sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Perigosas passagens




Dário Borim Jr.
dborim@umassd.edu


Vem chegando mais um fim-de-ano: festas, mesmo em tempos de arrocho em Wall Street, e também viagens, apesar do desemprego rolando solto. São muitas as ofertas de passagens com descontos, principalmente online. Aos futuros passageiros que se destinam ao Brasil, aconselho dois portais: http://www.farechase.com/ e http://www.clickandfly.com/. O primeiro tem a vantagem de pesquisar e expor as ofertas de vários sites ao mesmo tempo. O segundo pertence a uma loja de passagens de muita experiência (a BACC, de Nova Iorque) e tem ofertas que parecem ser quase exclusivas, de tão boas. Mas cuidado com a compra de passagens nesses portais ou em quaisquer outros, exceto aqueles das próprias companhias aéreas.

Dois meses atrás comprei uma passagem da companhia TAM para viajar de Nova Iorque a Belo Horizonte. No Click and Fly Online achei uma oferta bem razoável: 696 dólares. Uau! Porém, meus problemas começaram cedo, quando fui obrigado a trocar a data da volta por motivos profissionais: multa de 250 dólares. Não tinha como evitar: paguei. Duas semanas depois, tentei mudar o itinerário da volta, que era BH-SP-NI. Era para facilitar minha volta, agora que tinha que fazer uma palestra em Niterói, RJ. A multa dessa alteração seria 500 dólares. Aí já não dava mais para o meu bolso. Deixei como estava, contando com a possibilidade de voltar de ônibus de Niterói para Belo Horizonte, em tempo de embarcar de BH para São Paulo. Grande erro: quando estava no Rio, quase saindo para Niterói (onde logo faria a palestra), o grande dilema começou, pois não havia nenhum ônibus para Belo Horizonte que saísse do Rio ou de Niterói entre as 17:30 e 22:30 horas!

Como é, então, que eu poderia embarcar em BH se não podia voltar pra lá? Uma passagem de avião de última hora eu nem procurei. Custaria uma fortuna. Bem, resolvi correr outro risco e me deslocar de Niterói para São Paulo e lá embarcar para Nova Iorque. Sabia que haveria problema, por isso telefonei para várias lojas da TAM no Rio e São Paulo. As respostas que obtive foram as mesmas: “Meu senhor, a sua passagem é de um tipo que nós, da TAM, não podemos fazer nada para alterar, nada. Talvez o senhor consiga fazer alguma modificação no guichê da TAM no aeroporto de Belo Horizonte ou de São Paulo.” Com a pulga atrás da orelha apanhei um ônibus noturno no Rio e, depois, um táxi da rodoviária de São Paulo, para chegar ao aeroporto de Guarulhos em plena madrugada.

Lá pelas 5 da manhã começou o novo capítulo do meu drama: a loja da TAM se abriu. A atendente pôs os meus dados no seu computador e logo me deu a má notícia: eu tinha que embarcar em Belo Horizonte no vôo que me traria a São Paulo. Pior ainda: “no sistema eletrônico vê-se que a companhia que lhe vendeu o bilhete não permite a emissão de uma passagem em papel. Essa passagem poderia substituir o seu e-ticket e o senhor poderia então embarcar em São Paulo para Nova Iorque.” Mantive a calma e o respeito nas conversas que tive com a funcionária da loja da TAM. Horas antes, ainda no Rio, eu falara com meu pai e lhe dizia que caso houvesse problema em São Paulo eu precisaria me controlar emocionalmente e procurar uma solução ou, pelo menos, não piorar a situação. Foi preciso fazer como havia dito, mas a situação era gravíssima. Meu filho de 15 anos, com vários compromissos esportivos e escolares, estaria sozinho até que eu chegasse de viagem, e eu mesmo precisava lecionar no dia seguinte, em Dartmouth.

A funcionária dizia que só a agência de viagem de Nova Iorque detinha o acesso online e o poder de alterar os dados da minha viagem no computador, e que sem essas mudanças eu não podia embarcar em São Paulo, a menos que comprasse outro bilhete, por uma bagatela de 2.200 dólares! Saí da loja com o coração na mão e me dirigi ao serviço de telefonia e internet do aeroporto. Mandei emails para a Click and Fly como se fosse mesmo possível achar algum vendedor acordado as 4 horas e pouco da manhã, horário do Leste. Depois tentei comprar uma nova passagem barata online, já que talvez fosse esse o pior dos males. Encontrei tickets SP-NI por 700 dólares, mas somente com saídas para dois dias depois!

Retornei a loja da TAM já bastante desiludido e deprimido. A funcionária continuava sendo muito prestativa, e chegou a telefonar para sua supervisora às 5 e meia da manhã querendo saber se ela lhe autorizava usar sua senha de chefe na tentativa de resolver o meu problema. A supervisora concordou com a “exceção,” mas o computador, não—não permitiu nenhuma operação de troca. Quando já eram mais que seis da manhã, horário do vôo entre BH e SP, e tudo parecia perdido, tive um idéia. Que tal alguém da TAM no aeroporto de BH fizesse o meu check-in, usando os dados que eu já tinha repassado à funcionária? Posteriormente, em São Paulo, faríamos um pedido de segunda-via do segundo cartão de embarque (aquele referente ao trecho SP-NI). Eu pagaria a multa que existisse para a emissão da tal segunda via. A funcionária concordou em falar com o chefe da seção de guichês, e esse indivíduo concordou em testar minha proposta. E não é que deu certo? Eu fiquei tão emocionado e tão agradecido que nem consegui falar mais do que um “obrigado” àquela funcionária, mas foi com um olhar carregado de brilho e lento de tanta gratidão. A lição fora penosa, mas aprendi que com essas baratas (e perigosas) passagens, não se brinca.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Histórias de viagem

Dário Borim Jr.
dborim@umassd.edu
[Foto de Silvia Borim Codo Dias]

Na última sexta-feira à uma da madrugada eu chegava à casa de minha irmã Silvinha depois de passar as 25 horas anteriores nas estradas, nos ares e nos aeroportos de Nova Iorque, São Paulo e Belo Horizonte. Por estranha coincidência, passara todo o meu aniversário em trânsito. Para comemorar a data, mesmo àquela esdrúxula hora, fui agraciado com um belo prato fundo de canjiquinha, daquelas ornamentadas com ultra-macias costelas de porco. Ah, não faltou um bom copo de vinho chileno no calar e no frescor da madrugada.

De imediato foram muitas as histórias que troquei com Silvinha e meu cunhado José Codo, amante inveterado da música brasileira, como eu. Também discutimos alguns detalhes do jantar que três dias mais tarde nós três ofereceríamos a uma distinta poeta, Helena Jobim, irmã do ícone-maior da bossa nova, Tom Jobim.

Na noite que se sucedeu, encontramo-nos os três num casarão do século 19, na cidade de Antônio Carlos, a poucos quilômetros de Barbacena. Sou fã de clima de montanha, mas muito melhores que o ar rarefeito de lá foram a hospitalidade e os “causos” das anfitriãs, d. Cleusa e d. Lígia. Da última, por exemplo, ouvi detalhes do grande feito de um de seus ancestrais, um padre inconfidente que fora preso e enviado a Portugal no século XVIII.

Naquele tempo de exílio o padre politizado recebeu um pedido de outro sacerdote: que escrevesse um texto sobre a rainha d. Maria para ser lido em missa oficial. Depois de ouvir a leitura do texto encomendado, a rainha se dirigiu a quem ela pensava que fosse o seu autor. O reverendo português, então, lhe informou que o autor daquele texto era um sacerdote brasileiro. A rainha foi visitá-lo, teve compaixão e mandou soltá-lo imediatamente.

O padre brasileiro pôde contar com mais que a própria liberdade sob os céus de Lisboa: ele havia guardado todo o dinheiro que seus irmãos tinham-lhe enviado, pouco a pouco, ao longo dos muitos meses de encarceramento. Decidiu partir em peregrinação pela Europa afora comprando centenas de mudas de flores e árvores frutíferas, as quais levou para a região de Barbacena. Nos anos seguintes o resultado foi uma bonança de produção agrícola, que tornou muito famosa aquela zona montanhosa de Minas Gerais. No casarão eu mesmo observei vários diplomas de honra ao mérito oferecidos às indústrias de doces e estabelecimentos comerciais da região. Vinham de agências oficiais de Londres e Filadélfia, entre outras cidades.

Bom seria se hoje eu tivesse tempo e espaço nesta coluna para recordar tantos “causos” que ouvi de d. Cleusa e d. Lígia. Prefiro terminar com a devida referência a um dos mais interessantes encontros que já tive nos últimos anos. Sem querer ser muito chato, vale-me dizer que já jantei ao lado de gente famosa, do naipe de um educador conhecido e respeitado em todo o mundo, o Paulo Freire, e de um escritor laureado com o Prêmio Nobel, José Saramago. Mas isso fora há treze e seis anos, respectivamente.

Desta vez duas pessoas simpaticíssimas tinham muitas histórias para contar sobre o irmão e cunhado Tom Jobim—as dos seus encontros com Vinicius de Moraes e Chico Buarque de Holanda, por exemplo. Se não fosse indelicado, é claro, queria ter gravado aquela conversa. Aí, sim, eu poderia agora reproduzir e fazer justiça à simpatia de Helena Jobim e seu marido, Manoel Malaguti.

Termino, então, evocando uma paráfrase de Manoel a cerca da frustração de Tom Jobim após suas viagens à Europa. Tom dizia que amigos o assediavam com perguntas, querendo saber tudo sobre todo o divertimento que tivera no Velho Continente. O maestro de Ipanema mal podia convencê-los que suas viagens eram extremamente cansativas, com muitos ensaios e espetáculos lhe exigindo concentração e coragem. No mais, sobrava algum (indesejado) tempo para discutir contratos e assinar documentos.

sábado, 13 de setembro de 2008

Milton & Muito Mais


Dário Borim Jr.
De repente o sul da Nova Inglaterra foi invadido por músicos e escritores luso-afro-brasileiros. Até parece conspiração das artes lusófonas na Terra do Tio Sam. Nem sei por onde começar. Talvez deva respeitar a ordem dos termos do título desta crônica, que, aliás, nasceu antes dela—coisa rara para mim, que gosto de explorar as possibilidades de um título até o último minuto antes da publicação.

Então, não é boato não: no dia 11 de outubro vai se apresentar no Zeiterion, o lindo teatro no centro de New Bedford, a 15 minutos de carro da minha casa, o grande Milton Nascimento, o Milton do Clube da Esquina, de Belo Horizonte, aquele lá da simpática cidade de Três Pontas, a 25 km em linha reta do hospital de Paraguaçu, onde nasci. E não vem sozinho. Estará com ele o Trio Jobim: Paulo, filho mais velho de Tom Jobim, no violão; Daniel, neto do maestro, no piano; e o grande Paulo Braga na batera. A rua em frente ao teatro vai ser fechada para trânsito de carros e, imaginem, a partir das 6 da tarde vai-se vender feijoada, salgadinho, e caipirinha ali, em pleno asfalto! Aí vem concerto do Milton & Trio Jobim, certamente trazendo lágrimas aos rostos dos mais sensíveis.

A noite, porém, não vai terminar com as cortinas do teatro dizendo adeus. Lá fora a festa vai continuar com mais música ao vivo e dançarinas contratadas para animar os mais tímidos. Este será apenas o começo de um ano cultural recheado de atrações, ano que o Zeiterion dedica ao Brasil a partir de outubro. Em 15 de novembro, por exemplo, apresenta-se uma companhia de dança chamada Nascimento & Nascimento Novo. Em 20 de fevereiro, o famoso grupo DanceBrazil, de Salvador, Bahia, faz um espetáculo de capoeira, no dia seguinte ao de um workshop dessa arte afro-brasileira, também oferecido pelo Zeiterion. A oficina será dada pelo mestre Vieira, a quem o Centro Cultural Brasileiro de Boston reconhece como pioneiro da capoeira neste país. A noite de 19 de fevereiro será longa, com um verdadeiro Carmaval no Café Funchal, em New Bedford.
Nos dias 13 e 14 de março será a vez da grande diva do fado, Mariza, se apresentar no Zeiterion. Ela também vai cantar no Centro de Artes Jorgensen, da Universidade de Connecticut, em Storrs, na noite de 21 de fevereiro.
Lá mesmo em Storrs, em 28 de outubro, haverá um espetáculo da Orquestra Filarmônica Brasileira, sob a batuta de Gil Jardim, interpretando peças de Heitor Villa-Lobos. Um terceiro grande evento no mesmo teatro Jorgensen será o dos irmãos brasileiros Sérgio e Odair Assad, exímios violonistas, em 16 de outubro.
Providence e Boston não poderiam ficar de fora dessa longa série de eventos. No dia 17 de setembro, na Universidade Brown, dois entre os mais renomados escritores lusófonos da atualidade, o português José Luís Peixoto e o angolano José Eduardo Agualusa, farão leituras de suas obras. Já na capital de Massachusetts, no dia 25 de setembro, António Lobo Antunes, excepcional romancista luso-africano, é o tema de um colóquio co-patrocinado pelo Centro de Estudos Portugueses da UMass Dartmouth.

Por falta de espaço, e por ser hora de concluir esta crônica, ficam aqui apenas mais dois convites. Em Boston, no auditório da Berklee, escola de jazz mais famosa do mundo, a afinadíssima cabo-verdiana Lura faz show em 12 de outubro. Antes dela, porém, se comemoram 50 anos de bossa nova no Berklee Café com o espetáculo do pianista César Camargo Mariano, acompanhado do violonista e arranjador Oscar Castro Neves. Na verdade já estou até tonto de tanta tentação. Aliás, gostei desta aliteração tripla de três Ts e quase quis (outra aliteração) trocar de título para esta crônica. Os TTT ficam, então, como um subtítulo quae sera tamen: Tonto de Tanta Tentação!

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Futebol em Pequim


Dário Borimm Jr
dborim@umassd.edu

Fiquei un tanto triste e pensativo depois de duas partidas de futebol nessas Olimpíadas de Pequim: a do Brasil que perdeu feio para a Argentina, no masculino, e a do Brasil que perdeu de lavada para os Estados Unidos, no feminino. Sim, temos estrelas individuais: uma Marta e um Ronaldinho Gaúcho, um Diego e uma Cristiane. Observei como que até as brasileiras menos famosas da defesa e do meio-campo são boas de bola: controlam, driblam—fazem o que querem com muita intimidade e criatividade. Mas não sabem o que é melhor para o grupo e acabam se esforçando muito, individualmente e, por isso, de modo vulnerável à equipe. Então o que nos falta? É estratégia tática (na defesa, meio-campo e ataque) e rigor na disciplina, seja ela individual ou coletiva. Aqui não há espaço para discutir cada uma dessas falhas, mas vale a pena coletar alguns exemplos e argumentos.

Na terça-feira o Brasil claramente entrou em campo despreocupado e destituído de qualquer tática ou plano para anular o grande jogador argentino, Messi. O rapaz tinha espaço e liberdade para jogar. Isso me faz pensar: Seria arrogância ou displicência? Ou ambas? Será que um Dunga da vida, ou quem estiver no comando técnico da equipe, pensa em como se preparar taticamente, de modo especifico, para um determinado jogo? Acho que não. Entra o time em campo num oba-oba, num otimismo irresponsável ou numa má-fé de quem pensa que ganha a equipe que tem o maior número de estrelas ou a mais alta média de talentos individuais. Isso é muita ingenuidade num esporte coletivo tão equilibrado, dentro do Brasil (como se vê no Campeonato Brasileiro, onde apenas três pontos fazem um time subir ou descer várias posições na tabela), e no resto do planeta (como se constatou nas últimas copas do mundo, em que nenhum time se mostrou extremamente superior aos demais).

Acredito que o Brasil nunca vai jogar futebol como se fosse um time de robôs, é claro, mas um milhão de vezes já se provou que só entusiasmo e brilho individual não ganham nem copa nem medalha de ouro. Não tenho dúvida de que Dunga seja um homem inteligente, senão não teria chegado aonde chegou, mas ele não é estrategista e não tem experiência nessa área. Por exemplo, será que ele treinou a equipe para enfrentar retrancas fechadas, como foi a de Camarões? Será que treinou a seleção para enfrentar equipes que faziam pressão sobre o Brasil desde a saída de bola, no campo do Brasil, como fez a Argentina? Acho que não.

Acho que o Brasil só joga bem quando os adversários nos permitem espaço e liberdade para criar, e hoje isso ocorre com muita raridade—pois o tempo da inocência já acabou. Os demais times estudam e encaram o Brasil com estratégia e seriedade. Pior ainda, muitos dos nossos técnicos não apenas deixam de se preocupar com o estilo das outras equipes antes dos jogos em mente: eles não estão acostumados a descobrir e adotar novas táticas em pleno jogo, em função de como os adversários estão jogando a cada fase da partida.

De novo vem a história do oba-oba dos alegres e bacanas, que vira corre-corre dos aflitos e despeitados (frente aos rivais platinos), ou das aflitas e chorosas (como as nossas jogadoras após o jogo com os Estados Unidos). A equipe norte-americana não tinha uma Marta, e era uma equipe obviamente inferior à nossa em termos de habilidades individuais, mas era uma equipe que jogava de modo coeso, eficiente e objetivo. Fortes psicologicamente, elas estavam conscientes de que só unidas poderiam vencer. Objetivos, seus técnicos treinaram-nas para sustentar posturas sólidas de defesa e de ataque—uma estrutura planejada e ensaiada e, como tal, com maior chance de ser bem sucedida. Improvisação, minha gente, tem seus limites. Vamos primeiro unir habilidade, estratégia e consciência coletiva—aí, sim, poderemos pensar, quem sabe, que nada nos vai separar do próximo ouro ou da próxima copa do mundo.



História Sexual da MPB


Dário Borimm Jr
dborim@umassd.edu


Monumental, hilária, e reveladora ­­– assim podemos definir o livro de Rodrigo Faour, História sexual da MPB: A evolução do amor e do sexo na canção brasileira (Rio de Janeiro: Record, 2006). Não há como se pensar de outro modo diante das suas dimensões físicas, tom e valor simbólico enquanto referência. São 586 fascinantes páginas em papel off-set acrescidas de 32 páginas coloridas com as sugestivas capas de inúmeros LPs e CDs. Para o bem geral da nação e seus estudiosos e simpatizantes, o jovem jornalista e pesquisador Rodrigo Faour vai muito além do que se poderia esperar de um bom livro inteiramente dedicado às questões amorosas e sexuais na música popular brasileira.

Conforme nos adianta o astuto especialista Jairo Severiano, ao recomendar entusiasticamente a obra à primeira aba da segunda edição,“Faour obrigou-se a realizar a exaustiva tarefa de levantar mais de quinze mil composições representativas de toda a existência de nossa música.” Dessas, Faour analisou 1.300 títulos para desenvolver e sustentar suas teorias. Nessa empreitada, são citados os versos mais pungentes de todas ou quase todas essas 1.300 canções, às quais o autor teve acesso nos acervos das principais gravadoras brasileiras.

Além de discernir e comentar incontáveis canções que confirmam os paradigmas principais da história da música popular, o autor não deixa de incluir as exceções às regras, passagens estas que muitas vezes enriquecem seu ensaio com humor inusitado. Ao discutir algumas belas mas soturnas e deprimentes modinhas, Faour cita uma parte da entrevista com José Ramos Tinhorão em que o renomado e polêmico historiador analisa “Perdão, Emília,” de autor desconhecido. Gravada em 1902 por Bahiano e Mário Pinheiro, seus versos contam, segundo Tinhorão, “a história de um cara que vai ao cemitério pedir perdão à mulher porque lhe tirou a virgindade e não se casou com ela. No meio da música vem a grande surpresa: a morta ganha fala e esculhamba o cara” (28-29).

Na versão original, a musa-morta desabafa: “Monstro tirano, pra que vens agora? / Lembrar-me as mágoas que por ti passei? / Lá nesse mundo em que vivi chorando, / Desde o instante em que te vi e amei” (29). Faour arremata, com ironia, que foi por “acaso que deram voz à mulher nesta música–mesmo que depois de morta. Em geral não era assim” (29). Em plena informalidade, o autor observa que canções desse tempo “causavam um amargor no estômago que nem uma tonelada de Sonrisal daria jeito” (29). Explica ele que aquelas imagens dramáticas se tornariam “um indicativo de bom gosto. A música tida como bonita em geral continha alguma tragédia ou um quê de melancolia embutido” (29).

Com uma linguagem despojada (ao mesmo tempo informal e jocosa, e muitas vezes, irônica), Faour discorre sobre uma das principais vocações da música popular brasileira: elaborar uma múltipla crônica de costumes. Entre tais costumes, destaca-se a acentuada tendência do compositor, músico e consumidor-cidadão ao culto e estetização da fossa, do amor frustrado, da tristeza e da solidão. Segundo as contas de Faour, até a década de 60 do século passado, 90% de todas as canções amorosas brasileiras abordavam o desencanto amoroso.

O pesquisador também apresenta, com inúmeros argumentos e detalhes, uma aparente forma de esquizofrenia brasileira. Por um lado, setores da sociedade reprimem a tematização da sexualidade na música, impondo-lhe censura e punindo severamente os transgressores. Por outro lado, escancaram-se, desde os primeiros sambas até as banais formas de “bunda music,” os princípios da castidade e do decoro. Popularizam-se assim as “safadanças”, termo do próprio autor, isto é, o maxixe, o forró, a lambada, e o funk, enquanto se celebra e se abusa do duplo sentido da linguagem, da dita sacanagem, e da escatologia.

Em conclusão, a obra de Rodrigo Faour é ambiciosa e atinge seus objetivos, constituindo um adicional de peso (literal e metaforicamente) a uma distinta lista de obras que retratam com rigor, minúcia e zelo a história tão picante quanto mirabolante da canção brasileira.

sábado, 26 de julho de 2008

Bossa & Samba Thrill


Dário Borim Jr.


dborim@umassd.edu

Since June, 2008 there has been a new compact disc out there, The Bossa Project, featuring enchanting ways by which music travels deeply into and across cultures. It is truly inspiring when an artist who has proven to be extremely successful with the public and the critics alike takes a chance by landing in considerably new territory. In truth, though, the group Chicago's career and Robert Lamm's particular history of daunting crossovers and fusions of various pop genres and jazz (within and without the band) have subtly prepared us for the unpredictable, for the novelty that is fresh and authentic in its bold flight beyond previously established musical boundaries. Lamm, for those who may not know, has had much to do with the unprecedented trajectory which marks Chicago’s 40 plus years of unrelenting music writing and performance. Among so many other achievements, including the sale of more than 120 million copies of their recordings, the band has been the only U.S. group to visit Billboard ranks for four decades in a row.

Lamm's new release inspires us into that artistic courage while confirming our trust in his ability to breakthrough, to visit, to take risks, to mingle, and to come out anew, more creative and more convincing in his honest approach to making art music. Opening with a fabulous bossa nova rendition of “A Man and a Woman,” the main theme of a French romantic feature movie (directed by Claude Lelouch, 1966) that helped launch the music of Antonio Carlos Jobim, Luís Bonfá and Vinicius de Moraes, The Bossa Project is not just bossa nova, even though bossa is huge anyway, whether one likes it or not. By the way, celebrating 50 years of existence now, this Brazilian style is no passing fad in the sublime hands and horns of a Stan Getz, or the like. It remains an emotionally vibrant and yet gracefully seducing type of musicality with an open door to multiple explorations, including unheard-of mixing with contemporary trends in electronica and so-called world music.

Lamm goes beyond bossa nova by including three remixed tunes or by mixing it with jazz in multiple cuts, especially in “Haute Girl,” co-written with band partner (and arranger) John Van Epps. The Chicago founder artist (actually born in New York City) also encounters and excels in nothing but samba, which is no easy terrain for any musician not born, raised or intensively trained in Brazil. He does it marvelously in Van Epps' tune "Samba in Your Life” or in his own delightful composition, "Send Rain." Since bossa is undeniably rooted in samba, a musical dialog between the two music styles (or two points in the musical development lane that keeps stretching forward in time) can be enchanting in João Gilberto or Rosa Passos, but so is it in "Speak Low," by Kurt Weill and Odgen Nash.

For Brazilian music fans, here is a tip: Lamm's rendition of "Águas de Março" ("Waters of March"), the only original tune from Brazil in the disc, would make Jobim rejoice with us. It is, of course, not your average song. Several years ago Los Angeles Times music critic Leonard Feather argued that Jobim’s stylized samba had the most complex harmonic structure among all popular tunes he knew. He then placed “Waters of March” among the top ten compositions of all times. First released in 1972 and superbly recorded in 1974, by Elis Regina and Tom Jobim, “Águas de Março” was also chosen by influential newspaper Folha de São Paulo’s readers as the most beautiful Brazilian song ever written. Flutist Zé Luis helps, but it is mostly due to Lamm's credit (with his soothing voice naturally resembling that of our beloved Ipanema genius) that an unforgettable, world-class masterpiece continues to entrance us, as it wears new hats and new clothes on international shores from time to time.

Mirem-se nas cenas de Atenas

                                                       A colina da Acrópole desde o Hostel Safestay (2025) Ei, senhor Chico Buarque de Holan...