sexta-feira, 25 de julho de 2014

Nem Deus Brasileiro, nem Papa Argentino



 
Nem Deus Brasileiro, nem Papa Argentino
 Dário Borim Jr. 
 dborim@umassd.edu


Que memorável experiência foi a de assistir, in loco, a uma partida da Copa no novo Mineirão! Por si só, o contato com gente de muitos países a caminhar para o estádio, sob um belo e energizante sol belo-horizontino, foi uma oportunidade inesquecível. Lá dentro, a sensação era a de eu estar dentro de uma televisão transmitindo um match de uma liga europeia. No estádio mais tradicional das Minas Gerais, os astros de Costa Rica e Inglaterra jogavam diante de gente bricalhona, mas educada, e coloriam um universo já repleto de tons, sons, e movimentos coletivos, que às vezes acompanhavam as manifestações musicais de pilhéria sobre os ingleses, já desclassificados do torneio, ou sobre qualquer torcedor argentino que aparecesse vestido a caráter no telão. Em geral, a sensação era de júbilo ao ver que o Brasil conseguia, a trancos e barrancos, sediar uma Copa do Mundo. Hoje penso: a história da segunda Copa do Mundo no Brasil não foi, de modo algum, diferente do que eu esperava. Vejamos por quê.
Alguns anos atrás li o original em inglês de um livro que jamais esquecerei, Como o Futebol Explica o Mundo: Um Olhar Inesperado sobre a Globalização (Ed. Zahar). É de um escritor americano, Franklin Foer, editor da famosa e sofisticada revista New Republic. Trata-se de uma obra fascinante, resultado de uma interessantíssima pesquisa sociológica ao longo de dois anos. Há bastante humor: o autor confessa, desde a primeira linha da obra, que sempre foi um perneta e não entende nada de futebol. Cada capítulo é dedicado à maneira como o futebol pode ser um bom meio para se entender aspectos importantes de um dado país.
Ao discutir tal questão em relação ao Irã, por exemplo, Foer aponta o aspecto revolucionário do futebol. Numa cultura onde vigoram normas muito rígidas sobre o que as mulheres podem ou não podem fazer, o esporte é símbolo e faz parte de um movimento revolucionário. Certa vez, centenas de mulheres, até então impedidas de ver partidas de futebol, marcharam rumo a um estádio em Teerã, arrombaram as portas e presenciaram um jogo de classificação de seu país para a Copa do Mundo.
No capítulo dedicado à Espanha, discute-se a particular rivalidade entre as identidades coletivas e as ideologias políticas que orientam os torcedores do Real Madrid e do Barcelona. O intenso e complexo tipo de nacionalismo emergente entre os torcedores catalãs em oposição ao de castelhanos torna essa seção do livro uma das mais ricas e intrigantes. No capítulo sobre o Brasil, revela-se uma longa e frustrante história de corrupção dentro dos clubes brasileiros e da Confederação Brasileira de Futebol.
Em parte, a Copa do Mundo de 2014 confirmou a tese daquele capítulo sobre o Brasil. Pudemos ler e ver casos de suspeitas ou fatos verídicos de superfaturamento de obras realizadas para a Copa. Além desse triste e vergonhoso elemento inegável da história, eu gostaria de mencionar o reflexo de outras características de nosso povo, algumas dos quais me deram imensa alegria e orgulho; outras, pelo contrário.
Em primeiro lugar, aponto a excelente hospitalidade e extrema generosidade com que os estrangeiros foram recebidos no nosso país, fato destacado em várias pesquisas realizadas entre eles. Depois, o genuíno fervor e a contagiosa paixão do brasileiro pelo esporte: lotando os estádios, assistindo, torcendo e discutindo cada partida da Copa como se todos os jogos fossem da seleção brasileira. Ao longo de um mês, familiares e amigos se reuniram dezenas de vezes para comer e beber e dançar e cantar em clima de total harmonia, descontração e bom humor, tudo por conta do seu próprio jeito de ser e dos jogos cheios de gols e improváveis resultados, como a eliminação precoce de quatro gigantes do futebol: Espanha, Inglaterra, Itália e Uruguai.
Outros componentes da mesma história foram as festas e apresentações musicais organizadas nas cidades-sedes. Apesar dos raros excessos e ocasional mau comportamento, como os de alguns argentinos, o clima cordial e alegre nesses locais, como os da praça da Savassi, em Belo Horizonte, já faz parte indelével da história da cidade, a mesma que viu a equipe norte-americana vencer a inglesa na nossa primeira Copa do Mundo, a de 1950.
Ainda outras características marcantes do povo brasileiro em evidência nesta Copa do Mundo foram a tendência ao atraso e a negligência no cumprimento das obrigações, problemas que provavelmente estariam por trás dos tristes acidentes e mortes de operários na construção de alguns estádios, como também na lamentável e embaraçosa queda de um viaduto em Belo Horizonte.
Nossa bela Belo Horizonte também ficou gravada como palco do maior fiasco da história do futebol brasileiro, a notória derrota dos 7 a 1 na semifinal contra a Alemanha. O papel de Neymar naquela equipe me faz pensar na dependência de um salvador, ou na força nefasta da hierarquização da nossa nação, na nossa história de monarquia, por exemplo, onde o Rei atuou como pivô paternalista da sociedade, ou mesmo no nosso ditador “bonzinho,” Getúlio Vargas, o Pai dos Pobres. Vi também o sentimentalismo do nosso povo retratado no choro dos jogadores ao cantar o Hino Nacional. Vi a falta de preparo estratégico e tático da equipe, certamente confiante na sua capacidade de improvisar e achar um jeitinho para lidar com o imprevisto e para enfrentar as adversidades.
Grave adversidade chegou. Neymar machucou-se gravemente. Uma equipe sem esquema tático e viciada na improvisação de um jogador que, segundo o técnico, podia jogar como um coringa no campo, sem eira e nem beira, até começou bem a partida contra os alemães. Porém, ela logo se desmoronou, entrando e pânico após o segundo gol de uma seleção que fizera o oposto a nós, ao se preparar meticulosamente para vencer a Copa.
Bem, reservo para o final desta crônica o melhor da história: o fabuloso senso de humor dos brasileiros! Tiro o chapéu: rimos de nossa ruína, elaboramos centenas de piadas sobre nosso desatino em campo, e a vida ficou um pouquinho mais alegre, ainda, em plena Copa que perdemos, ao vermos os “hermanos” voltarem pra casa sem o Caneco.
Minhas piadas favoritas foram a partir de imagens do Cristo Redentor. Numa delas a estátua sobe aos céus feito um foguete, e ele grita do alto do Corcovado: “Tô caindo fora desse país.” Se, apesar das milhares de rezas, dessa vez Deus mostrou que não é brasileiro, o Papa mostrou que nem ele pôde ajudar os seus “hermanos.” 
Também sou solidário. Além da nossa tragédia em campo, para mim foi deprimente ver Messi receber o taça de Melhor Jogador da Copa sem um sorriso sequer. Ele é bom sujeito, dizem, mas aquilo deve ter-lhe parecido como um Troféu Abacaxi. Ele queria era outra coisa. Nós também. Daqui a quatro anos tem mais. Rezemos mais, mas trabalhemos, a sério e  muito mais, para de novo ganhar a Copa!

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