10 dias, Ian fora eleito o “príncipe da caravana” pelas garotas adolescentes. Segundo disseram os professores responsáveis pela jornada, ele foi o trabalhador mais entusiasmado do grupo. Tudo transcorrera às mil maravilhas até voltar às suas atividades em Dartmouth, onde moramos. A vida tem desses revezes: o pico do sucesso muitas vezes é seguido de uma queda vertiginosa ao fundo do posso.

Assim foi a história de mais um fim-de-semana inusitado para mim e muitas outras pessoas, inclusive Alexandre e Bruna. O mundo pós-moderno e globalizado tem dessas coisas: a canção de maior destaque no seu casamento foi uma composição de Jelly Roll Morton interpretada por Tom McDermott, a quem eu assistira ao vivo no clube Donna, de Nova Orleãs. O seu disco, Choros do norte, a mim oferecido pelo próprio exímio pianista, eu levara ao Brasil para compartilhá-lo com José Codo, meu cunhado apaixonado por música melódica e romântica. Dessa exportação de um tesouro de Nova Orleãs altamente influenciado pelo chorinho do Rio de Janeiro veio a escolha musical dos noivos. Por coincidência, meu filho voltava daquela outra “cidade maravilhosa”, às margens do delta do Mississipi, quando, em Belo Horizonte, um belo casamento transcorria ao som de um grande artista da incomparável cidade franco-americana.

Sem despachar mala alguma, eu chegara ao Brasil para aquela cerimônia de matrimônio, e de Belo Horizonte voltei com uma senhora bagagem de recordações: aventura, enternecimento, e orgulho do meu primogênito, principalmente. Estava, pois, um tanto mais feliz e mais forte para lidar com os desafios, dores e preocupações de pai, num cotidiano de muitas ondas, sem aviso prévio e sem trégua.

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15 comentários:

Anônimo disse...

Valeu, Borim!

Anônimo disse...

Legal mano, gostoso de ler.
Estamos torcendo pelo Ian. Tomara que ele tenha sorte de não ser algo muito sério.
Beijos,
Di

Riquinho disse...

Dear Dario,

Very nice piece. I enjoyed it. You almost always manage to have "adventures"! (Um jeito de vc, nao e?)

R.

Anônimo disse...

É Brother, as viagens sempre trazem emoções mas parece que de acordo com a pessoa e o lugar... coisas muito mais interessantes acontecem!! Foi muito ter vc aqui, pena que foi tão rapidinho. Aliás, em momentos de festa a gente quase não conversa, não é?! Mas curtir também é bom demais,que a gente sempre esteja em festa! Mande um beijo pro Ian e bons fluídos!! A propósito, não consegui ver as fotos e o vídeo, como faz??
Beijos, Cacá.

silvana disse...

Ei brother
Costumo dizer que sem a sua presença o colorido da festança não é mesmo! Que bom que veio e compartilhou com a gente momento tão importante e lindo. Torço também para o Ian se recuperar, muitas contusões entre os Borins! E que bacana este trabalho que ele fêz... Parabéns! Agora que a mistura de raça deu uma combinão bacana, concerteza, ô menino bonito!!! Bjo, Mana Silvana

Cris disse...

Que bom acordar e ter uma crônica sua para ler e inspirar meu dia!
Fico encantada com a sua escrita. Tem o dom de resumir sem tirar o mérito de nada! Geralmente, ao inverso, engrandece! Realmente o casamento do Xande e Bruna foi um espetáculo! O mar da serra verde ao fundo, a capela mudando os tons de cores à medida que familiares, amigos e os noivos se conduziam para uma nova vida, da clareza do dia amarelo ensolarado ao vermelho-paixão do entardecer. Das músicas cuidadosamente escolhidas para cada momento, uma surpresa agradável, escolhas inéditas para mim neste tipo de cerimônia; os amigos/padrinhos entrando com símbolos da união e um grande anjo protegendo o caminho que iriam traçar. E era só o começo... O caminho para festa com as surpresas do mágico e músico, o salão iluminado com os mesmos tons do entardecer e da mata e aquela linda dança dos dois que me encheu o coração de amor por ver duas pessoas se comprometendo de forma tão linda, chamando a todos para participar, fazendo do seu amor um show com entrada franca. Você tem sempre razão, um espetáculo! E te agradeço imensamente por ter me dado a grande oportunidade de poder ter participado desse acontecimento mágico! Me sinto abençoada pelo convite e pela forma como fui tratada por todos.

Na verdade todo o fds foi mágico. Lendo sua crônica fico observando conexões das quais não possuímos nenhum tipo de controle, que são criadas através do tempo e das pessoas, reunindo e atraindo o que na verdade nossa energia emite. Você é um bruxo poderoso. Sua emoção em uma das visitas a New Orleans despertou outra emoção nos corações de dois jovens a mil quilômetros de distância muitos anos depois e que a dividiriam com seus amigos enquanto seu próprio filho atuava como grande amigo da comunidade que vc visitou,reerguendo a cidade. Na mesma viagem vc, de volta para casa, senta-se ao lado de uma garota que tem um problema que ao chegar em casa vai ter que viver com seu filho... uma preparação? um aviso de que ele não irá depender de estranhos? pq sua mágica já o levou para casa para estar ao seu lado e dar apoio incondicional nessa hora tão dura pra ele... Vc tem o dom de trazer o amor para seu redor. Vejo que pessoas e emoções estão sempre retornando em sua vida, te trazendo coisas lindas e agradáveis em que vc pode processar e reenviar pro mundo de novo em uma nova forma de amor...

Como tudo se encaixa no final! Vc tem toda razão! A gente entra sem bagagem, de mãos limpas, sem pretensões e sai com a mala cheia de recordações e aprendizado para toda a vida. É assim que me sinto a cada leitura de um texto seu! Espero que ainda possa viver bastante tempo para poder escutar suas histórias e compartilhar com vc tanta sabedoria e emoção.

rose marinho prado disse...

Texto bacana, de bagagem bem amarrada: música, cachorro, vôo, filho ( já deve estar ótimo); mocinha com Coca Cola; seu casamento, o dele, um risco no céu.

E como é que passou tanta confiança para a moça? Ninguém tem tanto poder, Dario! Rs.
Foi necessário? Janis tá certa.

Até mais

Joao Bosco e Sue disse...

E ai Darinho, tudo legal ? Rapaz, dei uma olhada
no seu blog. Eu e a Sue lemos suas últimas
crônicas. Deliciosas ! O casamento do teu
sobrinho foi um "espetáculo"mesmo, hem ?
Um grande abraço pra todos.

Viviane disse...

Darinho !!!

Como sempre suas crônicas são fontes fantásticas de inspiração e meio para uma deliciosa, necessária e significante distração!

Grande abraço,

Viviane

Olivia disse...

Oi Dario! Adorei seu último texto.

E sobre a ajuda àquela menina no avião, lembrei do meu 1º vôo. Eu sozinha, indo de Bh pra Bsb.... ai gente, estava super nervosa.
Estava no corredor, e um senhor na janela. Na hora da decolagem, eu mais que nervosa perguntei pro senhor com cara de avô...: posso segurar sua mão? Antes mesmo que ele me respondesse eu já estava segurando a mão dele! Hj eu morro de rir disso, mas realmente se naõ fosse a "ajuda" dele eu nem sei, viu? Rsrsrsrs.
Tadinho, eu nervosa e ele tentando me distrair contando que a esposa dele tinha mais medo de avião que eu... talvez ela nem tivesse medo mesmo, mas pra tentar aliviar a situação.
Muito cuidadoso, fiquei feliz de poder contar com uma ajuda de um desconhecido. Tenho certeza tb que a menina tb ficou feliz com a sua ajuda!

Grande beijo!

Olivia disse...

PS.: "Foi por meo de avião, que eu segurei pela primeira vez a sua mão" citando a música de Belchior! hahahahhahahahaa

Anônimo disse...

Ontem dormi uma noite confusa, com sonhos estranhos e de madrugada acordei pensando nas "Ondas" do seu blog... Ce acredita? Eram tipo 3:30 e acordei meio que sonhando que como vc estava certo no título da sua cronica. Não me
pergunta pq a ficha foi cair nessa hora! kkkkkkkkkkkkkkkkk só sei que
fiquei pensando na nossa responsabilidade como indivíduos que em nossos pensamentos e atos,formamos uma marolinha daqui que pode se tornar um tsunami do outro lado... principalmente o que falamos... e me lembrei de um
email que vc me disse que estava repensando na sua postura perante a
estranhos, o que achei muito engraçado na epoca, pois uma coisa que me marcou em relação a vc na minha vida foi a gentileza que sempre tratou a todos, vi
atraves de vc que era possível tratar as pessoas sem distinção e que isso era uma das coisas mais bonitas que uma pessoa pode fazer... que as babaquices as vezes formam ondas maiores e mais fortes por causa do sentimento de raiva contidos, mas as ondas de amor e amizade ficam indo e vindo, sem ruptura e podem reencontrar em outro porto depois de 30 anos com
a mesma intensidade...

Issima disse...

Darinho,
Na vida toda passamos várias coisas em que a ajuda de estranhos é fundamental,pq dos parentes e dos amigos já esperamos muito... então a grande "sorte" nessa passagem aqui na terra é termos energia e atitude positivas para recebermos o bem de onde menos esperamos... Lei da atracão com a do retorno entrelacadas! Bem, é nisso que acredito e vejo as pessoas que tem receberem dádivas onde menos esperam. E daquela garotinha, que sem seu amor e atencão poderia ter passado muito pior e a sabedoria da coca que a fez recuperar e o retorno de quando chegasse em casa e contasse pro Ian ele pudesse refletir que existem casos iguais ou piores que o dele e que ele não esta só nessa chatisse de quem pratica muitos esportes tem o risco de se machucar... Issima

Guigui disse...

Querido Darinho,
Estou com saudades, vc sumiu, me abandonou?
Como estão as coisas por aí? Tudo bem? Família?? Espero que esteja tudo ótimo.
Tenho lido suas crônicas no Blog, adoro; tenho a sensação de que vc está por perto, mesmo sem me dar notícias diretamente ...
Por aqui está tudo bem, trabalhando mais do que eu gostaria, mas descobri que não dá pra trabalhar só um pouco, é tudo ou nada.Ás vezes penso que seria bom me aposentar, mas depois chego à conclusão que eu ficar doida, hipocondríaca ou algo do gênero, então, toco a vida pra frente, e na correria de todo dia sinto que vou perdendo o contato com os amigos, sinto saudades e fico triste.Penso que sou uma amiga pouco presente, mas tenha certeza de que me lembro sempre de vc, da Ann e dos meninos. Vcs moram no meu coração.
Grande beijo,
Guigui

Sonia disse...

Dario,
Eu tenho lido muito atentamente o seu blog e gostei particularmente da sua critica ao livro de Caetano Veloso.

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