Era 18 de dezembro, 2004—mais uma noite fria de quase inverno, como se as datas no
calendário valessem a autoridade que assumem ao determinar o começo e o fim das
estações. Sete anos depois (hoje é dia
20 de dezembro), aqui mesmo em Dartmouth, na costa sul de Massachusetts,
relembro a história por detrás de um livro que acaba de sair nos Estados
Unidos. É a tradução que fiz para o idioma inglês da biografia escrita por Helena
Jobim: Antonio Carlos Jobim: An
Illuminated Man.
Para muita gente, essa época do ano é basicamente
de alegria por conta da antecipação mental que se faz dos dias em que a família
estará reunida, em clima de harmonia e descontração. Para outras pessoas, na
melhor das hipóteses esse é um tempo de desassossego. Teme-se o que há de vir:
ou a solidão, ou o desentendimento entre familiares, ou mesmo a saudade de quem
está ausente ou já partiu desse mundo. Para quem mora longe e não pode estar
com seus queridos, por exemplo, o desconforto desta estação de festas pode ser
pungente. Fatores climáticos exacerbam a dor ainda mais. Pode ser a chuva
incessante que anda caindo no sul e sudeste do Brasil, o tom cinza predominante
na paisagem ou o frio rigoroso que, por aqui, com neve ou sem neve, é
acompanhado de uma escuridão deprimente a encobrir as ruas e os campos até
mesmo antes das quatro horas da tarde.
Naquele dia 18 eu pensava em meu saudoso amigo
Roberto Reis, professor e orientador no doutorado que eu fazia na Universidade
de Minnesota. Ele morrera também 10 anos antes, em 1994, apenas duas semanas
após o falecimento de Tom Jobim. Foi, então, que escrevi uma resenha, em
inglês, do livro de Helena Jobim, que até a data só tinha edições em português
e japonês. A vida e a morte de Jobim narradas em linguagem poética e dramática
pediam-me uma reação, a expressão da minha própria dor que crescia a cada
minuto porque se unia àquela de uma irmã desolada pela morte do adorado irmão,
cuja música era venerada nos quatro cantos do mundo, mas, principalmente, cuja
ausência lhe resfriava a alma de tal maneira que a empurrava à beira do paroxismo,
um abismo emocional.
Três anos e meio mais tarde, eu passava férias em
Paraguaçu. Certo dia, precisamente a 16 de junho de 2008, eu lia meus emails
numa lan-house perto da Praça Oswaldo Costa, quando me deparei com uma mensagem
enviada por alguém que não pertencia ao meu círculo de amigos. Eu estava pronto
para enviá-la ao lixo cibernético quando decidi verificar do que se tratava: "Dear Sir, I read your 2005 review of Helena Jobim's
memoir, and found it fascinating. My research finds no
English-translated edition. If you know of one, would you be
so kind as to direct me to that source? Sincerely, Robert Lamm." Era um email que, ao mesmo tempo, elogiava
minha resenha da edição brasileira do livro de Helena Jobim e me perguntava se
eu sabia da existência de uma tradução inglesa daquela obra.
Bastante
lisonjeado, respondi imediatamente. Também
estava levemente frustrado por não poder ajudar com a indicação de uma versão
do texto para o idioma em que o meu leitor também pudesse ler a biografia
poética e apaixonada de Tom Jobim. Logo após mandar o meu email, resolvi fazer
uma pesquisa na internet a respeito do meu leitor. Que surpresa me esperava!
Logo descobri que Robert Lamm era o pianista, vocalista e fundador do Chicago,
banda que nós (bem comportados) ouvíamos em nossas festas dançantes em Paraguaçu, e (bem menos comportados) curtíamos nas nossas repúblicas em Belo Horizonte.
Aquela
surpresa seria apenas o início de uma série de desencadeamentos. Através da
mesma mágica pós-moderna da internet eu sei que, no horário de Brasília, Robert
me escreveu de Cincinnatti, Ohio, às 16h28. Li seu email e, sem muita demora,
o respondi às 18h50 (ainda sem saber ao certo quem era Robert Lamm). Sugeri a
leitura de uma crônica sobre Tom Jobim que eu havia publicado na revista Brazzil, de Los Angeles, em inglês.
Também já revelava naquele email o meu interesse em traduzir o livro de
Helena.
Às 20h26 eu escreveria um segundo email a Robert Lamm, antes mesmo de receber sua resposta ao meu
primeiro, dizendo-lhe que Chicago tinha sido uma das nossas bandas favoritas
nos anos 70. Ainda naquele dia 16 Robert me responderia às 23h51, com múltiplas
informações sobre suas ligações com a bossa nova, sua amizade e parcerias com
Marcos Valle, e sua disposição para me ajudar a fazer e publicar a desejada
tradução, que se transformou em belo e elegante livro de 300 páginas, 80
fotografias, lançado pela maior editora de partituras do mundo, a Hal Leonard.
Está agora à venda em todo o mundo por meio de dezenas de livrarias virtuais,
inclusive esta, sediada em Londres, que oferece o livro por apenas 22 dólares,
sem cobrar frete nacional ou internacional: www.bookdepository.com.
Robert Lamm e
eu mantivemos assíduo contato nas próximas semanas. Ele e seu grupo Chicago
faziam uma tourné mundial. Por isso hoje eu recebia um email dele, vindo Tóquio,
amanhã, de Copenhague, dois dias depois, de Londres, e assim por diante. Robert obteve
o número de telefone de Helena e sugeriu-me editoras. Até mesmo doou dinheiro à
Universidade de Massachusetts Dartmouth para que eu oferecesse um curso a menos
no outono de 2008 e, portanto, me ocupasse com a tradução da obra a partir de
setembro. Nesse mesmo mês tive a felicidade de conhecer e jantar, na casa de
minha irmã Silvinha e cunhado José Codo, com Helena Jobim e seu marido, Manoel
Malaguti, homem muito simpático e entusiasmado com o projeto de tradução. Infelizmente
ele viria a falecer pouco mais de um ano depois daquela memorável noite em Belo
Horizonte.
Devo concluir
que pude realizar um sonho a partir da generosidade de um grande músico e de uma
simples resenha em forma de tributo a um gênio da música universal. Era também
a catarse de uma tristeza multifacetada: os falecimentos de Roberto Reis e Tom
Jobim, além da melancolia de inverno e fim de ano. Entre outras lições, aprendi
que quando se diz ou se realiza algo por afeição e em busca de paz de espírito,
cria-se um efeito cascata. As águas poderão rolar ad infinitum, e nunca se saberá até onde poderão chegar as
consequências de um gesto de bem, de ternura, e de amor.
23 comentários:
BRAVO!!!!
que linda essa, voce esta' inspirado. que historia de amor mesmo!!!
Valeu, Dario!
Foi um belo presente de Natal!
Te cuida.
Thiago
Dario querido,
Obrigado pela cronica, e por lembrar do Beto, hoje faz 17 anos daquele tragico acidente.
Que saudade...
Boa noite,
Tuka
Ei, Dario.
Acabei de "descobrir" seu blog.Vou incluí-lo nos meus momentos de folga.
E sobre esta crônica: uau! Sem palavras.
Beijo, Clarissa.
Bonito texto, Darinho!
Abraço,
Leandro
Parabens e obrigada, Dario. Abraco super. Clemence
Oi Darinho
Belo texto, bela história. Obrigado por enviá-lo . Curiosamente, lá por meados dos anos 70, também ouví muito o Chicago e uma das primeiras músicas que aprendí foi “Happy Man”.Adorava o aproach jazzístico deles. Comovente a generosidade de Mr. Lamm .
Parabéns pela edição do livro. Fico feliz que seja um conterrâneo a ser brindado com esse verdadeiro presente. O Tom é, mais que um ícone brasileiro, um patrimônio de toda humanidade. Tive a oportunidade de ver uma de suas últimas apresentações no Brasil em 1993, quando foi homenageado no Free Jazz em São Paulo. Essa apresentação rendeu um DVD que ainda está no mercado.
Pena, pelo que entendí, que você não venha a Paraguaçu para o final de ano. Por conta do Facebook acho que vamos reunir boa parte daquela turma em algum bar da terrinha. Estarei indo para lá amanhã, sexta feira, e só volto a BH no começo de Janeiro. E é claro, passarei pela loja para a costumeira visita a meu velho amigom Sr. Dário Borim.
Um abraço
Vinícius
Dizer o quê?
Bom dia, parabéns, mais uma bela crônica?
Obrigada Darinho por nos presentear/compartilhar com suas histórias, idéias, opiniões, sentimentos...
Aqui, o grande presente fica por conta de Tomaz, que chegou anteontem prá nos trazer mais alegria. Lira está ótima, feliz e André e Samuel tb.
Um grande beijo, muita paz e saúde
Amiga
Nélida
Nossa, olha como a internet tem seu lado bom, se não tivesses lido o e-mail do Mr. Lamn... rapaz, sou A-LU-CI-NA-DA pela banda Chicago! Digo-te que escolhi estudar inglês em Illinois por conta deste grupo! Infelizmente na minha temporada EUA a banda estava excursionando por este mundo de meu Deus... enfim, tenho quase todos os discos/Cds do Chicago e do Peter Cetera, devo meu inglês a estes só de escutá-los na minha terra natal, São Luís. Viva o Chicago e tua historinha com Mr.Lamn! Abraços!
Dario, ler suas crônicas vai fazer parte do meu 2012! Eu é que agradeço! Encaminhei o link para uma amiga de Itabira (crônica do Carlos D). Ela gostou tanto que já o acrescentou nos favoritos dela. Você está fazendo mais fãs! Beijo, feliz Natal e Ano Novo para vocês aí também!
Pois é: história com final feliz e merecido, Dario. Você tem feito maravilhas com/pela nossa música nos states!
Grande abraço e bom final de ano!
Carlos
Que bacana este texto, Dario, a história toda é bem bacana! Parabéns mais uma vez pelo o trabalho!
Abraços, Caroline
Poxa Darinho, que bela crônica! Parabéns, sempre me emociono quando leio o que você escreve, você também é cheio de luz!
Darinho. quando vc vier a Pçu,por favor, traga um livro deste para mim. Li a resenha, deve ser muito interessante. Aqui acertaremos a quantia. Obrigada, um abraço.
Well done!!! More success to come!!!
We are proud of you Darinho!!!
Take care
Maristela, Greg, C&B
Meu querido irmão tem sempre acesas no coração as chamas da amizade, da afeição sincera, das boas lembranças, da saudade que a gente sente dele principalmente nestas datas festivas. São mesmo estas chamas acesas interiormente que o aquecem nestas tarde frias e nestas noites brancas... Com amor, Mana Silvana
Lindo texto!!!
Os encontros não acontecem por acaso. Você sempre abriu espaço no seu coração dando o devido valor a nossa cultura, em especial, a música.
Creio que muitos encontros felizes acontecerão nesta e em outras vidas. Quem não quer estar ao lado de uma pessoa como você?
Um grande abraço!
Olha que historia mais linda, Dario! Adorei mesmo. Demorei em ler e ainda bem porque hoje, com tempo, li muito lentamente e totalmente fascinada. Bom, acontece tambem que sempre adorei essa banda fantastica, Chicago.
Obrigada por me mandar e oferecer um presente de ano novo tao lindo. Parabens e obrigadissima, amigo.
Lisa Godinho
PS Acabo de enviar este seu blog para um grande amigo em Lisboa e sei que ele vai gostar tambem!
Ambos para mim, são referências musicais.
Tom Jobim é um génio e uma das minhas referências básicas.
Também os Chicago foram uma referência minha, mas datada e das discotecas… Leonaldo
Mundo pequeno, que diminuiu ainda mais com a internet. Fã do Tom, havia lido, emocionado, "Um Homem Iluminado" há muitos anos. Não sabia do acidente com Helena até me vir às mãos "Pressinto os anjos que me perseguem". Moro em Belo Horizonte, muito próximo da barragem Santa Lúcia, e me emocionei ainda mais com todo o drama da recuperação. Só então entendi sob que circunstâncias "Um Homem Iluminado" foi escrito, o que dá mais valor ao relato. "os sons graves dos sinos do mosteiro" que ela levou para a obra são os mesmos que eu escuto. O cheiro da dama da noite é o mesmo que sinto. Não acreditei que pudesse estar morando tão próximo de Helena. Procurei no Google se ela ainda morava por aqui, e acabei encontrando seu blog. Bom saber que foi você a preencher a lacuna da edição em inglês de "Um Homem Iluminado", que Helena tanto lamentava em "Pressinto...". Não conheço a sua tradução ainda, mas um dia espero poder encontrá-la, assim como pretendo encontrar Helena aqui perto de casa. Um dia. Um abraço. Cristiano.
Mundo pequeno, que diminuiu ainda mais com a internet. Fã do Tom, havia lido, emocionado, "Um Homem Iluminado" há muitos anos. Não sabia do acidente com Helena até me vir às mãos "Pressinto os anjos que me perseguem". Moro em Belo Horizonte, muito próximo da barragem Santa Lúcia, e me emocionei ainda mais com todo o drama da recuperação. Só então entendi sob que circunstâncias "Um Homem Iluminado" foi escrito, o que dá mais valor ao relato. "os sons graves dos sinos do mosteiro" que ela levou para a obra são os mesmos que eu escuto. O cheiro da dama da noite é o mesmo que sinto. Não acreditei que pudesse estar morando tão próximo de Helena. Procurei no Google se ela ainda morava por aqui, e acabei encontrando seu blog. Bom saber que foi você a preencher a lacuna da edição em inglês de "Um Homem Iluminado", que Helena tanto lamentava em "Pressinto...". Não conheço a sua tradução ainda, mas um dia espero poder encontrá-la, assim como pretendo encontrar Helena aqui perto de casa. Um dia. Um abraço. Cristiano.
Caro Cristiano,
Muito obrigado pelos interessantes comentarios! Escreva-me se quiser tentar um contato com Helena. Meu email e' jr591809@yahoo.com ou djborim@gmail.com
Abraco,
Dario
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